O programa “A Bronca é sua a ajuda é nossa”, da rádio Caiari AM (1430), é uma das tribunas obrigatórias do debate no rádio portovelhense. Por lá passam, todos os dias, Broncas e broncas literalmente. Em uma dessas broncas, o Gentedeopinião acompanhou atentamente e agora registra a entrevista realizada pelo jornalista Sérgio Gomes com o produtor cultural Chicão Santos e o presidente da FESEC e também produtor cultural, Sílvio Santos. A entrevista aconteceu no dia 27 de novembro, mas publicamos somente agora, afinal temos novos vereadores, prefeito reeleito e também novo presidente da Fundação Iaripuna, todos já empossados e com muita disposição para trabalhar em 2009. Assim esperamos que a cultura, tão prometida tenha um olhar especial por parte das nossas autoridades constituídas neste novo ano. Como reflexão para os nossos representantes, vale o registro da campanha eleitoral onde todos prometeram, promessa até de um novo teatro, um novo local para a apresentação do Flor do Maracujá, apoio aos movimentos populares no bairros, etc. Para a população de Porto Velho não cabe reflexão, mas cobrança das promessas eleitorais às autoridades recém eleitas, comparecimento a Câmara Municipal de Porto Velho para acompanhar as sessões e ações dos vereadores, já que cabe ao vereador usar a tribuna para cobrar e fiscalizar as ações do executivo municipal, a execução do orçamento, a as compensações da usina para cultura e meio ambiente, etc. LEIA ABAIXO A ENTREVISTA:
SERGIO GOMES – CHICÃO SANTOS E SÍLVIO SANTOS, SEJAM BEM VINDOS AO PROGRAMA A BRONCA É SUA A AJUDA É NOSSA DA RÁDIO CAIARI. HOJE A NOSSA PAUTA É A CULTURA, TEM APOIO OU NÃO, TEM CALENDÁRIO E PROJETOS?
CHICÃO SANTOS - O Sílvio Santos estava abordando o calendário, mas na verdade o problema não é de calendário, Porto Velho tem dois órgãos de cultura, mas não tem política pública para a
cultura, essa é a questão. Então o calendário é uma das peças, mas, por exemplo, nós não temos incentivos para o carnaval, para as danças tradicionais, para o teatro, ou seja, não existe política pública, nós não sabemos o que vai acontecer amanhã.
SERGIO GOMES – AS PESSOAS QUESTIONAM?
CHICÃO - As pessoas me perguntam: E aí, quando é que vai acontecer tal peça de teatro? E eu respondo: Olha nós não sabemos, por que nós vivemos com um pé aqui em Porto Velho, outro em Brasília, Rio, São Paulo, captando recursos para o grupo que eu pertenço (imaginário), porque de Porto Velho eu não consigo captar um centavo. Veja que nós já estamos com a segunda edição do Festival de Rua da Amazônia, patrocinado pela Caixa Econômica Federal para acontecer entre os dias 22 e 26 de julho de 2009. Então é graças a esses editais nacionais que nós viabilizamos a divulgação da cultura. Outro exemplo é a aprovação de mais um projeto com recursos do Rio de Janeiro, em parceria com o grupo Viva a Arte do Acre e que será realizado em Porto Velho.
SERGIO GOMES – FALTA MAIS APOIO DAS ENTIDADES PÚBLICAS?
CHICÃO – Essa questão da política pública é uma questão muito séria, vou dar outro exemplo. Eu estive em São Paulo em um “Encontro Nacional de Teatro de Rua”, e no estado de São Paulo eles estão lutando para ampliar para R$ 25 milhões os recursos destinados à cultura em especial para o teatro. Em Rio Branco/AC, nós temos R$ 2.500.000,00 do estado para atender projetos da área de cultura, via renúncia fiscal, e R$ 600 mil do município, ambos os recursos alocados por lei estadual e municipal.
SERGIO – E PORTO VELHO?
CHICÃO – Olha, comparando a capital Rio Branco mais 12 municípios do estado do Acre, que através de renúncia fiscal, disponibilizam juntos R$ 3.100.000,00, enquanto que Rondônia com 52 municípios e uma população muito superior, com grandes potenciais na área cultural, nós não temos um centavo. Vou citar o Amazonas, mas é covardia com a gente. Eles têm R$ 80 milhões de orçamento para cultura. Eles fazem um festival de ópera que consome R$ 22 milhões. Outra questão que é importante frisar, é que na compensação social, cultural e ambiental das empresas que estão aqui instalando as hidrelétricas, a área de cultura não recebeu um centavo.
