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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

O BURRICO NABUCO E O AVÔ DE JUCA


        Eu já nem sei quem era mais importante: Nabuco, o burrico ou o avô de Juca, o velho Ponciano. Ou seriam a NASA, os órgãos ambientais brasileiros ou aqueles dos países sob o manto da ONU?

        Ponciano, dono da mais charmosa fazenda ali nas redondezas, tinha a exuberância de uma queda d´água, correndo entre as pedras ora escuras, ora esbranquiçadas, que se estendiam por quilômetros e quilômetros de sua abençoada terra, circundadas por barrancos, em cujas margens mangueiras, jabuticabeiras, abacateiros se espremiam uns nos outros, como se estivessem acotovelando-se, desejando não perder espaços para os ipês brancos, amarelos e roxos que pontificavam no entorno da propriedade.

        Imagine você, caro leitor, que numa manhã de  verão intenso, céu azul, sem nuvens, o dia estava irradiante!

        Ponciano lá da varanda, pitava um cigarro de palha e enquanto coçava a frieira do pé, olhava o burrico Nabuco, que, indolentemente pastava distante da casa uns 60 metros. Nabuco às vezes levantava a cabeça com a boca cheia de capim e olhava para o céu e para o horizonte. Parecia inquieto!

        Nabuco, o velho burro, sofria “bullying” por parte de uma garotada da vizinhança, tanto que, numa maldade atroz, ampliaram o sofrimento e, lhe cortaram um dia uma das orelhas, após uma sessão de tortura que lhe impuseram.

        Lá pelas 11 horas chega uma comitiva. Cinco camionetes com  estrambólicos aparatos instalados no teto dos carros sinalizavam que representavam o que de mais moderno poderia existir no firmamento, na vertente climática e ambiental.

        O líder apresentou-se ao dono e Ponciano ouviu que precisavam da sua colaboração, permitindo que todo aquele grupo de cientistas se valesse dos espaços de sua área rural para fazer medições, experimentos, avaliações e previsões, pelo que ele pôde deduzir.

        Aquiescendo, o dono do lugar permitiu que toda aquela troupe de mulheres e homens _louros, morenos, negros, asiáticos_ alguns bem altos_adentrasse na sua varanda, quando estendendo a mão foi cumprimentando um a um; alguns deles utilizando-se de palavras que deduzia Ponciano serem simpáticas, mas que não entendia bulhufas, abriam largo sorriso.

        Depositados os equipamentos ali no solo foram instalados, muitos deles apontados para o céu tão azul, como disse e sem nuvens.

        Era uma parafernália de instrumentos que o líder tão orgulhoso, desejando fazer bonito, divulgava para a família de Ponciano que ali estava presente a mais exacerbada tecnologia universal, posto que até a NASA e outros organismos de diversos países soberbamente se encontravam representados pelos cientistas nacionais e estrangeiros.

        De repente Nabuco, como se estivesse amedrontado com tamanha movimentação humana, correu para o tronco de bom calibre que estava fincado próximo da carroça, quase embaixo da samaumeira.

        John fitzgerald, o líder dos cientistas, desceu para o pátio e, após ouvir 3 deles, eis que retorna à varanda, sobe a escada da residência, desejando prosear com Ponciano, acolitado por um tradutor.

                - Mister Ponciano desde quando não chove aqui na sua propriedade? O intérprete traduziu a pergunta.

                - Menino Catinga traga o caderno com as minhas anotações. Catinga era o apelido do filho da secretaria do lar que servia a família do Ponciano.

        O garoto, dono de uma agilidade felina, retornou com o bloco de registros do chefe da fazenda.

                - Ora, seu Mister, o último dia que choveu foi em 16 de julho. Mas hoje vai chover bastante aqui, pode acreditar!

                _De jeito nenhum, pois nas avaliações dos cientistas da NASA, do Centro Internacional Climático de Guajará, o CENTROICÉGUA, conduzido pelo emérito japonês Fugiro Nakomby, só choverá neste polígono somente dentro de 90 dias, ou seja, no começo de novembro. Estamos hoje no dia 30 de julho.

                - Qual nada seu moço. O tradutor ia esclarecendo. Pode crer, hoje antes do anoitecer vai cair um pé d’água daqueles que o dilúvio vai parecer pequeno.

                - De maneira alguma! Risos de deboche foram ouvidos. E Fitzgerald prosseguiu sorrindo. Pois os nossos instrumentos são de última geração e não têm como falhar. Os cientistas da NASA os desenharam mediante a elevada competência tecnológica que só eles dispõem.

                - Pois eu lhes asseguro: hoje vai chover aos cântaros aqui nesse entorno. Pode anotar! Com elegância, mas firme Ponciano não se vergou.

        Como haviam pedido pouso na fazenda, o Professor Nakomby saiu esboçando uma crítica bem ácida sobre a situação que os equipamentos sofisticados desmentiam.

                - Mas que velho teimoso esse ai. Fitzgerald ia vociferando em inglês para o cientista emérito Fugiro Nakomby.

        Por volta das 18 horas o tempo fechou. Os cientistas correram para retirar do terreno os instrumentos espalhados por toda a área, xingando  o capiroto da chuva, em inglês, japonês, coreano, espanhol, português, etc. atropelando os demais, proferindo impropérios, enquanto Ponciano esboçava um riso sarcástico no modo Monalisa.

        Antes das dezenove horas, como do nada, um aguaceiro descambou sobre toda a fazenda. Foi água demais! Com direito a relâmpagos e trovões que amedrontaram toda aquela comitiva de notáveis.

        Na manhã seguinte, 16 cientistas foram ouvir as explicações de Ponciano, que afirmara uma chuva torrencial que os mais sofisticados aparelhos jamais sonharam confirmar, incapacitados para o ato de prever.

                - Meus amigos é que o burrico Nabuco jamais me enganou! Eu observo que, quando ele corre para aquele tronco lá, vai chover com certeza, pois o tronco tem uma cavidade onde ele esconde o buraco que ficou quando os meninos lhe cortaram a orelha, valendo dizer que ali é o único local que o líquido da chuva não lhe entra no ouvido, pois do contrário sofre profundas e enormes dores de cabeça...

        É, minha gente, a NASA e companhia perderam de goleada para a sensibilidade do burrico Nabuco e para a certeza do avô Ponciano, destemido parente do Juca. Mas jamais me peçam para provar mais “essa verdade”... porém que aconteceu, aconteceu...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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