Ufac encontra o caminho na fronteira brasileira com o Peru: vai fazer extensão rural para 2,5 mil pessoas
MONTEZUMA CRUZ
Agência Amazônia
CRUZEIRO DO SUL, AC – Famílias de seringueiros, castanheiros e pequenos agricultores do extremo-oeste brasileiro ainda não sabem, mas serão contempladas com ações diferenciadas pelo campus da Universidade Federal do Acre (Ufac), conhecida por Universidade da Floresta. Inicialmente, cerca de duzentas famílias devem ser assistidas. A 600 quilômetros da capital, Rio Branco, um entusiasmado grupo de professores elabora planos de ação para transformar o campus de Cruzeiro do Sul em executor da extensão rural tão necessária nesta parte da Amazônia fronteiriça ao Peru. Delas se beneficiarão os municípios de Mâncio Lima, Marechal Taumaturgo e Rodrigues Alves.
Alunos de engenharia florestal, biologia e enfermagem formam o contingente ideal para atuar na região. “Aqui, os acadêmicos são mão-de-obra pura para diversas áreas carentes de atenção básica; só precisam ser direcionados”, explicou a engenheira agrônoma Eliane de Oliveira.
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Universidade da Floresta dispõe de mão-de-obra para atender campo e cidade /M.CRUZ
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Ainda não totalmente asfaltada, a BR-364 alcança Cruzeiro do Sul, mas o município fica isolado durante pelo menos quatro meses do ano. Pólo da esplêndida região do Vale do Juruá, ele tem uma história rica para arqueólogos, antropólogos, cientistas e quem mais se dispuser a vasculhar as origens do homem na Amazônia: foi habitado há séculos por 49 tribos indígenas, todas do tronco Arawak ou Aruak. Atualmente restam poucos grupos, entre os quais os Araraua, Katuquina, Kulina, Kaxinauá, Kampa e Poianaua. Em Cruzeiro do Sul vivia a tribo dos Nauas, que hoje é nome de um time de futebol.
“Acreditamos na descoberta de uma grande meta, quando constatamos que a maioria dos agricultores aqui assentados, além de baixa renda, são carentes de saúde e, sobretudo, de alimentação”, disse o professor de enfermagem Elias Marcelino da Rocha. Nem ele, nem os colegas estranham que a situação da saúde indígena também vai de mal a pior.
Rocha questiona os rumos das atividades do campus: “Não adianta só pensar na produção, mas promover a extensão rural como melhoria das condições de saúde do homem do campo. Com saúde, ele poderá trabalhar bem e evitar a desnutrição”.
Carência de extensionistas
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Professores estão dispostos a fazer extensão rural em municípios da fronteira com o Peru /M.CRUZ
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Emocionada, a engenheira agrônoma Marta Dias de Moraes defende o projeto: “Os agricultores fronteiriços estão abandonados à própria sorte e pelejam até para se aposentar”. “Segundo o próprio governo estadual, o Acre é carente de extensionistas rurais, por isso, é inadmissível que 25 mil famílias em assentamentos continuem à margem do atendimento técnico e de saúde”, queixa-se. Na verdade, essa gente mencionada por Marta existe apenas nas estatísticas e só recebe atenção de políticos a cada ano eleitoral.
Para que dê certo o sonho acalentado por Marta, por seus colegas também agrônomos Eduardo Mattar e Eliane de Oliveira e por outros professores do campus, será preciso dinheiro. Quem sabe, fruto de emendas parlamentares ao Orçamento Geral da União.
O Acre possui 104 assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e deve ser um dos mais fortes parceiros, prevê Eliane. Até então, a Ufac pleiteou R$ 3 milhões à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), suficientes apenas para o atendimento de 5% das 2,5 mil pessoas.
Nem o Pronaf atende o Vale do Juruá
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Entre a colônia e a cidade pequenos agricultores viajam toda semana em pequenos caminhões "pau-de-arara" /M.CRUZ |
CRUZEIRO DO SUL – Paralelamente à falta de orientações técnicas, educacionais e de saúde, o Vale do Juruá não registra um só financiamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Os agricultores não têm quem os habilite com projetos para reivindicar financiamentos à agência do Banco do Brasil. Todos eles vivem nas colônias (ou “colonha”, no linguajar regional) e viajam por ramais (vicinais) em pequenos caminhões paus-de-arara.
A região produz sete toneladas por hectare, de mandioca, milho e outros produtos, no sistema derruba-e-queima. A matéria-prima para a farinha é o “ouro” da região e está presente em todas as casas, do mais simples ao mais abastado agricultor. No entanto, a população não consegue diversificar a cesta alimentar e tem consumido arroz adquirido no Estado de Rondônia.
A Ufac pretende capacitá-los para dinamizar (segundo palavra dos professores) a economia no campo. Além do crédito, essa melhoria passa também pelo ensino de técnicas que evitem o empobrecimento do solo em conseqüência do plantio contínuo da mandioca, conforme constata a professora Eliane de Oliveira. “Precisamos conquistar o apoio da Previdência Social para diminuir a via-crucis do agricultor quando luta para se aposentar. O ideal é chegar na casa dele para reconhecer os seus direitos”, opina a professora Marta de Moraes. (M.C.)
Sobra boa vontade, faltam computadores
e combustível
CRUZEIRO DO SUL – Todos manifestam uma certeza em relação ao isolamento: enquanto a BR-364 ficar “abrindo e fechando”, o custo de vida permanecerá caro. A Ufac sente na pele esse problema, pois não consegue fixar professores na cidade. Eles e os servidores universitários freqüentam cursos em Rio Branco.
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Farinha de mandioca, o "ouro" dos pobres que, a exemplo de dona Maria Helena, não sabem o que é crédito bancário /M.CRUZ
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Numa análise da situação do campus, observam-se problemas semelhantes entre professores e pequenos agricultores. Enquanto estes não conhecem um extensionista rural, os primeiros querem trabalhar e não conseguem.
Em fase de expansão, o campus tem 25 doutores impossibilitados de atuar por falta de salas, laboratórios e computadores. Apenas dois PCs funcionam, mas o acesso à internet é precário. A equipe tem driblado as dificuldades com a exata facilidade encontrada na boa vontade de cada um. Até mesmo o combustível, algumas vezes sai do bolso do professor.
À Agência Amazônia, o vice-reitor Pascoal Muniz anunciou para 2010 um total de cem professores na Universidade da Floresta. Quando o Ministério da Educação liberar dinheiro, provavelmente o projeto da Ufac para o campo saia do papel. (M.C.)
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Fonte: Montezuma Cruz - A Agênciaamazônia é parceira do Gentedeopinião e do OpiniaoTV.
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