SERGIO – O JOSÉ GOMES LIGOU PARA O PROGRAMA E FALOU DA SUJEIRA E DA ESCURIDÃO NA ESTRADA DE FERRO MADEIRA MAMORÉ, DISSE QUE DÁ VERGONHA DE ACOMPANHAR UM TURISTA NESTE LOCAL, SEJA DURANTE O DIA OU A NOITE. VOCÊ CONCORDA CHICÃO?
CHICÃO – O José Gomes tem toda razão, ele é autoridade nesse assunto, afinal ele circula pela cidade toda. Realmente a gente passa essa vergonha. Quando vem gente de fora e leva pra ver a estrada de ferro, agente vê muita sujeira, não tem segurança, depois das seis da tarde fica muito perigoso andar naquela escuridão, e agente acaba expondo os nossos turistas ou convidados, o que não é recomendado. Olha Sergio, eu fui para São Paulo e levei alguns bombons de cupuaçu, as pessoas gostaram do sabor. Isso mostra que na Amazônia nós temos cultura, temos uma culinária especial. A música também é muito forte, exemplo disso é que a cantora Ceiça estará indo para Rio Grande do Sul, o pessoal do carnaval indo para Parintins, a Silvia Feliciano foi selecionada para fazer um trabalho de artes plásticas em Portugal, o Vrena através da associação Cuniã ganhou prêmio pela capacitação de artes plásticas.
SILVIO – Por falar em música, eu estive em Brasília, no festival nacional do SESI, ficamos em quarto lugar e o Sílvio José, meu Filho, tirou o primeiro lugar em interpretação inédita. Mais de quatro mil pessoas aplaudindo a nossa música, a nossa dança também é das melhores. Composição, teatro, o Bado, a Ceiça, o Bira, o Binho são alguns dos destaques nacionais da nossa música.
SERGIO – VOCÊS FALARAM DE NÚMEROS DO ACRE, AMAZONAS E PORTO VELHO, RONDÔNIA. VOCÊ TÊM NÚMEROS CHICÃO?
CHICÃO – Eu não tenho números, parei de chorar aqui e fui procurar fora. Aqui, por exemplo, nós temos uma secretaria que junta esporte e lazer, não tem foco, e o dinheiro acaba indo para a bola.
SÍLVIO – Eu trabalho na Secel, então agente fica sabendo do orçamento. Nós temos um orçamento de 10 milhões para 2009. Desses dez milhões de 70% a 80% vão para o esporte. Por isso a nossa briga para separar a cultura do esporte, pra cada um ter o seu orçamento. É muito fácil fazer um campeonato de futebol, cultura é mais difícil.
CHICÃO – Tem o caráter formativo. Por exemplo para fazer um bailarino você demora no mínimo cinco anos.
SERGIO – O QUE FALTA PARA PORTO VELHO TER MAIS INCENTIVO, SÃO GESTORES, BOA VONTADE POLÍTICA OU NÃO TEM RECURSO?
SÍLVIO – Há algum tempo nós ficávamos cobrando as leis de incentivos, estadual e municipal, essas leis existem mas não foram sancionadas pelo governador nem pelo prefeito. Hoje existe um seguimento da categoria que é contra a aplicação dessa lei de incentivo. Agora o que falta mesmo é vontade política, pois se não existe determinação do governador ou do prefeito, não adianta levar para os secretários, eles até tem boa vontade, porem o superior deles acha que isso é despesa, quando na cultura isso é investimento.
SERGIO – A PREFEITURA MUNICIPAL TEM UMA FUNDAÇÃO ESPECIFICAMENTE PARA CULTURA.
SILVIO – Uma fundação que não tem um tostão no orçamento municipal, a Fundação vive de favor de outras secretarias ou do gabinete do prefeito. Então o meu amigo Júlio tem até boa vontade em realizar, mas não tem como realizar, pois não tem financeiro.
SERGIO – VOCÊ CONFIRMA CHICÃO, O QUE SÍLVIO ESTÁ DIZENDO?
