Segunda-feira, 10 de setembro de 2007 - 16h13
A afirmação é do deputado Nilson Pinto. Para ele, a sustentabilidade deve melhorar a vida na região.
MONTEZUMA CRUZ E CHICO ARAÚJO
Não existe uma Amazônia única. São várias Amazônias. Existe a Amazônia de planícies, de planaltos e de montanha; existe a Amazônia cercada por rios, e a Amazônia árida. Existe uma diversidade enorme do ponto de vista geológico, fisiográfico, de ocupação humana, biológico e de populações tradicionais.
Com esse conceito e advertência, o presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados e diretor do Instituto Teotônio Vilela, Nilson Pinto (PSDB-PA), considera um erro ver a Amazônia como algo homogêneo. "Não se pode admitir em 2007, quinze anos após a Eco92, quando se definiu a chave da sustentabilidade para o mundo, que ainda tenha gente vendo a Amazônia só por um viés". Nilson Pinto também denuncia: "O Brasil tem explorado a Amazônia de forma absolutamente desleal. Tem se aproveitado de seus recursos e tratado a população com descaso".
Segundo Pinto, sustentabilidade significa oferecer condições adequadas de vida hoje e para gerações futuras. "Isso só se pode fazer cuidando ao mesmo tempo, e de forma equilibrada, conciliada, dos aspectos econômicos, ambientais, sociais e culturais". Para o deputado não se pode, "em nome da riqueza", permitir qualquer tipo de exploração que acabe com a natureza. "Nem dá para transformar a Amazônia em santuário intocável".
"Na Amazônia, ainda preservamos 85% da floresta. Não estou dizendo isso para incentivar a devastação, mas para demonstrar que nos 15% já desmatados existe espaço suficiente para se plantar o que quiser. Não é crime nenhum plantar cana e soja em áreas já desmatadas. As tecnologias disponíveis permitem isso. O ruim é desmatar mais". Ele se disse entristecido e indignado quando ouviu o presidente Lula afirmar que na Amazônia não existe lugar para álcool "Isso é de uma mediocridade impressionante", criticou.
Aos 55 anos, deputado federal no terceiro mandato, Pinto foi reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA) de 1989 a 1993, e secretário de Promoção Social de 2001 a 2002. Graduou-se nessa instituição bacharel em geologia em 1973 e mestre em geoquímica em 1977. Em 1980 formou-se doutor em geociências pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, na Alemanha.
Um mea culpa: "Os 89 deputados que representam a região agem conforme os interesses de cada estado".
Alguns vêem a Amazônia como problema para o Brasil, outros vêem solução? E o senhor?
NILSON PINTO — A Amazônia é um fantástico patrimônio que qualquer país do mundo gostaria tê-lo. O mundo inteiro reconhece a importância planetária da Amazônia. Os brasileiros e, lamentavelmente até brasileiros bem informados, não têm a percepção da grandiosidade desse patrimônio e como ele pode ser importante para ajudar o Brasil a ter um futuro melhor do que o que se desenha hoje.
Quer dizer que essa falta de cuidados para a com a Amazônia é causada por desconhecimento?
É verdade. Infelizmente, entre as pessoas bem informadas, o nível real de informação sobre a Amazônia é pequeno. Ela é vista de fora para dentro como algo exótico; algo que é interpretado apenas por aspecto específico. Dificilmente, alguém consegue ver a Amazônia na sua integralidade. Aquelas pessoas que têm o interesse econômico, empreendedor, costumam vê-la como centro de oportunidades de exploração de recursos naturais para se ganhar dinheiro. E costumam fazer isso de maneira predatória.
A ciência na Amazônia tem prestígio político?
A ciência feita na Amazônia ainda é pequena, do ponto de vista da produção, se comparada ao que se produz no restante do mundo. A região é um desafio científico, entre outras coisas, para ser estudado por muitos cientistas. Hoje, o número de cientistas doutores é bem menor que o de uma universidade do interior de São Paulo. É preciso mudar essa triste realidade. A solução é o governo investir fortemente na qualificação de pessoal e a fixação de cientistas na região. O País só tem a ganhar com isso.
