Domingo, 26 de setembro de 2010 - 20h51
Paulo Cordeiro Saldanha*
Henrique Maximiliano Coelho Neto - Romancista e contista brasileiro - 1864/ 1934, maranhense, criado na cidade do Rio de Janeiro, nos esclarece que “A casa da saudade chama-se memória: é uma cabana pequenina a um canto do coração”.
Com efeito, ele decifrou essa palavra com a agudeza do sentimento, com a alma da sabedoria e com o reflexo de sua refinada inteligência.
Vai daí que tenho bem guardado na minha memória um tempo que a vida real, em nome do progresso extirpou: fecho os olhos e vejo, quase ao lado da caixa d’agua da Estação Ferroviária, um ramal feito de palafitas, em Itaúba, com trilhos de ferro demandando à sede do SNG, antiga Guaporé Rubber Company, depois ENARO/CONARO.
Sobre os trilhos, presos em cima de táboas de madeira de lei, corriam os trolley, num vai-e-vem, ora levando carga da estação, ora trazendo dos armazéns da Navegação toneladas de borracha, castanha, poaia (ipecacuanha) e gado, destinadas aos vagões.
Através dessas palafitas poder-se-ia caminhar à pé ou de bicicleta em direção ao escritório e aos armazéns elevados do antigo Serviço de Navegação do Guaporé, bem na orla do Rio Mamoré, numa altura superior a 3 metros.
As mercadorias chegadas e os demais gêneros eram transportados para os altos rios, através das embarcações e abasteciam o Forte, Costa Marques, Santo Antônio, Pedras Negras, Ilha das Flores, Rolim de Moura, Laranjeiras, Vila Bela da Santíssima Trindade e, alternativamente, os seringais do Rio Cautário e do Rio Branco, entre outros.
A ação sócio-econômica que envolvia a parceria EFMM com o Serviço de Navegação do Guaporé era tão eficaz, como exercício para melhorar a qualidade de vida de tantos ribeirinhos, que me concede o direito de sentir saudade, ao recordar daquela integração, pois continha uma mistura de idealismo com solidariedade, nacionalismo com fraternidade, enfeixando um forte sentimento de brasilidade.
Quer me parecer que esses ingredientes, que misturam dificuldade e superação, acabam representando, no embarque e no desembarque de uma composição fluvial e de um trem, “vida que vem e que vai”, posto se transformar numa festa porque traz esperança –ela que salva– e porque vem envolvida de alegria plena, muito movimento e de fé num futuro, aquela que se alcança com as mãos erguidas para o céu.
A imagem das embarcações e dos trens eu a invoco diante da perspectiva daqueles que chegavam e chegam como viajantes, trazendo as novidades e, com elas, neste pedaço de Amazônia, também os víveres, que alimentam e os remédios que salvam, as noticias do Brasil e do mundo que a todos atualizam; enfim, as demais mercadorias, inclusive o combustível que locove, tudo permeado, ainda, pelos sorrisos e abraços das tripulações e que substituíam e até hoje substituem, em alguns pontos, o correio nestes confins do sertão nacional.
Dom Duarte nos confirma que “a saudade é um sentimento do coração que vem da sensibilidade e não da razão”.
É por isso que retrocedo no tempo, e consigo enxergar, ainda, no outro lado da linha férrea, a Vila Econômica, destinada a receber famílias de antigos funcionários da EFMM e até do SNG, ali quase em frente a atual TOP Internacional. Atrás da vila mangueiras e jaqueiras plantadas, certamente pelos primeiros moradores daquelas casas. Algumas delas tinham fama de mal assombradas.
E me vejo caminhando sobre os trilhos em direção ao Triângulo, onde moravam as famílias Maloney, Sol Sol, o Mestre Loureiro e muitos servidores do antigo SNG, como o Neco e o Massaco. Às vezes dava uma parada e colocava o ouvido no trilho para tentar escutar o deslocamento do trem.
Entre o lado oposto do atual Hospital Regional, pela Presidente Dutra, a linha férrea no seu final (com formato de um Triângulo) quase encostando no Poção, onde funcionava uma olaria, e até próximo da Vila Econômica, existia um quase pântano, um alagado, terreno úmido, cheio de poços de água, bem rasos, onde as lavadeiras ganhavam o pão cuidando do rol de roupas das famílias mais abastadas.
Aliás, esse alagado ultrapassava a estação ferroviária e findava em frente e onde fizeram implantar a Feira. Hoje no local existem diversas lojas entre a orla do rio e a Avenida Constituição.
Um grandioso aterro se justificou de tal maneira necessário, ante a umidade da área, cobrindo-a, de modo que obras, como os armazéns da Distribuidora Coimbra e outros prédios, por exemplo, pudessem ser erguidos.
Para que o Triângulo pudesse permitir as manobras das composições tiveram que aterrar um trecho enorme, visando àqueles procedimentos. Lembro até de uma pequena ponte, sem corrimão, bem atrás do SNG, depois a ENARO/CONARO, em que eventual conserto e/ou a colocação de graxa, nas engrenagens das máquinas era possível realizar.
Sou apologista do desenvolvimento, sem que perca a intensidade das boas lembranças. Por isto peço permissão ao Adelino Moreira e ao Nelson Gonçalves para adaptar a música de autoria do primeiro, concluindo: “Não pode haver retrocesso, Ante a força do progresso, o meu “coração” silencia”...
Mas, mesmo assim a saudade bate, comove e me deixa a sua marca!
*Membro fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER
Fonte: Paulo Cordeiro Saldanha
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