CHICÃO - Eu confirmo e quero dizer mais. Nós tiramos uma posição em São Paulo no encontro de Teatro de Rua para sermos contra qualquer lei de renuncia fiscal. A questão é a seguinte, é recurso público que existe nas três esferas, na federal (
Lei Rouanet), no caso de Rondônia não existe. Isso funciona através de produtor cultural que tem que captar os recursos, ele pega um autorização e sai atrás das empresas para captar. Por sua vez, as empresas transferem para o seu departamento de marketing e esse departamento formata o produto cultural brasileiro. Por exemplo, chega o Sílvio Santos com boi-bumbá, mas o departamento de marketing diz quer tantas dançarinas, um miolo, etc, então eles -
Departamento de Marketing -é que acabam formatando o espetáculo, isso é prejudicial para a cultura brasileira. Está vindo a reforma da Lei Rouanet, nós já tiramos esse posicionamento. O que nós apoiamos e desejamos é que tenha política pública com recurso público para os investimentos nas atividades culturais. Outra coisa importante que eu gostaria de deixar claro é que, aqui em Rondônia existe uma velha maneira de fazer política, e enquanto não romper com essa maneira nada vai mudar, na área cultural é crucial uma mudança. Por exemplo, um deputado ou vereador coloca o projeto dele debaixo do braço e tem poder de fogo para conseguir o dinheiro, mas na maioria das vezes isso não representa uma política que atenda as necessidades do povo. A gente vê milhões e milhões de dinheiro sendo jogado e que não dá retorno social nem cultural. Na verdade nós não estamos aqui dizendo da pessoa do secretario de cultura do estado ou do presidente da fundação municipal, mas do modelo antigo de política cultural que não serve. Veja por exemplo o Ministério da Cultura com um orçamento de 0,6 do orçamento geral da união consegue estar em todos os lugares do Brasil fazendo políticas públicas em todas as áreas da cultura - da popular a erudita - através de editais públicos e com pouquíssimos recursos. O Ministério da Cultura hoje é enxutinho, tem poucas pessoas. Você é que paga hoje para funcionar uma secretaria de estado, a Secel e a Fundação Iaripuna é um absurdo, porque a atividade fim não justifica a atividade meio. Então nós temos lá, um mundo de gente produzindo nada. E as pessoas que deveriam receber esses recursos para produzir não recebem esses recursos. Por isso é que nós estamos no modelo antigo que não funciona no Brasil. O certo era não ter nenhuma secretaria dessa e ter meios de acesso aos editais.
SERGIO – E COMO SERIA ESSE ACESSO?
CHICÃO – Essa foi uma outra questão levantada em São Paulo, nesse encontro de Teatro que participamos. Então quem vem do meio da cultura popular não tem acesso. Normalmente a aplicação do dinheiro público requer o cumprimento da legislação, através da lei de licitações, e infelizmente as organizações informais não tem acesso. Assim, atendendo uma reivindicação que vem de cinco anos, o Ministério da Cultura criou os prêmios. Por exemplo, ele lançou um prêmio para beneficiar os mestres do boi-bumbá, ele recebe uma bolsa de R$ 300,00 por mês, conforme o caso, e continua desenvolvendo suas atividades. Isso evita que nos transformemos em órgãos públicos, com essa parafernália de burocracia, fazendo cotação de preço, licitação. Na verdade, as entidades não governamentais têm que continuar com o seu processo criativo. Se eu acabo com o processo criativo, eu acabado sendo mais um órgão burocrata e sem poder de criação. Então de cinco anos pra cá o Ministério está fortalecendo o processo criativo. Se aqui em Rondônia nós tivéssemos essa prática com certeza a produção cultural estaria em efervescência, latente e permanente.
SÍLVIO - Agora tem um detalhe. O ministério da Cultura está trazendo para Porto Velho oito
pontos de cultura, no estado me parece são trinta pontos.
CHICÃO – Vou comentar a questão da burocracia e dos prazos, coisa que as nossas organizações não estão preparadas para essa burocracia da lei de licitação.
