Segunda-feira, 25 de agosto de 2008 - 06h26
A história dos nordestinos que vieram para a Amazônia, servir como Soldado da Borracha, na época da segunda guerra mundial, são muita. No Museu do Áudio, que existe no antigo palácio do governo, em Rio Branco Acre, podemos escutar dezenas das histórias desses pioneiros, que se embrenharam pelos seringais da região e transformaram a Amazônia no maior celeiro da borracha que atendia as necessidades das tropas aliadas.
Bom, entre os que foram convocados, estava o cearense Adonias Tiago de Araújo. "Desembarquei em Boca do Acre em fevereiro de 1943". Depois de alguns anos tirando leite e fazendo pelas de borracha, extraindo castanha, sova e outros produtos, Adonias resolveu seguir para São Paulo, só, que ao chegar em Porto Velho, teve que ceder sua vaga no avião da FAB, para uma carga do governo do Território Federal do Guaporé que deveria seguir para a capital federal no Rio de Janeiro. "Depois de alguns dias esperando um novo vôo da FAB sem conseguir êxito, resolvi voltar ao seringal e fui trabalhar num seringal no Rio de Jacy Paraná". Isso fez com que Porto Velho ganhasse um sapateiro de verdade. "Eu fazia sapato, sob encomenda. Agora sou apenas um brechoeiro que vive cheirando chulé".
Apesar de ser um dos melhores sapateiros de Porto Velho, Adonias ficou famoso mesmo foi através das brigas de galo promovidas por ele. Houve um tempo, que suas rinhas eram ponto de encontro nas manhãs de domingo, daqueles que apreciam uma boa briga de galo. "agora não dá mais promover essas brigas, existe muita perseguição. Aí pergunto, eles alegarm que a gente maltrata os galos e os bois quando são abatidos não sofrem não, os frangos quando são abatidos pelas grandes empresas não são maltratados?". Nessa entrevista Adonias ensina como transformar um frango num grande galo de briga. Mas, a entrevista também nos leva a Porto Velho do inicio da década de cinqüenta, do Mocambo, do clube Imperial e outras histórias que com certeza enriquecerão nossos conhecimentos. Adonias o técnico de galo de briga!
E N T R E V I S T A
Zk - O senhor nasceu aonde?
Adonias – Eu nasci no Iguatu, mas me criei em Fortaleza (CE) ou por outra, me criei no meio desse planetão aí.
Zk – Quando o senhor embarcou do Ceará para a Amazônia?
Adonias – Embarquei no dia 5 e sai de Fortaleza no dia 6 de janeiro de 1943 no navio Afonso Pena. Nós fizemos Amarração no Piauí; depois Ponta da Areia no Maranhão e depois fizemos Belém. Em Belém trabalhei a bordo do navio, botando carvão no paneiro.
Zk – Carvão no paneiro?
Adonias – Naquele tempo os navios queimavam carvão, pelo menos o navio que estávamos e lá em Belém, o carvão era carregado em paneiros. De Belém viemos pra Santarém e de lá para Manaus. Nós gastamos de Fortaleza a Boca do Acre um mês e vinte e dois dias.
Zk – E o que o senhor foi fazer na Boca do Acre?
Adonias – De Manaus para Boca do Acre a viagem foi no navio "Ajudante".
Zk – E em Boca do Acre o senhor foi trabalhar com o que?
Adonias – Acontece que vim para a Amazônia como Soldado da Borracha. Vim naquele tempo da Caeta, da Salva e da Imigração Cearense ou Nacional, na época da guerra. Em 22 de fevereiro de 1943 desembarquei na Boca do Acre.
Zk – Como soldado da borracha foi trabalhar aonde?
Adonias – Fui trabalhar como seringueiro no seringal Independência, que ficava no Rio Purus e o dono era João Antero um cearense..
Zk – Quanto tempo o senhor passou, trabalhando com extrativismo?
Adonias – Foram 18 anos mexendo com seringa, castanha, sova, caucho e assim por diante, fiz tudo em se falando de trabalho no mato, só não fiz matar jacaré porque não gostava de tirar couro de jacaré.
Zk – É verdade que naquele tempo, no seringal, quando o seringueiro tirava saldo o seringalista mandava os capangas matarem ele na curva do rio?
Adonias – Na época da primeira guerra aconteceu, na época da segunda guerra também aconteceu. Ora, se aqui dentro da cidade, no Rio e São Paulo eles mandam matar pra não pagar a conta, porque os seringalistas não iam mandar matar o "caboco" que tinha saldo, mandava sim!
