Quarta-feira, 7 de novembro de 2007 - 10h59
MONTEZUMA CRUZ - “Posseiros dão menos problemas ao índio que agropecuárias, madeireiras e mineradoras”.Choques entre posseiros e índios são relativamente pequenos. Os maiores problemas, muitas vezes promovidos ou, pelo menos acobertados pelo governo, são causados pela invasão das terras indígenas por grandes companhias agropecuárias, madeireiras e mineradoras nacionais ou multinacionais.
Com essa conclusão na CPI da Terra de 1977, o bispo de Goiás Velho, dom Tomás Balduíno, anteviu uma situação que se repetiria atualmente em grande parte das reservas indígenas, principalmente no Brasil Central e na Amazônia. Naquele ano a Câmara criou também a CPI do Índio.
Em Rondônia, até o governo está envolvido com a exploração ilegal de diamantes no território indígena Cinta-Larga, onde morreram 29 garimpeiros. As pedras no caminho desse povo começaram naquele final da década de 70, quando foi descoberto um garimpo de ouro nas vizinhanças do Projeto Juína, da Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (Codemat).
Cintas-largas perdem tradições
Estradas e fazendas foram surgindo no extremo-noroeste mato-grossense. Um grupo de cem índios Cintas-largas, contactado pelos sertanistas Francisco Meireles e seu filho Apoena Meireles, começou a deixar de lado seus costumes e tradições, denunciavam os missionários Antônio Iasi Júnior e o coordenador do Conselho Indigenista Missionário, Salvador Valladares. Esse povo é o mesmo, cujas terras vêm sendo hoje ocupadas por garimpeiros de diamantes.
Na estrada Vilhena-Dardanelos, peões de empreiteiras presentavam os índios com roupas e objetos. O abandono a aldeias em Serra Morena foi o sinal de que a colonização cercaria para sempre o território indígena. A custo muito alto para a cultura indígena: entre 1977 e 1978, alguns índios se empregavam em obras do Projeto Juína e no lado oposto da serra, na Fazenda Paraíso e numa área da Cooperativa Amazonense.
Xingu e Sete de Setembro
Em 1977 a Fundação Nacional do Índio (Funai) havia demarcado o Parque Indígena do Aripuanã, entre Mato Grosso e Rondônia, demarcava o Parque Indígena do Xingu e previa a demarcação das reservas do Araguaia e Tumucumaque. A área de terras férteis do Posto Indígena 7 de Setembro, dos índios Suruís, foi regularizada com sangue, suor e lágrimas.
A Colonizadora Itaporanga, dos irmãos Melhorança, loteara parte da reserva (leia matéria nesta série). Morreram brancos invasores e índios em conflito armado. Muitos colonos levados pelos Melhorança ali chegaram com boa fé e só depois constataram que estavam sendo caçados pela Funai e pela Polícia Federal.
Um ano depois da CPI da Terra, a situação ainda era tensa no interior de Rondônia. ”Índio não é gado, por isso, não pode ser trocado de invernada para invernada ao sabor dos poderosos”, protestava o sertanista Apoena Meireles, ao tomar conhecimento das declarações do então coordenador do Incra para o Acre e Rondônia, Assis Canuto. Para disciplinar o processo migratório, ele havia proposto o recuo da reserva indígena dos Suruí.
Bispo faz cobrança enérgica
Dom Tomás Balduíno, questionava: Como explicar a invasão do Parque do Xingu pela Agropecuária Santa Rosa, que penetrou pelo menos 24 quilômetros no limite dessa área?
Como compreender a profanação desse mesmo parque pela BR-80, em 1971, sem que parte da área desmembrada, ao Norte, permanecesse totalmente na posse dos índios, ou revertesse à posse e domínio da União, como determina a Lei nº 6001 (Estatuto do Índio), em seu artigo 21? Ao contrário, essa área foi ocupada por fazendas que poderão entrar em conflito com os índios Txucarramae, que não concordam em abandonar o seu território.
Como justificar a entrega de certidões negativas da presença de índios na área? Como não se impacientar diante dos sucessivos adiamentos na demarcação das terras dos Tapirapés, no município de Luciara (MT), que foi em grande parte ocupada pelas agropecuárias Tapiraguaia, Codeara (Banco de Crédito Nacional) e Porto Velho (Fertilizantes IAP), todas ligadas à Associação dos Empresários da Amazônia.
Como acreditar que os índios do Acre sejam empregados naquela que seria sua propriedade, recebendo de seus esbulhadores, muitas vezes uma garrafa de pinga como pagamento pelo dia de trabalho? Como explicar que, em Roraima, aonde ainda hoje os indígenas representam pelo menos um terço da população do território, não haja sequer uma única área efetivamente demarcada e respeitada?
Há 30 anos, invasões por toda parte
BRASÍLIA – Em resumo, estes foram os principais problemas constatados no final dos anos 1970 e levados à CPI da Terra. Alguns se prolongaram e até se ampliaram:
▪ Acre — As tribos Kulina, Kaxinauá, Manchineri outras tiveram suas terras tomadas pela Fazenda Califórnia (Grupo Atala Coopersucar), Companhia de Desenvolvimento Novo Oeste (Grupo Atlântica-Boa Vista), Fazenda Sobral, Fazenda Petrópolis e outras. Em 1977 teve início o processo administrativo de reconhecimento do direito dos Yawanawá e Katukina a uma terra indígena. Naquele ano, um grupo de trabalho promoveu os primeiros levantamentos de populações e áreas indígenas na região. Alceu Cotia Mariz, funcionário da Funai, falecido em 2005 em Brasília, coordenou o grupo de trabalho.