SÍLVIO – Veja como é a questão de burocracia. Através do senador Valdir Raupp, em novembro de 2007, tivemos a promessa de ajuda financeira para as escolas de samba para o carnaval de 2008. Presta atenção. Ele foi captar esse recurso na Eletrobrás, sabe quando saiu esse dinheiro, que era de R$ 400,000,00 e saiu R$ 50.000,00 de duas vezes - 25 e 25 -, agora em outubro de 2008. Um ano só de burocracia, inclusive teve um rapaz da Eletrobrás que merece todos os elogios porque todo dia ele me ligava, Sílvio faz assim, é por aqui, não é por aí. Veja, foi um ano atendendo os tramites burocráticos, mas graças a Deus, liberou e as escolas vão utilizar no carnaval de 2009.
CHICÃO – O nosso ponto de cultura é de 2006, só foi liberado agora. Se nós dependêssemos do ponto de cultura nós estaríamos, criativamente, mortos.
SERGIO – Ainda sobre incentivo, eu sou um promotor cultural, cantor, compositor, ator, enfim, quero apresentar o show, mas também quero cobrar para poder sobreviver. Hoje eu teria facilidade para realizar um espetáculo?
SÍLVIO – Além de não termos uma lei de incentivo, por parte do estado e do município, nós ainda temos a Lei Municipal nº 190 que veio para acabar com cultura de Porto Velho. Ela é muito rígida na questão de cobrança de imposto em cima do espetáculo. Veja um exemplo: eu estava no show de lançamento da Elisa Cristina no Sesc, quando chegaram os fiscais da secretaria municipal de fazenda para embargar o show e ainda multaram o Sesc porque estavam fazendo o espetáculo e não tinha autorização - na verdade a autorização foi solicitada, mas não tinham liberado os ingressos, porque tem que ter um carimbo. O Show em si não deu o valor (bilheteria) do dinheiro cobrado por eles. Agente sofre muito com tudo isso.
SERGIO – Eu fico surpreso com isso, porque veio aqui em Porto Velho o Marcos Frota com o Circo, teve apoio da Assembléia legislativa e do Governo, porque outros grupos não têm esse apóio?
CHICÃO – Esse ano no festival de rua nós tivemos apoio.
SERGIO – Qual foi o apoio?
CHICÃO - A Fundação Iaripuna que ia fechar a praça para nós e ainda colocou a ECAD em cima da gente para recolher R$ 150,00 de um evento público na rua. E Para 2009 eu já entrei na Fundação Iaripuna com o pedido da praça pública para os dias 22 a 26 de julho de 2009. Sérgio, eles tratam agente como cachorro, nós geramos rendas, nós fomentamos o turismo e só exigimos respeito.
SÍLVIO – Olha no carnaval, para colocar um bloco na rua, você paga uma grana para a prefeitura, é muito imposto.
SERGIO – Isso desestimula?
CHICÃO – No teatro de rua eu paguei R$ 2.500,00 de I.S.S.
SERGIO – E ganha quanto?
CHICÃO – É de graça, o espetáculo é patrocinado pela Caixa. Nós não tivemos uma pessoa da limpeza pública.
SÍLVIO – Nós perdemos uma oportunidade para termos o nosso bumbódromo, naquela área onde estão construindo o parque da cidade, atrás do Porto Velho Shopping. Pra que mais um parque, se nós já temos o Parque Ecológico abandonado, se eu fosse da prefeitura ou tivesse algum poder para decidir, iria negociar com o pessoal do shopping - há boa vontade neles em fazer a contrapartida -, ali era o sonho de qualquer
carnavalesco.
CHICÃO – Nós queremos apenas abrir discussão com o município e o estado para criar políticas públicas e não chorar o leite derramado.
SÍLVIO – Eu quero aproveitar o gancho do Chicão e dizer que as escolas de samba não estão chorando leite derramado. As pessoas costumam dizer que o prefeito deu dinheiro para as escolas de samba e eu respondo, o prefeito não deu dinheiro, ele comprou o nosso espetáculo. Quero dizer que as escolas de samba já estão trabalhando para fazer o melhor carnaval de 2009, se o prefeito ou governador quiserem comprar o espetáculo nós temos um preço, nós temos um show para vender.
Fonte: Gentedeopinião com informações do programa “A Bronca é sua a ajuda é nossa” da rádio Caiari de Porto Velho – Programa apresentado pelo jornalista Sérgio Gomes, de segunda a sexta-feira, das 8:30 às 10hs.