Sexta-feira, 23 de novembro de 2018 - 06h43
Com a
boca aberta no seu limite, escancarada, os dedos da dentista entre meus dentes
impedindo o fechamento involuntário da boca e a mordida indesejável, estava eu
ali, postado quase deitado, com um foco de luz no meu rosto. Com aqueles óculos
escuros,mais parecia um ET que estivesse sendo submetido a uma necropsia.
Primeiro a agulha torta e a injeção de anestésico na gengiva. A broca começou a
corroer meu dente em alta rotação e pude sentir um odor de osso queimado. A
broca liberando um jato de vapor d’água que a auxiliar ia sugando com um
aspirador. Senti um choque que me fez pular na cadeira. É a raiz exposta
--- explicou a dentista. Mais anestésico! Um quadro perfeito para um frouxo
desmaiar! Não eu!... Pelo contrário, minha mente começou a reviver tempos idos,
onde não tínhamos nenhuma nova tecnologia, nenhum profissional qualificado.
Lembrei-me então de meus pais levando-me ao único dentista existente na cidade:
Dr. Pedrinho Tatu era o nome do profissional, que na realidade era um
protético, fiquei sabendo depois. Para completar, ele era alcólatra e sofria do
mal de Parkinson. Suas mãos tremiam tanto que, ao tentar anestesiar um dente,
anestesiava o outro. A dor de um dente arrancado sem a devida anestesia era uma
tortura, uma tourada! Dizem os exagerados que muitas vezes arrancava o dente
errado!... Mas, felizmente, isso nunca aconteceu comigo!
Havia
um outro dentista que também massacrava seus pacientes. Passava cerca de
2 horas no mínimo com cada um, trancado em seu gabinete, apesar da sala
de espera estar lotada. Certo dia, já intrigado com aquela situação, muita
gente esperando para entrar e o último paciente já tendo saído fazia tempo.
Escalei então a janela que dava para a rua, e olhei para dentro da sala
do dentista. O que
vi deixou-me chocado e enraivecido: ele estava sentado na sua
poltrona com um jornal na
mão, porém dormindo profundamente, os óculos caídos em seu
peito. Era patético, tragicômico para um adolescente querendo voltar
logo pra casa para aproveitar o resto do dia com seus folguedos!
Lembrei-me também de outras memórias atemorizantes, quando
nossa mãe,
tentando nos trazer sua prole para dentro de casa, avisava
aos gritos que saíssemos rápido da rua,
pois estaria passando ali, naquele exato momento, o
“papa-figo” que era um morador de
rua, sequestrador de crianças para comer o fígado, na
tentativa de curar-se de uma terrível
doença. Era uma corrida geral, não ficava ninguém na rua!
Outro morador de rua assustador era o “Macaco”, um pedinte que andava
com roupas sujas e esfarrapadas e um saco de sarrapilha nas costas.
Quando o avistávamos, todos corriam. Os mais afoitos o chamavam de
“Macaco” o que o deixava enfurecido. Certo dia, os moleques da rua de casa o
perseguiram chamando-o pelo apelido até que ele infartou e caiu morto! Uma
tragédia!
Os tempos foram se passando e, até hoje, os temores
ainda povoam nossas
memórias. Quando chega o novembro azul, imagino o
consultório médico lotado de prostáticos e o
médico chamando:
----Quem é o próximo?
Ninguém se habilita. Um olhando para o
outro e para as mãos do médico:
--- Pode entrar amigo. Cedo-lhe a minha vez! Não estou com
pressa mesmo!...
Acho que muitos medrosos dessa época deveriam deitar-se no
divã de um psicanalista
para encontrar e curar o fantasma de seus medos. Talvez a
explicação esteja nessas reminiscências atemorizantes da adolescência.
Nisso fui despertado de minhas memórias de um passado distante:
---Acorde doutor! Acho que o anestésico botou o senhor pra
dormir! --- disse a dentista. Já
acabei de fazer os seus canais. Vai precisar voltar mais
vezes ainda, pois teremos que tratar outros dentes.
Levantei-me um tanto embaraçado e disse-lhe sem querer: ainda bem
que a senhora
não sofre do mal de Parkinson e nem gosta de ler jornal no
consultório, doutora!... Ela olhou-me com um olhar de interrogação.
Acho que não entendeu nada!
Depois de uma quarentena cruel e monótona, o idoso já se encontra no seu limite físico e mental
A pescaria "Nunca se deve cutucar onça ( ou cobra ) com vara curta."
As águas frias e límpidas, como um espelho, refletiam as nuvens do céu e as frondosas arvores da mata verde. O barco rasgava essa supe
Ele era médico da imagem, mas também misófobo. Aliás, fez especialização em radiologia, depois fez ultra-sonografia e ressonância magnética, pois assi
O ESTRANGULAMENTO DA ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO
Quando o poeta brasileiro Olavo Bilac ( 1865-1918 ) escreveu seu soneto “Lingua Portuguesa”, no primeiro verso , ele diz “ Ultima flor do Lácio