Domingo, 12 de outubro de 2014 - 05h06
"Comecei a estudar em 1965 e ainda tinha muito ranço da segunda guerra mundial e a gente não podia falar Pomerano"
Quarta feira passada dia 08, fomos até a Casa da Cultura Ivan Marrocos cumprir pauta na Galeria Afonso Ligório onde os artistas J Messias e Adelina Jacob estão com a exposição “Todos te Olham”. J Messias e seu trabalho conhecemos de longa data, mas, Adelina Jacob conhecemos naquele dia e na conversa sobre suas telas, ficamos sabendo que ela é Pomerana e então bateu a curiosidade e dirigimos a conversa para a história dos Pomeranos no Brasil. Para nossa surpresa Adelina não é apenas descendente de Pomeranos, ela conhece e estuda a história do seu povo que veio para o Brasil há muitos anos e entre outras localidades, escolheu as montanhas do estado do Espírito Santo para viver ou sobreviver. “Somos um povo que vive para a agricultura, principalmente cultivando tubérculos como Inhame, Macaxeira, Batata Doce e também o Milho”. Adelina nos detalhou os costumes do seu povo como a culinária, a dança e o modo de vestir. “Nosso principal prato é o Pão de Fubá de Milho cuja massa leva tudo quanto é tipo de tubérculos. Nosso povo foi escravo de alemães e poloneses. Éramos tão subjugados, que a noiva na noite de núpcias deitava primeiro com o Patrão que ia dar emprego ao seu Marido e mais, o noivo já marido, tinha que ficar olhando sem poder dizer nada”. A artista também nos conta, que em virtude dessa obrigação, os jovens enamorados com certeza de que casariam, passavam a dormir juntos muito antes do casamento e com isso, o Patrão apenas pensava que estava desvirginando a noiva na noite de núpcias.
Além da história dos Pomeranos, Adelina fala sobre a exposição “Todos te Olham”.
E N T R E V I S T A
Zk – Você é de onde?
Adelina Jacob – Sou Adelina Jacob nasci em Itarana estado do Espírito Santoe vim para Rondônia com 16 anos de idade em 1973, para Espigão D’Oeste com minha família. Sou de 1957. Eu era agricultora, andava por dentro da floresta, roçava mato plantava arroz, enfim, plantava hortaliças e cuidava de animais. Sou bastante naturalista, sou contra a utilização de veneno na lavoura ou em qualquer plantação, na minha casa tenho horta, jardim, árvores, pássaros, é uma floresta. Moro no bairro Aponiã em Porto Velho. Minha casa não tem cimento, porque quanto mais cimento você coloca, cada janela, cada metro de asfalto influencia no calor. Em vez de as pessoas plantarem grama em seus quintais coloca mais calçadas e aí aumenta o calor.
Zk – Por que seus pais vieram para Rondônia?
Adelina Jacob – Os Pomeranos lá no Espírito Santo... Meu pai teve seis filhos com mamãe e a terra era pouca e cara. Com o incentivo do governo convidando o povo pra vir pra Rondônia que ganhava terra, meu pai vendeu tudo lá e comprou terra em Rondônia, só que perdeu. Ele comprou uma terra de 400 alqueires. A idéia era que cada filho ficasse com 40 alqueires. Naquela época os homens ganhavam terra às mulheres não. Meu pai já tinha evoluído e queria que tanto os filhos homens como as mulheres tivesse sua terra.
Zk – Ao se instalar em Rondônia seu pai passou a produzir o que?
Adelina Jacob – Ele trouxe uma serraria pica-pau com a idéia de ganhar dinheiro produzindo tábuas, para a construção das casas dos colonos que se instalavam em Espigão D’Oeste ele também trouxe o equipamento para fazer móveis, só que não deu certa essa parte, porque o técnico que veio com ele para trabalhar nessa área, resolveu voltar para o Espírito Santo e meu pai teve que vender o equipamento.
Zk – O que tinha em Espigão D’Oeste quando vocês chegaram?
