Sábado, 30 de julho de 2011 - 05h05
Há vários anos, após um curso de especialização em língua portuguesa, fui escalada para dar aulas de português em tradicional escola pública de Porto Velho. Ali, me foram entregues oito turmas, se a memória não me falha. E foi numa classe de 3º. Ano do ensino médio do curso noturno que vivi a experiência mais marcante de minha vida como professora de primeiro e segundo graus. Categoria, aliás, que sempre me honrou.
Dediquei as primeiras aulas com a turma, para inteirar-me do nível de conhecimento dos alunos e verifiquei que estava muito longe do esperado. Boa parte da classe não conseguia reproduzir o teor de textos simples e expressar-se razoavelmente através da escrita. Então propus que partíssemos para uma revisão gramatical. Tentei levá-los à compreensão de que o domínio da gramática é ferramenta indispensável ao desenvolvimento de duas habilidades básicas: a leitura e a produção de textos. Tentei mostrar-lhes que a gramática não deve ser estudada como algo dissociado da língua; pelo contrário, ela nos ajuda a organizar o pensamento quando escrevemos, fazendo com que o texto que produzimos se torne claro e bem estruturado. Do mesmo modo, nos auxilia com relação à interpretação do que lemos. E assim, arregaçamos as mangas e começamos o trabalho.
Em decorrência do tempo limitado de que dispúnhamos para a execução desse planejamento, elaborei uma apostila com um pequeno curso, voltado este à realidade do público-alvo: minha turma do 3º. Ano do ensino médio-noturno.
Eis que, uma noite, ao entrar na sala de aula, encontrei, sobre minha mesa, um envelope fechado e endereçado a mim. Eu o guardei para ler mais tarde, em casa. Tratava-se de uma carta. Aliás, a carta mais comovente que recebera em minha vida e que reiterou em mim a convicção de que fizera a escolha certa ao decidir-me pelo magistério.
A carta vinha de uma aluna. Como a turma era muito grande, não consegui, de pronto, identificar na memória o rosto dessa aluna, a quem chamarei, aqui, de Maria.
Numa escrita semelhante a dos alunos das primeiras séries do ensino fundamental, Maria revelava-se encantada com minhas aulas; depositava em mim suas esperanças de finalmente ser capaz de produzir um bom texto; depositava em mim sua convicção de que aprenderia realmente português, para, desse modo, realizar o sonho de sua vida: tornar-se professora. – Agora sim, dizia ela, sei que vou conseguir.
Àquela noite, não pude dormir. Diante de tal responsabilidade, sentia-me angustiada e impotente, pequena, miserável mesmo. O que poderia eu fazer para ajudar efetivamente aquela jovem em quem provocara, mesmo inconscientemente, a ilusão de realizar um sonho tão distante de sua triste realidade?
Nos meses subsequentes, fiz o que pude para auxiliar Maria; desde levá-la a ler livros das séries iniciais do ensino fundamental, até permanecer na sala de aula, depois do horário, ditando-lhes frases, corrigindo exercícios, ensinando-lhe a compor pequenos textos.
Trago a esta crônica o drama de Maria, para abordar um tema recorrente e complexo, aliás, um tema que há muito extrapolou os limites da escola e se tornou um desafio constante para teóricos, educadores, grandes personalidades da área da educação, além de pais e da sociedade como um todo: a má qualidade do ensino nas escolas deste país.
Afinal, por que caiu tanto a qualidade do ensino oferecido por nossas escolas? Sabemos que, até o final da década de 60, os alunos que terminavam o antigo curso primário eram capazes de ler e interpretar textos; produzir composições sobre temas compatíveis com sua escolaridade; dominar as quatro operações e resolver problemas utilizando conhecimentos de matemática.
Os alunos daquela época, ao fim do curso primário, também demonstravam algum conhecimento de História do Brasil, Geografia e Ciências. Tudo isso quando as férias escolares eram maiores: no meio do ano, um mês inteiro; ao final do ano, quase três meses.
Desde a década de 70, mais ou menos, a escola brasileira vive a triste realidade de não ser capaz de preparar a contento nossos estudantes. Este é o maior de seus inúmeros problemas. O que se constata é que grande parte do alunado da escola pública, grosso modo, chega ao último ano do segundo grau completamente despreparado. E a pergunta que não quer calar é: Por que isso ocorre?
Estamos falando sobre a escola pública, como se a particular estivesse acima dessa discussão, ou seja, como se a escola particular preparasse muitíssimo bem os alunos. Com raras exceções, não prepara. O que se vê são milhares de jovens terminando o curso superior, seguindo iludidos num faz-de-conta que só acaba quando buscam o mercado de trabalho, e este não lhes dá espaço; o mercado de trabalho é exigente e implacável: só aceita os melhores, os que estão realmente capacitados.
