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Montezuma Cruz

COOPERATIVISMO SOLIDÁRIO


Acre abre as portas ao
cooperativismo solidário


MONTEZUMA CRUZ
AGÊNCIA AMAZÔNIA

BRASÍLIA – O Acre está interessado no modelo cooperativista social europeu. Uma reunião promovida pelo senador Sibá Machado (MT) no final de semana, em Rio Branco, possibilitou aos líderes do segmento cooperativista daquele estado conhecer duas experiências de cooperativas bem sucedidas de trabalhadores na Europa: uma, da Mondragón, no país basco espanhol, uma referência mundial; outra, o Consórcio Nacional de Cooperativas de Solidariedade Social Gino Matarelli (CGM) da Itália. Machado conheceu pessoalmente o modelo italiano, em recente viagem à aquele país, acompanhado do coordenador de economia solidária do município de Rio Branco, Paulo Braña.

Sibá falou sobre o método de parcerias público-privadas e disse acreditar, preliminarmente, que o leque de ações é grande, abrindo espaço a futuros debates. Para Braña, o encontro foi a oportunidade para se avaliar o funcionamento das cooperativas do Acre. "Notadamente as que têm o apoio da economia solidária para aprimorar conhecimentos e implementar ações bem sucedidas, adequadas à nossa realidade", frisou. "Foi um bom começo", analisou o deputado Fernando Melo (PT-AC), membro da Frente Parlamentar Cooperativista na Câmara e integrante da Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural. COOPERATIVISMO SOLIDÁRIO - Gente de Opinião

O diretor brasileiro da Mondragón, Ibrahin João Elias(foto), participou da reunião (leia entrevista dele à revista Eletrônica Gestão Cooperativa, no final desta matéria).

Educação, meta maior

O Movimento Cooperativo de Mondragón foi iniciado pelo padre missionário José Arizmendi em 1950 e desde o começo a idéia era fazer um forte investimento na educação das pessoas, uma educação voltada à transformação da realidade sócio-econômica, direcionada a descobrir capacidades que permitissem o desenvolvimento das pessoas e do entorno onde elas viviam.

"Primeiro era preciso formar as pessoas para depois formar cooperativas", descreve Arizmendi. "Então, seis anos depois, em 1956, foi fundada a primeira empresa associativa do que iria se tornar o grupo Mondragón: Talleres Ulgor.

As cooperativas do grupo Mondragón são formadas não só por trabalhadores. Congregam outras categorias de sócios: usuários e colaboradores. De por cento das sobras anuais são dispostas num fundo que destina os recursos para atividades não apenas das cooperativas, mas que beneficiem toda a comunidade regional, entre as quais, a manutenção de escolas, postos de saúde, grupos culturais e atividades de comunicação.

Modelo italiano tem 30 anos

Já o CGM consolida o modelo de cooperativismo na Itália criado há mais de 30 anos. O CGM agrega mais de 1.300 cooperativas sociais em todo o país. Destas, 47% situam-se na região norte italiana, 24% no centro e 29% no sul e ilhas. Representando 13% do orçamento nacional dedicado aos assuntos sociais da Itália.

Diferente do modelo de cooperativas da Mondragón, calcados em setores produtivos, as cooperativas do CGM promovem uma espécie de trabalho de recuperação e inserção de pessoas no mercado de trabalho.

