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Silvio Persivo

MICRO DIVAGAÇÃO SOBRE A HIPOCRISIA E O PODER


O termo hipocrisia tem, historicamente, a conotação do ator (hipocrytás) que age intencionalmente de modo simulado, ou seja, produz atos e palavras em desacordo com seu pensamento com o objetivo não revelado de obter determinados resultados. Foi Maquiavel que, ao fugir da definição abstrata do poder e tratar do jogo político real, ao não considerar que uma ação é boa ou má em sua essência, mas sim , dentro da lógica do poder, dependendo de sua eficácia, quem atrelou o poder à hipocrisia. Em suma mostrou que as técnicas hipócritas do poder já eram usadas na sua época mesmo sem terem sido estudadas. Que é próprio da arte política o uso de estratagemas para ressaltar os benefícios e esconder as falhas e os erros e atribuir a si as ações enaltecedoras e aos inimigos as ações más, odiosas. Vale aqui citar famosa passagem “...se um príncipe pretende conquistar e manter um Estado, os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e por todos louvados, porque o vulgo sempre se deixa levar pelas aparências e pelos resultados”.  Ou seja, a vitória justifica os métodos e a hipocrisia, que é considerada um instrumento importante, deve ser utilizada no jogo do poder. Com o racionalismo veio a noção de que a hipocrisia poderia ser superada pela verdade que exposta iluminaria a cena mostrando os falsos líderes. Ò utopia maravilhosa.

Como vivemos tempos interessantes estamos aprendendo o que Michel Foucault, sintetizando outros pensamentos, nos esclareceu: a verdade existe socialmente associada à mecanismos e relações de poder, logo  “está circularmente ligada a sistemas de poder, que a reproduzem e apóiam, e a efeitos do poder que ela induz e que a reproduzem”. De fato a verdade é sempre produzida por meio de coerções que afirmam o saber definido como verdadeiro e excluem outras formas de saber e, por outro lado,  também produz efeitos de poder, na medida em que autoriza os discursos verdadeiros, em função dos quais os homens são prestigiados ou não, julgados e condenados. Em outras palavras, uma sociedade que prega falsos valores também age e julga através deles, ou seja, é impossível aonde todos roubam (inclusive o Estado) isto não acabar por ser valorizado. Já que a sabedoria popular anda tão em voga podemos dizer que “o hábito do cachimbo entorta a boca” ou, se pegarmos pelo lado teatral, o ator acaba interiorizando o personagem e, muitas vezes, de tanto repetir acaba por perder a própria personalidade e age como o outro sem perceber que assim se nega. No entanto esta operação política não é possível sem o ocultamento de certas verdades que inibem a eficácia da ação política. Desta forma o hipócrita não pode se limitar a apenas fazer seu papel e se torna obrigado a também modificar os fatos (apagando fotos e discursos antigos) bem como fazendo seus valores e idéias socialmente aceitas por mais que contrariem sua crença. Usar máscara e mentir parece ser a única alternativa para o que infringiu gravemente as regras do jogo e quer escapar de ser punido. È uma operação que, quando parte de um governo, omite ou nega parcial, ou totalmente,certas verdades, para que maquiadas ou disfarçadas orientem o sentido da ação e os seus resultados. O agente oculta o que considera verdade na busca de se manter no  jogo de poder, mas, ao fazer tal jogo, como uma mentira para se justificar precisa de outras gera todo um quadro e um aparato de criação. No entanto, se a falsificação tem que ser reduzida a grupos internos o discurso precisa ser propagado e, para se sustentar, precisa do personalismo de um chefe que comanda as massas, não erra, faz muito mais do que todos e, por fim, é invencível. Quando se chega a tal ponto ou as forças adversárias são capazes de destruir seu discurso ou, como em toda insensatez, são os pesos das armas que decidem o futuro.

Fonte: silvio.persivo@gmail.com

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