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Silvio Santos

Adélia Kashiwani - Salteña boliviana no Triângulo


Adélia Kashiwani - Salteña boliviana no Triângulo - Gente de Opinião

A entrevista que vocês irão acompanhar, foi solicitada pela leitora Sandra Kashywaki uma rondoniense de Porto Velho que reside na Suécia exatamente em Estocolmo (Stockholm). “Minha mãe, Adélia Kashivani da Silva, imigrante boliviana, residente no bairro do Triangulo, funcionaria da extinta LBA e depois da Funasa. Que tal saber um pouquinho da nossa história?”. No feriado de Corpus Christi batemos na porta da casa da dona Adélia situada a Rua Rio Machado, bem ao lado do campo de futebol e entre histórias sobre a Baixa da União, Boi Bumbá e Quadrilha e até sobre receita da verdadeira saltenha boliviana. “Aqui ninguém faz a verdadeira saltenha boliviana”. Ficamos sabendo que dona Adélia nasceu na localidade boliviana de Cachoeira Esperança. “Cachoeira Esperança tinha um hospital que era referencia, não apenas na Bolívia, mas, em cidades brasileiras também” e veio para Porto Velho com 18 anos, casou e por aqui ficou até hoje. Sempre sorrindo dona Adélia foi nos contando passagens da sua vida.

E N T R E V I S T A

Zk – Pelo sotaque a senhora não é brasileira. É de onde?

Adélia – Nasci na Bolívia e vim para Porto Velho com 18 anos de idade, logo que cheguei aqui casei. Meu marido era jogador de futebol. Cheguei aqui no dia 4 de abril de 1958 e no dia 25 de julho casei com o Francisco Gomes da Silva mais conhecido como Apolônio. Foi amor à primeira vista. No ano seguinte tive meu primeiro filho. Na realidade tivemos sete filhos dos quais quatro estão vivos: Edson, Sandro, Neuma e a Sandra.

Zk – A senhora veio fazer o que em Porto Velho?

Adélia – Vim a passeio com uma prima e fiquei. A viagem de trem de Guajará Mirim pra cá era muita divertida, embora a gente se queimasse um pouco, porque a locomotiva vinha na frente e as faíscas caiam em cima da gente que vinha nos vagões de passageiros. Essa minha prima já morava aqui há muitos anos. Quando disse que iria casar ela ficou braba, deixou até de falar comigo.

Zk – Pelas informações que chegaram da Suécia a senhora trabalhou por muitos anos na LBA. Como foi sua contratação?

Adélia – Entrei pra LBA em 1976. Antes disso batalhei muito, lavei roupa pra fora, costurava. A família Guimarães foi minha freguesa de costura. Fazia desde o enxoval do nascimento até a fase adulta. Também costurei muito para a família do Manelão, a Rita, Conceição, Socorro e até roupa pra ele cheguei a costurar.

Zk – E a LBA?

Adélia – Acontece que a LBA oferecia cursos de corte e costura, culinária e tantos outros e eu me matriculei. Como fui uma boa aluna eles me aproveitaram e então fui contratada como instrutora. A superintendente da LBA em Rondônia solicitou ao governo federal a inclusão de duas instrutoras no quadro da LBA e nós éramos seis e a minha chefa que era a dona Cláudia Rosa me escolheu e então passei para o quadro efetivo.

Zk – Quando a LBA foi extinta a senhora foi transferida para qual órgão?

Adélia – Fui para a Fundação Nacional de Saúde – FUNASA.

Zk – A senhora então se aposentou?

Adélia – Não! Não me aposentei. Foi o tempo que o Fernando Henrique ganhou a eleição para a presidência da República e ele extinguiu a LBA e fui pra FUNASA aí ele criou o Programa de Demissão Voluntária – PDV e eu pedi minha demissão. Acontece que tinha um problema nas pernas, inclusive fui duas vezes fazer tratamento em Goiânia. Meu setor de trabalho ficava no andar de cima e eles não quiseram me colocar num setor do andar térreo, quando veio o PDV decidi pedir demissão, porque não aguentava mais subir e descer as escadas.

Zk – Vamos voltar à história do Morro do Triângulo. Como era o bairro quando a senhora foi morar lá?

Adélia – Quando vim pra cá, ainda existia a escola de samba do Periquito a “Triangulo Não Morreu”.  A localidade mesmo era cheia de mato, a rua não era asfaltada, a ladeira era o tormento da população.

Zk – Qual o problema da ladeira?

Adélia – Quando chovia era preciso colocar uma corda amarrada que ia do topo da ladeira até lá embaixo e era só puxando naquela corda que a gente conseguia subir. Era um lamaçal só. Quem se atrevia a subir sem utilizar a corda acabava escorregando e caindo.

Zk – A senhora ainda pegou o Igarapé do Burrinho despoluído?

Adélia – Cansei de lavar roupa naquele Burrinho. Esse nome Burrinho é em função de naquele tempo terem colocado uma bomba (burrinho), que puxava água para o tanque da CAERD que ficava em cima do Morro do Triângulo e de lá, era distribuída para parte da cidade. Hoje o Igarapé está totalmente poluído e até a ponte que fizeram para facilitar nossa passagem para a Rogério Weber só vive quebrada. Ali onde hoje dizem que é um esgoto, existe uma nascente de água. É uma fonte de água pura, que bem poderia ser preservada. Uma coisa é o Igarapé poluído, outra coisa é a nascente, a fonte de água que existe lá. Bom continuando, vim pro Triângulo por conta de problema com filho...