Zk – Por que foi que o senhor deixou de trabalhar em seringal e veio para Porto Velho?
Adonias – Eu não vinha pra cá coisa nenhuma, eu saí do seringal, com a intenção de ir para São Paulo. Consegui passagem no CAN (Correio Aéreo Nacional), embarquei num avião da FAB e quando chegamos aqui em Porto Velho, desembarcamos no aeroporto do Caiari que tinha só uma barraca e era do lado da Presidente Dutra. Acontece que na hora da gente embarcar no rumo de São Paulo veio um sargento da FAB e disse que tinha uma carga do governo para embarcar pra São Paulo e que por isso, os passageiros solteiros tinham que ficar em Porto Velho, como eu era solteiro, fiquei!
Zk – E não conseguiram vaga em outro avião pra vocês?
Adonias – A idéia deles era nos colocar num outro avião, só que não deu certo e eu fui ficando, para encurtar a conversa, terminei voltando para o trabalho do seringal. Isso por volta de 1949.
Zk – Mas, aí o seringal já era no Território Federal do Guaporé?
Adonias – Com a falta de vaga e o dinheiro acabando, fui procurar emprego como seringueiro e consegui para trabalhar num seringal que ficava no Rio Jacy Paraná.
Zk – De quem era esse seringal?
Adonias – O seringal pertencia a uma empresa, mas uns seringalistas se apossaram, era o Antônio Gomes, Chico Virgilio. Trabalhei alguns anos lá pra's bandas de Jacy, adoeci e vim pra cidade e estou aqui até hoje.
Zk – Fazendo o que?
Adonias – Eu já tinha essa profissão de sapateiro. Abri uma tendinha pra mim na Sete de Setembro. Cheguei a ter oito, nove operários. Trabalhei encostado a igreja dos crentes, depois trabalhei com o árabe Abraão Feid num ponto que ficava em frente à Farmácia do Boanerges.
Zk – E quem era o Boanerges?
Adonias – Boanerges era o médico dos pobres, dono da farmácia Nossa Senhora da Conceição ali na esquina das ruas Sete de Setembro com a rua José de Alencar. Depois arranjei um trocadinho e coloquei uma oficina em frente ao Café Santos na Prudente de Moraes, depois fui para um das casas do Miguel, uma daquelas que depois pegou fogo, que ficava na Rua Gonçalves Dias perto da Casa do Esmite Bento de Melo. Depois disso, fui pra casa velha do português que ficava ali onde hoje é o hotel Iara; dali fui para a General Osório e em seguida para a Julio de Castilho nos fundos do cinema do Lacerda, o Aderbal buchudo, arranjou um ponto pra mim ali, porque os noiados tocaram fogo na minha tenda.
Zk – Desde quando o senhor aprendeu o oficio de sapateiro?
Adonias – Eu morava num bairro lá em Fortaleza chamado Justiniano de Serpa e lá, tinha muita indústria pequena de fabricação de sapato e eu aprendi a fazer sapato por acaso. Hoje eu sou um "Brechoeiro" fuleiro?
Zk – O que?
Adonias – Hoje sou um "brechoeiro" fuleiro, quer dizer, que só trabalho com sapato velho, pega chulé dos outros. Antigamente eu não consertava, eu fazia sapato, naquele tempo eu era Sapateiro com "S" maiúsculo.
Zk – O senhor é do tempo da Porto Velho boêmia. Quer lembrar esse tempo?
Adonias – Morei no Mocambo, o bairro boêmio da cidade naquela época. A Vila Confusão era onde hoje esta a Galeria Lacerda e em frente era o areal da cidade. Tudo na Sete de Setembro. Esse areal que falo era, onde hoje encontramos um bocado de lojas, inclusive a Discolândia. Antes ali foi a sede da mineração do Florodoaldo Pontes Pinto. Na rua Osório também tinha um tirador de areia.
Zk – E o Areal de verdade era aonde?
Adonias – O melhor areal ficava onde hoje é o Colégio Getúlio Vargas, ali realmente funcionou o areal, tanto que o bairro tem esse nome.
Zk – Vamos falar mais sobre o Mocambo?
Adonias – O Mocambo era uma verdadeira favela, ali sempre foi coito de viciado, de pinguçu, no Mocambo funcionava muito puteiro. Hoje o bairro ta bem melhor, mas, ainda tem a fama. Aliás, em fundo de cemitério sempre tem essas coisas.