Mas hoje colocamos a escola pública na berlinda, porque a escola pública é emblemática: ela reflete o valor que os governantes de um país, de um estado e de um município atribuem à Educação. E a escola pública não é gratuita, como tantos acreditam; ela é paga e muito bem paga: nós, cidadãos, pagamos nossos impostos, e esses impostos deveriam ser devidamente repassados e, o que é mais complicado neste país, devidamente aplicados.
Debates de educadores sobre a escola pública levantam hipóteses sobre os prováveis fatores responsáveis pela horrenda transformação na qualidade do ensino: abandono das escolas pelasautoridades,má-formação dos professores,medidas como aprogressão continuada, baixa remuneração dos docentes, gestores incompetentes, metodologias inadequadas à realidade dos alunos, famílias desestruturadas e distantes da vida escolar dos filhos e... Democratização da escola!
Democratização da escola: acreditam alguns estudiosos que a eficiência da escola do passado estava associada ao seu caráter seletivo, ou seja, as crianças das camadas mais pobres não tinham acesso à escola. Quando muito, ao curso primário. Para esses analistas, o antigo exame de admissão ao ginásio funcionava como uma barreira para impedir que essas crianças chegassem ao ginasial (secundário) e, na sequência, ao segundo grau e ao ensino superior.
O pensamento desses estudiosos é que, sob a perspectiva dos segmentos privilegiados da população, a escola realmente perdeu a qualidade, desde que abriu suas portas às classes menos favorecidas, porque precisou se adequar a essa expansão quantitativa. Para as classes menos favorecidas, contudo, de acordo com a opinião desses analistas, não houve perda de qualidade: houve acesso a uma escola até então inatingível, já que passaram a ser acolhidas pela escola.
Para esses analistas, a escola antiga assegurava educação apenas a uma seleta elite. E hoje há que se pensar em um novo conceito de qualidade de ensino; um conceito que considere a escola contemporânea como um local de acolhimento de todos e de seu desenvolvimento
Sem querer afrontar análises de tais relevâncias e concordando com alguns pontos, especialmente no que tange à escola se tornar de fato local de desenvolvimento de todas as classes, o que a gente quer expressar mesmo é o sentimento de orfandade deixado pelo nível de excelência da escola do passado, uma escola que fazia a diferença na vida dos que a frequentavam.
Mesmo que o exame de admissão ao ginásio funcionasse como um filtro para impedir o acesso das camadas mais humildes à escolaridade - como acreditam os analistas -, sabemos que nas séries que o antecediam (1º. ao 5º. Ano) estudavam crianças de diferentes classes sociais. Muitas dessas crianças, normalmente bem preparadas pela escola pública, quando prestavam exame de admissão, eram aprovadas, independentemente da condição de sua família na sociedade. Outras havia que eram reprovadas. Aliás, inúmeras de classe média.
Que ninguém me venha com o argumento de que as turmas eram menores no passado, porque sei que não eram, eu estava lá, era aluna de grupo escolar e filha de professora. As turmas eram grandes, em torno de quarenta e três alunos em cada sala. E havia muitos alunos das camadas mais humildes da população. Alguns desses alunos não seguiam os estudos porque eram obrigados pelos pais a aumentar a renda familiar com seu trabalho. Outros seguiam. Aqui mesmo, em Porto Velho, há ótimos exemplos de superação das dificuldades através do mérito, da dedicação aos estudos. Mas fazer esta afirmação em uma discussão sobre Educação, hoje, é uma heresia!
Era comum à época, crianças maiores engraxando sapatos, vendendo picolé, pirulito etc.. Isso era positivo? É evidente que não, o ideal seria que essas crianças seguissem sua vida exclusivamente na escola. Mas o curioso é que naquela época não havia crianças e adolescentes na rua, assaltando e matando.
Agora, se a base dos conteúdos escolares era fundamentada na realidade das elites, é outra história, aliás, verdadeira. Porém, acredito que isso não trouxe tanto prejuízo aos alunos carentes do passado. Pelo menos, terminavam o curso primário lendo bem, escrevendo bem, dominando as quatro operações e com alguma cultura geral, inclusive recitando de cor poemas de Olavo Bilac e Raimundo Correia.
Para mim, isto é melhor do que terminar a faculdade escrevendo cachorro com x e abacaxi com ch.
Por essas e outras, sou solidária e sofro com o drama dos alunos e dos professores de hoje. Estes, sim, são as maiores vítimas de uma escola abandonada, desvalorizada, relegada a último plano e cheia de problemas.
Que Deus proteja nossas escolas. Especialmente, as escolas de Rondônia.
Fonte: Fonte: Sandra Castiel - sandracastiell@gmail.com
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