Zk – Como assim?

Adélia – Eu morava na rua Raimundo Nonato próxima a Rogério Weber. Quando o 5º BEC chegou aqui e nos tirou da Baixa da União o Coronel Oliveira me deu um terreno ali. Dai meu filho cresceu e entrou no mau caminho e como eu trabalhava muito descuidei dele. Nesse mau caminho ele arrumou inimizades e por causa disso, vendi a casa que era toda de alvenaria e vim pra cá pro Morro do Triângulo onde comprei um barraquinho de madeira, que não cabia nem minhas coisas, com o tempo fui construindo e hoje, é essa casa que o senhor está vendo.

Zk – As notícias dão conta de que a senhora é uma eximia cozinheira e quituteira com especialidade em saltenha. A senhora faz pra vender ou só para o consumo caseiro?

Adélia – Faço pra vender. Nos finais de semana coloco uma “banca” na frente de casa (a casa da dona Adélia fica ao lado do campo de futebol do Triângulo) a partir das quatro horas da tarde e fico vendendo.

Zk – Qual a receita da verdadeira saltenha boliviana?

Adélia – Minha saltenha leva peito de frango cozido, batata, cenoura e os temperos todos, quando vou montar coloco azeitona. Tem um detalhe! A saltenha boliviana aqui ninguém faz!

Zk – Qual a diferença?

Adélia – A saltenha boliviana é assada e tem o molho que se você comer ela pegando com a mão, esse molho vai escorrer e lhe melar. Na Bolívia a verdadeira saltenha é servida num pratinho, você abre e come com a colherzinha por causa do molho. Aqui o recheio é seco. Aliás, aqui a gente faz a saltenha e não a salteña.

Zk – Voltando no tempo. A senhora disse que ao chegar aqui foi morar na Baixa da União. Como era a Baixa da União?

Adélia – Lembro que o curral do Boi Corre Campo era bem em frente à casa da minha sogra, conheci o Nego Hélio e o Galego. A Baixa da União era muita divertida, tinha o campo de futebol que ficava bem no meio da vila de casas e o interessante era que as casas não tinham quintal e todo mundo se dava com todo mundo.

Zk – Pelo que estou vendo a senhora sempre esteve envolvida com as festas juninas como Boi Bumbá e Quadrilha. Explique esse envolvimento?

Adélia – Parece que essas brincadeiras me perseguem, porque eu mesma não gosto. Lá na Baixa da União era o Boi Corre Campo, aí fui pro Areal, meu vizinho botava Quadrilha era a “Panela Sem Tampa”. Aqui no Triângulo veio o Ruy e colocou a Quadrilha “Matutos do Triângulo Lascando o Cano" e minhas filhas e meus filhos se envolveram. Chega carnaval endoida todo mundo aqui em casa. Minha filha Sandra que está na Suécia já foi presidente da Quadrilha.

Zk – E a senhora diz que não gosta de festa?

Adélia – É verdade, nunca gostei de festa, nunca usei maquiagem, batom essas coisas. Nunca fumei e nem bebi. Por isso digo que as festas me perseguem.

Zk – A senhora é boliviana nascida aonde?

Adélia – Nasci em Cachoeira Esperança. Meu pai era japonês e trabalhava para um grande empresário que era dono de Cachoeira Esperança e meu pai foi mandado para um dos seringais desse patrão que se não me engano, era italiano e nós fomos junto, fiquei nessa localidade (seringal) até meus 14 anos, aí vim pra sede em Cachoeira passei três anos, voltei pro seringal passei uns meses e de lá foi que vim pra Porto Velho.

Zk – O que a senhora lembra de Cachoeira Esperança?

Adélia – Para a época era uma cidade bastante avançada, tinha um hospital considerado referencia na região, os médicos eram todos estrangeiros. Tinha uma igreja muito linda em cima de uma laje de pedra onde tinha um Cristo de bom tamanho todo de ouro.

Zk – E hoje como a senhora está, 74 anos em forma. Não quis mais casar?

Adélia – Casar pra que? Tô muito bem assim, quando me dar na telha vou a Bolívia, já passei dois anos em Santa Cruz da La Sierra. Sempre estou indo lá, fico um mês e venho embora.

Zk – A senhora é uma mistura danada! Á japonês, boliviana tem mais outro sangue correndo nas suas veias?

Adélia – Veja bem: O bisavô da minha mãe era índio, meu pai japonês e minha mãe Ester boliviana. Tenho sangue azul, amarelo de todas as cores.

Zk – A senhora é Colha ou Camba?

Adélia – Sou Camba! Quem nasce de Santa Cruz pra cá, pro rumo de Guajará Mirim é Camba. Colha são os índios. Os Cambas são os fazendeiros, donos de indústrias e os Colhas são os cocaleiros, vivem da plantação e da colheita da folha de cocaína. O atual presidente boliviano Evo Morales é Colha!

Zk – Para encerrar. O que a senhora tem a dizer para essa juventude “quadrilheira” do Triângulo Lascando o Cano?

Adélia – Acho muito bonito! Que façam uma brincadeira sadia, se divirtam. A melhor coisa que fazem é ter uma ocupação para não ficarem ociosos.

Zk – Se alguém quiser encomendar seus quitutes em especial a saltenha deve ligar pra onde?

Adélia – Meu telefone é 3221- 8897!

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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