É o caso da madeira, por exemplo...
Exato. Há outras pessoas que olham a Amazônia apenas pelo viés ecológico, considerando a importância das florestas, das águas... Por essa razão, elas tendem considerar a necessidade de se transformar a região num santuário. É uma visão que também não atende aos interesses da região. E por que não atende? Ali estão 20 milhões de pessoas, seres humanos que precisam viver com dignidade. Se transformássemos a Amazônia numa região intocável, estaríamos condenando esses nossos irmãos à miséria. Isso significa dizer que, ao abordamos a problemática amazônica, não podemos considerar apenas os aspectos econômicos e ambientais. Temos que levar em conta os aspectos social e cultural. É necessário que vejamos o homem amazônida. Quem olha de fora pensa que a Amazônia é algo homogêneo, mas isso não é verdade.
De que maneira isso deve ocorrer?
A Amazônia é muito heterogênea. São várias Amazônias. Existe a Amazônia de planícies, de planaltos e de montanha; existe a Amazônia cercada por rios, e a Amazônia árida. Existe uma diversidade enorme do ponto de vista geológico, fisiográfico, de ocupação humana, biológico e de populações tradicionais... É um erro considerar a Amazônia algo homogêneo. E o erro maior que se comete é procurar entendê-la apenas por um viés. É preciso entender a Amazônia como um todo.
Não se pode admitir em 2007, quinze anos após a Eco92, quando se definiu a chave da sustentabilidade para o mundo, que ainda tenha gente vendo a Amazônia só por um viés. Sustentabilidade significa termos condições adequadas de vida, hoje e para gerações futuras, e isso só se pode fazer cuidando ao mesmo tempo, e de forma equilibrada, conciliada, dos aspectos econômicos, ambientais, sociais e culturais.
A Campanha da Fraternidade da CNBB tem a Amazônia como foco este ano. Esse tipo de ação ajuda a despertar as pessoas para a situação da região?
A iniciativa da CNBB é louvável, merecedora de todos os aplausos. Estive no lançamento da campanha, em Belém (PA), para cumprimentar os bispos pela decisão. Aliás, foi uma decisão histórica da Igreja: pela primeira vez a Campanha da Fraternidade foi lançada fora de Brasília. Os bispos e a Igreja perceberam a importância da Amazônia e estão chamando a atenção para ela, não apenas no aspecto ambiental, como alguns tentaram insinuar. A Igreja está chamando a atenção também para a questão social, para a situação dos 20 milhões de pessoas que ali vivem. É preciso ter consciência que não se pode, em nome da riqueza, permitir qualquer tipo de exploração que se acabe com a natureza, nem dá para transformar a Amazônia em santuário intocável. Portanto, a exploração dos recursos naturais tem que ser sustentável.
A Assembléia Legislativa do Pará aprovou uma lei que taxou as mineradoras pela destruição ambiental. É uma iniciativa viável no sentido de garantir a conservação da floresta?
A legislação brasileira é extremamente prejudicial a um estado como o Pará, que tem sua maior fonte de receitas na exportação de matérias-primas. Minérios e madeiras são os principais itens da pauta de exportação. Infelizmente, a legislação determina que esses produtos exportados sejam desonerados de impostos (não pagam o ICMS, imposto arrecadado pelos estados).
Então, o Pará fica com o custo?...
Com o custo e o buraco. Exportam-se bilhões de dólares e não há contrapartida para o estado que está perdendo aquela riqueza localizada em seu território. Por conta de se manter a indústria brasileira competitiva no mundo, se legislou dessa forma e o Pará é o estado mais prejudicado com isso. O Pará exporta US$ 4 bilhões anuais e importa menos que R$ 400 milhões. O Pará é o Estado que mais contribui com a balança comercial brasileira; contribui decisivamente para que o País tenha superávit na balança. Em vez de ser beneficiado, o Estado é punido; fica com as mazelas da exploração mineral. É, portanto, compreensível que a Assembléia Legislativa tenha tomado a decisão de criar a taxa. Acho que esse não é o melhor caminho. A saída é a mudança da legislação federal, o que garantiria a compensação pela exportação dos minérios explorados no subsolo paraense.
