Sexta-feira, 21 de novembro de 2008 - 11h12
Estive no Sempre um Papo no Sesc Esplanada, no último dia 19, para ouvir Rômulo Avelar sobre gestão cultural o que é sempre um convite à reflexão. Não me prenderei ao evento em si nem ao saber reconhecido do mineiro que, para quem conhece ou teve ensejo de ouvir, qualquer comentário é dispensável. O livro de Avelar, O Avesso da Cena, é uma espécie de bíblia sobre a produção cultural, o que lhe empresta uma beleza e uma magnitude ímpar. Ocorre que se trata de um livrão em todos os sentidos. Com uma belíssima capa, 490 páginas pode até ser usado, num grande desvio intelectual, como uma arma. Assim não teve como não surgir o inevitável comentário de um dos presentes que, pela quantidade de pessoas que o adquiriram, muitas das obras se tornariam um belo item de decoração, ou seja, teriam um destino que seria o avesso da obra. Uma coisa leva a outra.
È que vivemos numa época do fácil e do rápido, do fast-food e da literatura de notas. Hoje a grande maioria não lê mais nem os pequenos quanto mais grandes livros. Hoje se criou até mesmo horror às longas ficções que fizeram a glória dos escritores oitocentistas. Não se tem mais tempo ou disposição para ler, porém, contraditoriamente, sempre aparece tempo para acompanhar um caso de seqüestro ou a briga de casal das celebridades midiáticas ou fatos similares que parecem novelas, em que a vida cotidiana surge ficcionalizada e se nutre da curiosidade que a vida alheia sempre desperta. Ibope certo como é o caso dos reality-shows.
Chama a atenção o fato que o excesso de espetacularização ande acompanhado pelo desejo de realismo. O marketing que se apresenta como informação verdadeira é cheio de charme e, de certa forma, se ancora na solidão como um ingrediente fundamental da vida moderna. Não por acaso é uma solidão que quer ser espetáculo, que não quer se sentir só e busca as luzes seja das lentes das câmeras ou de uma webcam caseira. A verdade é que é uma solidão que quer testemunhas, que precisa da platéia para se sentir viva, porque, no mundo do espetáculo e da visibilidade, não ser visto é não existir. Esta a razão do desespero que leva muitas pessoas a se mostrar, a querer ser visível a qualquer preço, espetacularizando o próprio eu e tornando sua intimidade o espetáculo. A leitura perdeu o espaço da ficção para a imagem. E a imagem precisa do olhar alheio para se confirmar como existente, ou seja, a subjetividade desaparece; desaparece o estar só na medida em que não há mais a interioridade como forma de construção do mundo e eixo da existência. Hoje só é o que se vê. As diferenças entre a essência e a aparência se perderam no meio do espetáculo. Só há a encenação, o parecer, as imagens que precisam do avesso da cena na vida real. O eu é uma marca que precisa ser cuidada. Não por acaso se fala em cuidar da imagem e cuidar da imagem é aparecer. É preciso aparecer para ser alguém. E um grande livro leva muito tempo para ler. Só se aparece com ele nas cenas de novelas.
Fonte: Sílvio Persivo/Gentedeopinião
silvio.persivo@gmail.com
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