Suas cooperativas se dividem em dois tipos: tipo A (gestão de serviços sócio-sanitários e educativos) que representam 78% das cooperativas sociais italianas e intervêm com deficientes, idosos, jovens em dificuldade, adultos desfavorecidos, presidiários e doentes mentais. E os setores de atividades das cooperativas de tipo B (inserção profissional das pessoas em dificuldade) que oferecem serviços de artesanato, agricultura e comércio. COOPERATIVISMO SOLIDÁRIO - Gente de Opinião

O que há por trás da Mondragón


DA REVISTA GESTÃO COOPERATIVA

Mondragón Corporação Cooperativa (MCC), situada na região basca (extremo Norte da Espanha), é a única instituição empresarial no mundo que se estruturou a partir do espírito cooperativo. É formada por mais de cem sociedades cooperativas que atuam em diversos setores: alimentação, eletrodomésticos, universitário, máquinas e ferramentas, instituições financeiras. O segredo do sucesso de Mondragón está baseado na extrema preocupação com a formação profissional e social, a qual se tornou o elemento transformador de uma região pouco desenvolvida. Isso foi lá pela década de 1950. Na entrevista concedida por Ibrahin João Elias, o diretor brasileiro da empresa, é possível entender porque a educação é a principal missão de Mondragón.

Gestão Cooperativa: Gostaria que o senhor comentasse como nasceu a preocupação com a educação em Mondragón.

Ibrahin João Elias: O trabalho é o grande fator de transformação do homem, da sociedade e da natureza, e é pelo trabalho que o homem se expressa como homem. Cada vez mais esse trabalho tem que ser mais qualificado e constantemente revisto. Só se faz isso por meio de um processo educativo. Nós acreditamos que o processo de educação é a base da transformação do homem para poder reorganizar-se através do trabalho. Então nós temos um processo educativo que vai desde a pré-escola até o nível universitário, passando pelo ensino tecnológico e coisas correlatas. É a educação para cooperação ou a integração empresa-escola? Não se sabe onde uma começa e outra termina... 

Hoje, a Mondragón mantém escolas do primeiro ao quarto nível, além de centros de investigação em pesquisas próprias. Então, esse processo todo funciona, primeiramente, como um centro de divulgação do cooperativismo e formação de executivos em cooperativismo; e, em segundo lugar, como centro de empreendedorismo, portanto de gestão empresarial. Essa que é basicamente a educação chamada formal. 

Quanto à educação cooperativista, nós acreditamos que o cooperativismo é um modo de vida. São valores que se transmitem, se criam continuamente, com trabalhos de solidariedade e justiça social. Se se analisar, na nossa estrutura curricular, não vai encontrar uma matéria – valores cooperativistas. Não tem isso porque essa é uma prática diária e constante, e é isso que a gente procura fazer. Para a gestão cooperativa, aí sim, nós temos cursos especiais e em nível de pós-graduação.

A integração escola-empresa se dá por dois motivos: a valorização do trabalho exige uma presença contínua da escola dentro do trabalho. O nosso trabalho como um todo não é abstrato, ele apresenta problemas que têm que ser solucionados pela escola. Então, as instituições de ensino estão no trabalho para antecipar problemas e solucioná-los. Por outro lado, o trabalho está na escola para propor os problemas. As nossas universidades ou escolas não são geradoras de literatura; elas são geradoras de teoria aplicada.

Quando o senhor fala da escola, desde o primário, tem essa preocupação de serem passados esses conceitos, não que seja uma disciplina, mas para as crianças já terem essa noção da cooperação?

Ah sim... Sem dúvida. Elas começam a aprender a trabalhar em grupo. E outra coisa: quando se fala assim, pode dar uma idéia de estar plastificando todo mundo. E não é isso! É preciso estimular o sujeito a dar o máximo da potencialidade dele, e isso é um trabalho que a gente faz. O indivíduo tem que ir ao máximo do que ele pode render, mas sempre condicionado ao bem comum. Cria-se o "rei da cocada preta", sem ele perceber que é o rei da cocada preta!

Em relação à pesquisa e desenvolvimento, a gente percebe que o Brasil, por exemplo, tem um baixo índice de registro de patentes. A Mondragón tem essa preocupação em desenvolver nova tecnologia, novas patentes?