A geração de energia elétrica também causa perdas ambientais e financeiras aos estados amazônicos. Como o senhor avalia isso?
É mais uma situação em que os estados amazônicos sãos punidos. O sistema de distribuição de energia é todo interligado; os grandes centros consumidores são o Sul, o Sudeste e o Nordeste, e grande parte da geração ocorre na Amazônia. Nem o ICMS os governos da Amazônia cobram, pois no caso da energia o imposto não é cobrado na origem, mas no destino. Para o petróleo e a energia o ICMS é cobrado no destino (com os demais produtos ocorre o contrário). A Amazônia produz a energia, arca com os danos ambientais e nada recebe por isso. É uma situação catastrófica; só se resolve no bojo de uma reforma tributária. No caso do Pará, a mineração e a geração de energia são ruins nos aspectos ambiental e econômico.
A bancada da Amazônia tem 89 deputados. É uma força grande na Câmara. Esses fatos não estariam ocorrendo por falta de uma atuação mais articulada dessa bancada?
Com certeza. Nossa situação enquanto região reclama uma ação mais articulada. Infelizmente, por desdobramentos históricos, ocorreu uma diferenciação política e, por isso, nem todos defendem as mesmas coisas. Se observarmos como são exercidas as atividades econômicas na região perceberemos, facilmente, pelo menos três vertentes. No Amazonas, por exemplo, tem um modelo gerado a partir da Zona Franca de Manaus. É um modelo baseado na subvenção estatal, na isenção fiscal, que criou um pólo industrial importante, mas que beneficia basicamente só o estado do Amazonas. O pólo causou um vazio demográfico, pois a população foi morar na capital. Tem outro modelo que se desenvolve no Acre, o extrativismo de pequenas propriedades.
Um modelo cuja fama espalhou-se pelo mundo...
A experiência foi apresentada ao mundo como modelo interessante. A ministra Marina [Silva, do Meio Ambiente] defende isso até hoje. Para o Acre, o modelo de desenvolvimento sustentável é apresentado dessa forma: é um extrativismo da floresta que não rende muita coisa para a população. Extrativismo não traz dinheiro para ninguém. Então, aí temos dois modelos diferentes. No Pará, temos um outro modelo totalmente diferente, incentivado pelo governo federal. Abriram-se estradas, criaram-se hidrelétricas e se povoou a região com migrantes de outras regiões, com a expectativa de exploração dos recursos naturais do estado e a criação de gado. Isso provocou um processo de ocupação [o Pará é um estado totalmente ocupado] e grandes conflitos agrários.
...Conflitos que outros estados também têm...
Exato. Esse modelo paraense valeu para parte do Tocantins, norte de Mato Grosso e Rondônia. Tudo isso incentivado a partir de Brasília e que causaram conseqüências diferentes do ponto de vista econômico, social e ambiental na Amazônia. Então, a Amazônia não é uma só. Por essa razão, é difícil exigir que a bancada da Amazônia tenha um pensamento homogêneo. O viés da política econômica aplicado na Amazônia dividiu a consciência amazônica, o que reflete na atuação da bancada.
Os biocombustíveis chegaram à Amazônia. No Acre está se desenhando uma primeira experiência. Isso chega a preocupar no aspecto ambiental?
A Amazônia tem espaço para a produção amplamente diversificada. Tem espaço para a conservação da floresta e outras atividades econômicas. A Amazônia tem mais de 85% de suas florestas preservadas. Fala-se da devastação em tom catastrófico. Catastrófica mesmo é a situação da Mata Atlântica (ali 94% das florestas foram devastadas). Na Amazônia, ainda preservamos 85% da floresta. Não estou dizendo isso para incentivar a devastação, mas para demonstrar que nos 15% já desmatados existe espaço suficiente para se plantar o que quiser. Não é crime nenhum plantar cana e soja em áreas já desmatadas. As tecnologias disponíveis permitem isso. O ruim é desmatar mais.