Adelina Jacob – Espigão D’Oeste era animado pra caramba! Tinha um caminhão, um jipe e um trator. Saímos num caminhão pau de arara de Pimenta Bueno às 5 horas da madrugada e chegamos às 4 horas da tarde em Espigão, mas, pra nós estava tudo tranquilo porque era coisa nova que estávamos descobrindo. Devo esclarecer que na época eu não tinha escolaridade, comecei a estudar lá em Espigão. Na época, diziam que a moça quando sabia ler, escrever e fazer conta, estava bom. Quando cheguei a esse estágio tive que ir trabalhar na roça e quando completei o ensino fundamental, fui convidada e aceitei dar aula na zona rural.
Zk – Agora vamos falar sobre sua origem Pomerana?
Adelina Jacob – Há muitos séculos passados, eles habitavam terras no chamado Mar Báltico entre a Polônia e a Alemanha e por ser uma terra muito fértil passou a ser disputada por todos: Os Pomeranos enfrentaram em Mil Anos de Guerra, Napoleão, dinamarqueses, alemães, Hitler, a Rússia e principalmente os poloneses. Existiam 2 Milhões de Pomeranos e depois de tanta luta, restaram poucos, sei que sobraram alguns na Alemanha, mais de 300 mil foram para os Estados Unidos da América e para o Brasil vieram 30 Mil a maioria para o Espírito Santo.
Zk – Qual o motivo de tanta disputa?
Adelina Jacob – Acontece que a região dos Pomeranos era formada por terras extremamente férteis e ainda tinham o mar para escoar seus produtos e alemães, poloneses e outros povos queriam para eles região tão promissora e por isso brigavam mesmo e mais passaram a escravizar os Pomeranos.
Zk – Seus pais nasceram na região dos Pomeranos na Polônia ou Alemanha?
Adelina Jacob – Da família da minha mãe veio pro Brasil meu bisavô, meu avô e meus pais nasceram aqui. Os Pomeranos chegaram ao Espírito Santo por volta de 1859, a maior parte veio em 1870. Vieram pra cá por incentivo do governo brasileiro que prometeu que aqui ganhariam terra, como eles eram todos lascados vieram. Os Pomeranos são extremamente de origem camponesa, por conta dessa terra fértil do Mar Báltico, porém, também vieram carpinteiros, artistas, a medicina já era bem avançada, a cultura artística bem avançada também. Outro fator que contribuiu para a imigração dos Pomeranos para alguns países, foi quando a Alemanha foi unificado e começou a industrialização. Eles trabalhavam como escravos, tinham seus “Senhores”, trabalhavam em troca de alimentação tanto na Polônia como na Alemanha. Sobre os Senhores tem uma história muito horrível...
Zk – Que história é essa?
Adelina Jacob – As mulheres dos Pomeranos eram violentadas pelos “Senhores”, inclusive, na noite de núpcias quem deitava com a noiva era o “Patrão” e o noivo era obrigado a assistir sua esposa ser desvirginada sem poder fazer nada, era a mais violenta escravidão mesmo. Sou descendente de pessoas escravizadas, cheias de discriminação, cheia de preconceitos, fatos que são relatados pelos historiadores e que aqui estou relatando apenas superficialmente.
Zk - Você falou que Getulio Vargas também perseguiu os Pomeranos. De que maneira?
Adelina Jacob – Na época do governo Getúlio Vargas os Pomeranos que viviam no Brasil sofreram mais uma vez. Martin Lutero foi o primeiro homem no mundo a defender a educação gratuita para todos. Getulio Vargas em virtude da Guerra com os alemães mandou queimar os livros escritos em alemão e muitos outros idiomas, além disso começou a perseguição contra os alemães que eram presos e por isso os Pomeranos passaram a adotar dois nomes, o do registro feito na justiça e o fictício (espécie de apelido) que era o que todos conheciam. Quando a Polícia chegava com o mandato judicial e perguntava pelo nome oficial ninguém sabia informar. Só quem sabia o nome verdadeiro eram os familiares e mais ninguém. O governo pensava que os Pomeranos eram alemães daí a perseguição.