Não é uma preocupação em si. As escolas americanas, por exemplo, estão constantemente em busca de novas patentes. Nós estamos mais em busca da aplicação de novas tecnologias do que uma nova patente. Nossa obrigação dentro da pesquisa é identificar e solucionar problemas, e não ter a patente pela patente. Com isso, nós não geramos conhecimento público, nós geramos conhecimento aplicado.

Em relação ao cooperado, existe alguma pesquisa de clima organizacional? Como o cooperado se sente em relação ao trabalhador formal?

O que eu tenho visto lá é uma manifestação de satisfação muito grande! Na cooperativa, não é todo mundo que ganha igual. O cooperado ganha de acordo com o seu posto de trabalho. Só que o leque salarial, vamos colocar nessa terminologia, é muito pequeno. O maior salário é três vezes e meio o menor. A diferença de nível é muito pequena, é algo entre 5% e 6%. Então não há grandes distorções, a renda é bem distribuída dentro de uma cooperativa. O nível médio é muito elevado, então a cobertura das necessidades como saúde e educação é bastante satisfatória e o salário proporciona um padrão de vida bastante interessante. Na Mondragón você não vai encontrar nenhuma pessoa milionária, e também não encontra nenhum mendigo. Essa é a grande conquista.

No seu ponto de vista, qual seria a maior fraqueza do sistema Mondragón?

Essa organização é humana! Não é uma organização que veio de uma inspiração divina. Não é uma coisa criada por Deus... É criada por homens, então ela apresenta falhas. Eu vi, por exemplo, nos anos 90, um pouco de acomodação com o sucesso, mas o bom dessa história toda é que rapidamente você reverte isso e vai buscar novas soluções.

A Mondragón é líder de um dos setores industriais, como máquinas e ferramentas. Por um determinado tempo, ela se acomodou e esqueceu que tem uma indústria nova. Agora está fazendo uma reflexão para construir um parque tecnológico fantástico, para poder se incorporar à nova indústria. Mas, a empresa se acomodou e isso foi uma fragilidade. Em relação ao nosso cooperativismo, o senhor que é brasileiro e conhece o sistema, qual a maior fragilidade que temos aqui?

Eu diria que a nossa maior fragilidade ainda é a mentalidade celetista (CLT) que as pessoas possuem, não só o trabalhador como o gerente e até o patrão. Nós somos muito ligados à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e isso no cooperativismo não funciona. Não estou falando dos benefícios que o operário tem, porque isso o cooperativismo visa a uma maior escala do que a própria CLT; e hoje na Mondragón, por exemplo, não são 13 salários, são no mínimo 14. As férias de 30 dias são consagradas e são mais do que 30 dias. O mês de agosto é atípico, a Espanha pára. Mas, durante o ano, são várias semanas de folga, então são mais de 30 dias de folga. Todas as vantagens que você vê na CLT, o cooperativismo visa a vantagens maiores, porque na realidade o que importa no cooperativismo é o homem, a pessoa, o bem estar da pessoa, não é a empresa em si. A empresa é um meio pelo qual o homem pode se realizar. Não é esse aspecto que eu vejo que vicia a CLT, o que vicia é aquela concepção de: "um manda os outros obedecem".

O cooperativismo é essencialmente participativo, a pessoa tem que estar envolvida não só no processo de capital, não só no resultado, mas, sobretudo na gestão. Então eu vejo a mentalidade celetista como o maior entrave do cooperativismo brasileiro.

Há ainda muitas pessoas que vêem na cooperativa uma entidade assistencial. São vícios, mas que são superados. Agora a mentalidade celetista é um processo educativo a longo prazo e é muito interessante porque quando a pessoa experimenta, rapidamente ela muda.

Qual é a parte forte de Mondragón que a faz ser essa referência mundial?

Eu acho que foi uma combinação de fatores, que não sei se podem ser reaplicados: biografia, história e cultura. Também a questão da educação e a compreensão da importância que ela tem no trabalho. Isso faz a diferença aqui e na Mondragón.


Fonte: Montezuma Cruz: Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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