Fiquei triste e indignado ao ouvir, dias atrás, o presidente Lula afirmar que na Amazônia não existe lugar para álcool. Isso é de uma mediocridade impressionante. Na Amazônia tem lugar para a produção de álcool, de soja, entre outras atividades. Basta que usemos as áreas já desmatadas, alteradas ou degradadas. Essa área corresponde a 600 mil quilômetros quadrados. Usando a tecnologia disponível na Embrapa é possível produzir de tudo, sem essa visão boba e catastrófica que desconhece a evolução econômica. O Pará é um exemplo disso. Nos últimos três anos o Estado fez o zoneamento agroecológico, destinando 70% de suas áreas para preservação e os 30% já desmatados seriam utilizados para produção. Mas, infelizmente, o Brasil não está utilizando a política do zoneamento ecológico-econômico. Se assim o fizesse, os conflitos acabariam.
Mas tudo isso depende pesquisa e, pelo que se observa, esse é um setor Amazônia...
Na Amazônia existem bons grupos de pesquisas. Mas a pesquisa na Amazônia é como a comunicação: é totalmente dominada pelo que vêm do Sudeste. Temos bons grupos, mas eles ainda são pequenos. Enquanto isso acontece, enfrentamos desafios enormes. A maior floresta tropical do planeta com uma incontável série de possibilidades de aproveitamento de fármacos e cosméticos, por exemplo. O governo brasileiro deveria apoiar um programa de estudo fortíssimo nessa área, deslocando pesquisadores para a Amazônia, ajudando a formação de pessoal e a fixação de pesquisadores na região.
As universidades exerceriam, então, o seu papel?
As instituições de pesquisas e as universidades da Amazônia trabalham razoavelmente de forma integrada, inclusive do ponto de vista da formação de pessoal. Mas o número de doutores é pequeno; é bem menor que o da Universidade de São Paulo, que é uma das três universidades estaduais paulistas.
Mas falta investimento em pesquisa...
Sem dúvida. É preciso um programa específico do governo federal para apoiar a pesquisa. Aplicar em pesquisa não é despesa, é investimento para o futuro. No governo passado discutimos com o Ministério da Ciência e Tecnologia a criação de um fundo para apoiar a ciência e a tecnologia na Amazônia. Ainda quando existia a Sudam, que funcionava com recursos vindos de renúncia fiscal, nossa proposta era que 10% dessas renúncias fossem direcionados para esse fundo. O dinheiro serviria para ajudar as universidades e as instituições de pesquisas a contratar pessoal, equipar laboratórios e apoiar projetos de pesquisas. O aporte financeiro ficaria em torno de R$ 600 milhões. Mas o fundo não existe. Daí, a ciência e tecnologia na Amazônia continuarem à míngua.
É por essa falta de investimento que o Brasil virou um saco sem fundo no campo da biopirataria?
Sem dúvida. O crime de biopirataria, tráfico de animais, não se resolvem apenas com repressão. Se tivéssemos investimentos para pesquisas no Brasil os nossos recursos naturais e genéticos não estariam sendo contrabandeados para o exterior. No governo passado criaram-se os chamados fundos setoriais. A ciência e a tecnologia ganharam um desses fundos. Porém, de nada adianta. O dinheiro arrecadado nunca é investido no setor específico em função dos sucessivos contingenciamentos feitos anualmente pelo governo. Isso é crime de lesa-pátria. Não estamos fazendo as pesquisas na Amazônia, apesar de termos os instrumentos para isso. Está faltando mais visão política do governo. A Amazônia não deve nada ao Brasil. Pelo contrário, só tem ajudado o Brasil. O Brasil tem explorado a Amazônia de forma absolutamente desleal. Tem se aproveitado de seus recursos e tratado a população com descaso, arriscando até a matar sua galinha de ovos de ouro.
Relatórios internacionais mostram que corremos o risco de enfrentar conflitos regionais, inclusive na Amazônia, por conta do acesso à água. O Brasil está preparado para enfrentar essa ameaça?
Esse é um assunto gravíssimo. A questão do acesso à água merece uma discussão ampla. Governos e a população precisam se unir. Acredito que os conflitos pelo acesso à água devam acontecer, como apontam documentos do Pentágono, o órgão de defesa dos Estados Unidos. Mas no Brasil já temos conflitos. A transposição do Rio São Francisco é um exemplo.
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