Zk – É verdade que hoje no mundo só se fala Pomerano no Brasil?
Adelina Jacob – Hoje não existe mais vestígios dos Pomeranos em nenhum ligar do mundo, nem mesmo no berço deles naquela região do Báltico se fala a língua Pomerana. Só aqui no Brasil eles conseguiram manter a cultura, isso porque o governo brasileiro que incentivava a vinda deles pra cá prometendo terra, não cumpriu o prometido e eles foram empurrados para as montanhas do Espírito Santo onde ninguém queria morar e lá eles trabalhavam no regime de mutirão, faziam suas festas, enfim preservaram realmente a cultura Pomerana.
Zk – Pomerano é língua ou dialeto?
Adelina Jacob – Se você quer ver o Dr. Ismael Tressmann (autor do livro UPM Land – Up Pomerrisch Spak – Na Roça – Em Língua Pomerana) diga que a linguagem Pomerana é um dialeto. Pomerano é uma língua germânica. Com o apoio do governo do Espírito Santo ele conseguiu lançar o Dicionário da Língua Pomerana e também a norma gramatical. Meu irmão Hilário Jacob tem um texto dentro do livro dele. Ele conseguiu que o governo do Espírito Santo sancionasse a Lei que considera o Pomerano a segunda língua oficial nas escolas públicas em localidades onde existam (moram) determinado números de Pomeranos.
Zk – Você se pós graduou em língua portuguesa. Tem um motivo especial?:
Adelina Jacob – Só vim a aprender português quando estava com oito anos de idade, por isso sofri muito preconceito, tanto que com dez anos eu já sofria de úlcera nervosa, sofria calada, porque a regra lá em casa era: O que você sofre na escola resolve na escola não leva o problema para casa. Comecei a estudar em 1965 e ainda tinha muito ranço da segunda guerra mundial e a gente não podia falar Pomerano. Foi então que disse pra mim mesma, já que é um problema vou fazer minha faculdade em língua portuguesa pra ninguém mais rir de mim e assim fiz, depois fiz pós graduação em lingüista e meu artigo foi “Preconceito Linguistico”, consegui colocar no papel tudo que estava engasgado desde os meus oito anos de idade.
Zk – Na realidade, essa entrevista era para falarmos da Exposição que você está fazendo na Casa da Cultural em parceria do J Messias. Vamos pelo menos falar um pouquinho desse seu trabalho em artes plásticas?
Adelina Jacob – Primeiro vamos falar do inicio: minha mãe contava e eu vi nas fotos que as Pomeranas casavam com vestido preto com grinalda de murta e uma fita verde na cintura. Minha mãe já casou de vestido branco, e eu enquanto criança desenhava os vestidos de noiva em diversas cores, eram azul, estampado, vermelho só não desenhava vestido preto nem branco. Vem daí a minha paixão pelas artes plásticas e as cores fortes que utilizo nos meus quadros.
Zk – E a exposição Todos te Olham?
Adelina Jacob – Sobre essa exposição, o Messias sempre me convidava até que um dia aceitei mas, primeiro fui estudar arte com a Silvia Feliciano para poder aceitar o convite. Já participei de outras exposição em parceria com ele e com a Fátima. Agora estamos com esta “Todos te Olham” que fica na Casa da Cultural até o final deste mês de outubro. Também fiz curso de xilogravura com a Ângela Schilling e conseguiu classificar um trabalho em Atibaia no Museu “Olho Latino”. Participei com dois trabalhos em xilogravura na Itália e estou esperando ter mais um trabalho classificado para fazer parte da exposição na Itália, o resultado só sai em Maio de 2015. Agora estou começando um novo trabalho que se chama “Coisa de Mulher” é em aquarela, ano que vem esse trabalho será exposto.
Zk – Para encerrar?
Adelina Jacob – Como falamos pouco da exposição “Todos te Olham” venham a Casa da Cultura olhar e avaliar nossa exposição. Contato através do telefone celular 9972-6264 e também divulgo no face book.
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