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Matias Mendes

COMISSÃO RONDON: O General e seus Tenentes


Os eventos comemorativos do centenário da Comissão Construtora de Linhas Telegráficas do Mato Grosso ao Amazonas estão ensejando a oportunidade de um importante resgate histórico a respeito do grupo de oficiais que colaboraram com o General Rondon por mais de duas décadas nos árduos trabalhos de desbravamento dos sertões até então inóspitos do Centro-Oeste do Brasil, habitados ainda esparsamente por alguns raros pioneiros e dominados pelos famosos guerreiros Nhambiquaras, pacificados por Cândido Rondon, mas que chegaram a matar o Tenente Marques de Souza, durante os trabalhos de levantamento do rio Ananás (atual rio Tenente Marques), feriram gravemente os Tenentes Nicolau Bueno Horta Barbosa e Tito Barros e atacaram sem sucesso o próprio Rondon na sua primeira expedição de reconhecimento do rio Juruena, um dos principais formadores do Tapajós.

Durante as duas décadas de desbravamento de sertões, o General Rondon teve de enfrentar algumas tragédias de caráter quase pessoal em razão da ligação de profunda amizade com os seus infortunados comandados, entre os quais o Alferes-aluno (posto correspondente ao de Aspirante) Francisco Bueno Horta Barbosa, vitimado por piranhas durante uma travessia do Passo da Corixa Saram no tempo da construção dos ramais da linha telegráfica entre as cidades de Cuiabá, Cáceres e Vila Bela. Anos mais tarde, após a expedição de reconhecimento do rio Roosevelt, houve a tragédia do afogamento do seu grande companheiro de sertanismo, o Tenente João Salustiano Lira, que sucumbiu nas cachoeiras do rio Sepotuba (atual rio Tenente Lira) juntamente com o Tenente Eduardo de Abreu Botelho, que tentou salvá-lo, sendo que apenas o corpo do Tenente Eduardo Botelho foi resgatado e o Tenente Lira desapareceu para sempre nas águas do rio revolto. Alguns anos depois dessa tragédia, no final da década de 20, Rondon viria a perder o seu genro e grande colaborador Emanuel Silvestre do Amarante, vitimado por febre contraída na região do rio Jamari, nas proximidades de Porto Velho, onde foi sepultado.

Há quem afirme, não se sabe com base em que fonte documental, que o grupo de Tenentes que colaboraram com Rondon seria composto exatamente por oito oficiais. No entanto, uma simples consulta à obra de Esther de Viveiros intitulada Rondon Conta Sua Vida é o bastante para desmistificar essa versão fantasiosa. Para se ter uma idéia mais clara, vem ao caso lembrar que somente da família Horta Barbosa, trinetos de D. Antonio Rolim de Moura, o Conde de Azambuja, fundador de Vila Bela da Santíssima Trindade, serviram sob as ordens de Rondon pelo menos quatro Tenentes em ocasiões diversas: Francisco Bueno Horta Barbosa, Nicolau Bueno Horta Barbosa, Júlio Caetano Horta Barbosa e Renato Barbosa Rodrigues Pereira. Somados os integrantes da família Horta Barbosa aos Tenentes Emanuel Silvestre do Amarante, João Salustiano Lira, Eduardo de Abreu Botelho, Francisco Marques de Souza, Joaquim Gomes, Alencarliense Fernandes da Costa, Antonio Pirineus de Souza, Amílcar Armando Botelho de Magalhães, Manuel Tibúrcio, José Jorge, Ramiro Noronha, Manuel Rabelo, João Dionísio, Gomes de Oliveira, Nestor Passos, Barata, Vasconcelos, Bastos, Mello, Vilhena e alguns eventualmente não relacionados, temos um quadro de mais de vinte Tenentes que colaboraram com Rondon em épocas diversas, principalmente na grande construção da linha tronco do telégrafo entre Cuiabá e Santo Antonio do Madeira.

No que tange a oficiais de maior patente, aparecem apenas o Major Félix Fleury de Souza Amorim e os Capitães Marciano de Oliveira Ávila, Custódio de Sena Braga, Manoel Teófilo da Costa Pinheiro, Alberto Aguiar e Estillac, fato que indica que a presença de Capitães nas expedições de desbravamento foi bem rara em comparação com o número de Tenentes. Tal detalhe talvez se deva ao fato de que Rondon teve um problema com um Capitão nos primeiros anos de trabalho pelo sertão, mas também pode ser apenas uma decorrência das circunstâncias da época que não permitiam que oficiais intermediários e superiores ficassem internados pelos sertões por anos a fio. Como o posto de Capitão é o momento crucial de definição da carreira do oficial que pretenda atingir o generalato, talvez por isso não houvesse muitos Capitães com disposição para ficar por anos longe dos grandes centros e das unidades de maior visibilidade. Qualquer que tenha sido o motivo, a Comissão Rondon devassou os sertões com uma legião de Tenentes, mais numerosos que os raros Sargentos, revelando a genialidade de jovens oficiais que se destacaram pela inteligência e pela bravura, havendo um punhado deles sacrificado a vida para implantar o embrião do desenvolvimento da Amazônia. Esses heróis quase desconhecidos do grande público, ignorados por muitos que se dedicam a escrever a História, às vezes até vilipendiados pelo desconhecimento do grande trabalho que realizaram, ainda não tiveram do Estado de Rondônia a devida atenção no sentido de que se preserve com mais cuidado a memória da epopéia que eles escreveram com o próprio sangue, muito suor e por certo muitas lágrimas, não as lágrimas dos valentes guerreiros que devassaram os sertões, mas certamente as lágrimas de suas esposas e dos seus filhos pelos seus anos de ausência;  ausência que por vezes se traduzia em não voltar para sempre.

Fonte: MATIAS MENDES  -  matiasmendespvh@gmail.com
Membro fundador da Academia de Letras de Rondônia.
Membro correspondente da Academia Taguatinguense de Letras.
Membro correspondente da Academia Paulistana da História.
Membro da Ordem Nacional dos Bandeirantes Mater.
Membro do Instituto Histórico Geografico de Rondônia

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