Sábado, 10 de outubro de 2020 - 12h06
Com os
avanços da internet, da comunicação on-line, da instantaneidade estamos, cada
vez mais, expostos à eliminação das barreiras, das paredes, das distâncias e se
torna também muito mais difícil a privacidade, a linha entre o público e o
privado, entre o certo e o errado, o aberto e o fechado. Também quase que nos
obriga a tomar decisões com pressa, a decidir sem refletir, a tomar partido em
causas que não precisamos participar, a agir, e com rapidez, porque as pessoas
esperam, mais do que esperam, nos coagem por respostas. Sou dos que fogem desta
loucura moderna. Muitas vezes, desligo o celular e o micro e deixo que o mundo
corra sem precisar de minhas intervenções (que, aliás, penso que pesam menos a
cada dia). O problema é que, muitas vezes, o meu isolamento, que se dá porque
me basto, incomoda. Posso viver lendo, escrevendo ou apenas dormindo e bebendo
um vinho sem grandes problemas, o que deve preocupar os outros. Já recebi até o
elogio de ser anti-social, porém, a verdade é que se preciso do amor e das
amizades, também preciso, às vezes, me isolar para poder compensar os desgastes
ou me equilibrar quando não estou num dia bom. O inferno pode não ser os
outros-como pensava Sartre-mas, também pode ser.
E,
muitas vezes, é num mundo onde tudo parece causar indignação. Quando vejo as
movimentações, os comentários, as participações das pessoas nas mídias sociais,
parece sempre ser a indignação que os move, os orienta. Parece que todo mundo
está preocupado com o que é ofensivo ou injusto e se porta como o reparador das
dores, que amplifica indignação e, não raro, deseja, através de sua voz,
transformá-la num escândalo. E tudo se simplifica, se torna raso, infantil até
se transmudar em um like ou um emoji raivoso. A comunicação via mídias sociais
é uma conversa de surdos e, com razão ou sem, somente os próprios iniciadores
se consideram o juiz do mundo até o ponto de, por exemplo, expulsar o outro de
seu espaço, bloquear o próximo por não concordar com suas opiniões. Não há
mesmo espaço, nem gentileza, para entender as razões do outro ou buscar mudar
de opinião. No mundo da indignação somos envolvidos pela rapidez e o importante
é a participação. É se render ao uso da nossa voz como irado contra o escândalo
de alguém, pois, só atendendo à velocidade exigente do ciberespaço, onde todo
mundo fala tudo ao mesmo tempo, todo
mundo precisa mostrar sua ira, cada vez mais forte, cada vez mais boiada, para transformar o ultraje num
escândalo. De fato, as redes sociais é
um espaço selvagem. É o espaço do grito dos sem voz. Dos inconformados sem
razão, de vez que também, cada vez mais, não há diferença entre o que é
relevante, ou não, do que deve ser prioridade ou relevado. Tudo nos causa indignação,
um pequeno incidente ou uma grande injustiça. Porque nas redes sociais a reação
imediata, estridente e multiplicada
iguala tudo. Já não se protesta contra
algo em específico, contra alguma coisa significativa. Se protesta por
protestar (e há sempre motivos para o protesto) ainda mais quando o que importa
é a rapidez com que manifestamos o desacordo. É o grito virtual, primeiro e
forte que nos define e traz like e aprovações. Tenho saudades das passeatas,
das marchas onde gritávamos slogans que tinham sentido, que buscavam soluções,
manifestavam um desejo declarado de mudanças. Agora não se precisa de reflexão,
nem motivos, nem de ter soluções. O que se precisa é de ter uma plateia que
concorde que o importante é um grande escândalo. O importante não é o discurso,
a reflexão, a mudança, a coerência ou a rosa. O importante é o tamanho do
escândalo.
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