▪ Amazonas — A reserva Waimiri-Atroari será cortada pela rodovia BR-174. Em Boca do Acre, o prefeito Valdir de Ávila Lima, o vereador Adão Nunes, o Mineirinho, ambos da Arena (partido do governo), e o ex-prefeito Mário Diogo, ameaçam os Apurinã, vizinhos de fazendas na região do Rio Purus. Os políticos não poupam nem índias grávidas. Eles criam uma comissão para ir a Manaus e, em seguida, soldados da PM, armados com metralhadoras, cercam os índios e invadem suas terras.
▪ Pará — O Posto Indígena (PI) Alto Rio Guamá, delimitado e demarcado, está invadido. O PI Sororó será novamente demarcado, porque a delimitação inicial excluíra os castanhais que representavam a principal fonte de subsistência dos índios. A Reserva Parakanã será atingida pela inundação do Lago da Hidrelétrica de Tucuruí.
▪ Pernambuco — O PI Fulni-ô tem encravado no centro de sua área o município de Águas Belas. O PI Rodeias irá desaparecer, juntamente com a cidade do mesmo nome, por causa da inundação provocada pela Hidrelétrica de Itaparica. O PI Pankararu está sub judice desde 1969.
▪ Paraíba — O município de Baía da Traição encontra-se encravado na Área do PI Potiguara.
▪ Bahia — O PI Kiriri tem uma vila situada no centro da área do posto. Vítimas de ataques e da exploração da sua mão-de-obra, índios que habitavam o Sul da Bahia e Norte de Minas foram acabando com as aldeias. Os poucos que restaram – Botocudos, Kamakam, Hã hã hãe, entre outros, se juntaram aos poucos e fortaleceram o povo Pataxó, que mantinha seu isolamento nas matas mais fechadas.
▪ Maranhão — No PI Bacurizinho constatou-se a existência de títulos requeridos dentro da área indígena, com ações na Justiça. No PI Krikati há invasão generalizada por parte de posseiros e fazendeiros com títulos de propriedade dentro da área do posto.
▪ Mato Grosso — Palco da maior invasão de terras indígenas do País, em sua maioria griladas e vendidas a grupos. No Pantanal, na região de Corumbá, a tribo Guató, quase extinta, procura um local para instalar a sua aldeia.
▪ Minas Gerais — em administrações anteriores o Estado vendeu terras indígenas.
▪ Goiás — A Reserva Xerente encontra-se fortemente invadida.
▪ Rondônia — Existe um grupo indígena dentro dos limites do Projeto Fundiário Corumbiara, do Incra, cuja área é de 5,7 milhões de ha. A reserva dos 17 índios Tubarão e Massacá, decretada em 1978, fora invadida pelo fazendeiro Ary Krasman, reconheceu o próprio Incra. O instituto constatava a existência de 28 pedidos de regularização de lotes de 100 ha nos setores 11 e 12 do Projeto Corumbiara. Em 1976 o antropólogo Delvair Mellati classificava um atentado à sobrevivência os atos praticados contra esses índios.
▪ Roraima — A Fazenda São Marcos, da Funai, está invadida por posseiros e fazendeiros, com um plantel superior a 36 mil cabeças de gado. Nas demais áreas fora da fazenda, os índios estão sofrendo compulsões violentas.
▪ Paraná — Sete postos indígenas apresentam-se com intrusos. No PI Mangueirinha, onde vivem 310 Kaingangs e Guaranis, a grilagem promovida pelo governo de Moisés Lupion, em 1949, tomou 8.976 ha dos índios, deixando-lhes apenas 8,8 mil ha. Na parte grilada existiam 170 mil pinheiros que foram vendidos pelo governo estadual à Companhia Forte e Cury, que a revendeu ao Grupo Slaviero, atual “proprietário”. A firma Morochi invadiu o PI Rio das Cobras, em Laranjeiras do Sul, para explorar pinheirais.
▪ Santa Catarina — Nos dois postos indígenas existem intrusos com mais de 30 anos de ocupação da área. Os Kaingang do PI Xapecó, em Xanxerê, estão sendo espoliados de seus pinheirais por uma serraria do Departamento Geral do Patrimônio Indígena, órgão da própria Funai. A indústria serra até 3 mil dúzias de tábuas por mês.
▪ Rio Grande do Sul — Seis postos indígenas estão invadidos. Apenas o PI Votouro encontra-se livre deles; 1.512 famílias ocupam terras indígenas. Em relação aos demais estados, o Rio Grande do Sul apresenta a situação mais delicada. Em Nonoai, a firma Hermínio Tissiani & Cia. Ltda. Apossou-se fraudulentamente de 20 Km2 da área indígena e transferiu o título para o atual “proprietário”, Artur Dall’Astro. (M.C.)
NOTA
A CPI do Sistema Fundiário em 1977 teve 63 audiências públicas e igual número de depoimentos de religiosos, empresários, sociólogos, advogados, técnicos e de dois jornalistas. Na defesa dos posseiros atuavam a Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Igreja Católica, e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).
Fonte: Montezuma Cruz - montezuma@agenciaamazonia.com.br - Agenciaamazonia é parceira do Gentedeopinião
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