[Atenção, aviso: esse texto não tem o objetivo de defender ninguém, corrupto, corruptinho, corruptão, colarinho branco ou colorido. Muito menos o de fazer proselitismo político de qualquer linha, babar para qualquer juiz, entrar para a direita ou esquerda. É uma crônica em que se tenta refletir. Só que qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real não é mera coincidência. ]
A liberdade é o maior bem que existe. Ah, sim, é. É o que pode haver de mais valioso ao ser humano. Não só: creio que aos pássaros e aos animais a liberdade também tenha valor imensurável. Nada de gaiolas, jaulas, redes, gradis, cercas, ausência de luz, do Sol e da dimensão do tempo, das horas, dias e anos. E como os animais são a princípio sempre inocentes, ao contrário dos malvados humanos, sua detenção pode ser ainda muito mais cruel. Dependendo de suas espécies, são presos para serem mostrados, alguns como troféus. Alguns, para que cantem.
Não posso deixar de traçar paralelos, chamar a atenção para um ângulo da questão que está contribuindo para que pioremos muito como cidadãos, fazendo com que desçamos muito na escada evolutiva. O que é que estamos fazendo, como autômatos? Ligando a televisão para saber quem foi a presa do dia? Na casa de quem tocaram logo cedo para levar para viajar para um certo lugar? Plantões jornalísticos se formam para ver o avião decolar, helicópteros são usados para acompanhar o comboio policial. Ainda bem que perderam a mania de divulgar diariamente o cardápio como faziam no início.
Na minha lista de amigos nas redes sociais, muito ampliada por causa da profissão, vejo gente que passa o dia e parte da noite teclando impropérios, jogando toda a sua energia para pedir que se aprisione alguém desses que viraram rotina, ricos ou políticos. Os olhos brilham, as palavras pesadas brotam, e eles escrevem quase pedindo justiça com as próprias mãos, tortura, maus tratos. Por eles, desculpem, mas é o que passa, nem comida essa gente deveria receber. Se pudessem jogariam ratos, baratas e serpentes venenosas dentro das celas.
Se pudessem pagariam entrada, como se faz no Zoológico, para ir vê-los, fotografá-los, atiçá-los. As filas virariam quarteirões. Pensam que, como os canários, todos dentro das gaiolas sairão cantando, delatando.
Incomoda que não os vejo, contudo, usando dessa mesma energia para os assassinos de mulheres que estão brotando como nunca em nosso solo, apenas para dar um exemplo da contradição. Especialmente querem capturar o sapo-rei. Querem os peixes grandes, ricos e famosos, as celebridades. Repara como já se assemelham as coberturas jornalísticas de viagem a ilhas e as viagens às prisões e carceragens. O carro da esposa de um, a bolsa da mulher do outro…
Pense no que é uma prisão, o horror, e que gente de bom sentimento não pode se esbaldar com a prisão de outro ser, por mais que esse mereça e aí, se culpado for, punido e condenado for, não há dúvida, ali pagará mesmo por seu crime, porque, repito, é o horror. Não é por menos que vários barris de pólvora andam estourando em todo o território nacional.
Sim, porque visitava conheci bem uma prisão. Um presídio político, aliás, o do Barro Branco, em plena ditadura, onde semanalmente ia ver amigos meus, e era do Comitê de Anistia. Olha que dia de visita era especial. As grades ficavam abertas, e as crianças corriam de cela em cela naquele pequeno espaço, naquele corredor onde cada porta era de uma organização política diferente. Mas da minha mente jamais saiu a visão daquele pátio tenebroso, da privada turca cravada no chão, da frieza e do barulho dos pratos e colheres de alumínio, do olhar triste e melancólico da hora da despedida, do som do portão se fechando atrás de mim.
E olha só que coisa: justamente homens que estavam ali presos porque lutavam – de uma forma ou outra, sim, pelo poder político de visionários líderes – mas que antes de mais nada foram presos quando buscavam alcançar a liberdade que pudesse propiciar à política ter algum poder.
Toda prisão pode merecer ser revogada. Pensa só. Mas com a cabeça, não com o fígado.
Marli Gonçalves, jornalista –
Cadeia para quem precisa. E nem toda nudez será castigada. SP, 2016
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