Zk – O senhor como profissional sapateiro, foi empregado de alguém?
Adonias – Trabalhei com o José Camacho, com o Abraão. Trabalhei com aquela canalha ruim do Canduri, vizinho a igreja Assembléia de Deus no bairro Caiari.
Zk – É verdade que o senhor fez sapato para o Coronel Aluizio Ferreira?
Adonias – Nada disso. Eu não era aluizista de jeito nenhum. Eu acompanhava o Renato Medeiros o Rondon naquele povo.
Zk – E o Aluizio?
Adonias – Aluizio Ferreira era um desertor do exército, ele e aquele outro filho de uma égua lá do Maranhão Vitorino de Freitas, tudo era desertor e nesse povo a gente não podia confiar.
Zk – Já que tocamos no assunto. O senhor conhece a história da Caçamba que dizem, atropelou um bocado de gente num comício do Renato?
Adonias – Eu estava lá naquele comicio, escapamos de morrer, eu a mulher e a menina. Naquele dia morreu uma duas pessoas e muitas ficaram feridas.
Zk – Você foi boêmio praticante, namorador.
Adonias – Olha! Nunca gostei de boemia não. Mulher não pôe ninguém pra frente. Mulher é que nem a história da Celina. Tem aquela música: (Cantando) Mulher a gente encontra em toda parte/Mas, não se encontra a mulher, que a gente tem no coração...
Zk – Quer dizer que o senhor não teve mulher?
Adonias – Tive uma, duas, três quatro mulher, mas, foram morrendo, morrendo e eu fui ficando. Até falei para algumas, quando morrer vem falar alguma coisa pra mim, nunca vieram.
Zk – É verdade que o senhor fez um trato com um amigo relativo ma essa questão de morte?
Adonias – Lembra do Careca, quebra pau da polícia! Fiz um trato com ele, quem morresse primeiro viria dizer alguma coisa pro outro, o filho de uma égua morreu e nunca veio dizer nada pra mim.
Zk – Por falar nessas coisas. O senhor nasceu em que dia, mês e ano?
Adonias – Sou de 16 de agosto de 1921. Já completei 87 anos de idade. Só de Amazonas tenho 65 anos, completados em fevereiro passado.
Zk – Quando o senhor morou no Mocambo já existia a boate Céu?
Adonias – Cheguei a freqüentar! O céu era dirigido pelo Bola Sete.
Zk – Tem alguma história sobre a boate Céu?
Adonias – O interessante era que no Céu, o porteiro era o Cão (um cidadão que era da guarda territorial); o garçom era Jesus (funcionário da Mesa de Renda); uma das freqüentadoras assídua era Maria Madalena (prostituta do Mocambo). Naquela área tinha também o clube do ferroviário Geraldo Siqueira conhecido como Alumínio que era o Imperial conhecido também como Cai N'água. O Imperial ficava exatamente na esquina da rua Almirante Barroso com a José de Alencar.
Zk – Tem alguma história sobre o Imperial?
Adonias – Não me lembro de alguma que seja interessante.. Acontece que o clube tinha um assoalho muito alto em relação à rua, e de vez em quando aconteciam umas brigas por lá e muitos era jogados lá de cima e quando chegava o inverno, aquela área alagava por isso o clube ficou conhecido também como Cai N'água, porque muitas vezes na hora da confusão quando jogavam alguém, esse alguém caia dentro d'água. Eu não era freqüentador assíduo desses ambientes não.
Zk – E o Bola Sete?
Adonias – O Bola Sete conjuminou aquele povo da boemia e sempre o sem vergonha acata a sacanagem do sem vergonha e o Bola Sete, era daquele jeito, brigava apanhava, batia. Dizem que ele enfrentou mais de dez guardas na Sete de Setembro e só foi dominado depois de amarrado. Depois ele se ajeitou, foi lutador de boxe, vendia bilhete de loteria e até diziam que o bilhete premiado nunca saía. Com tudo isso, o Bola Sete era um grande camarada e fez história nessa terra.
Zk – Vamos entrar num assunto que hoje em dia é passivo de prisão. Estou me referindo às brigas de galo. O senhor foi dono de rinha?
Adonias – Nós tínhamos lá no Nilo Pontes ali aonde é a Esplanada hoje. O Nilo Pontes construiu ali um barraco, uma rinhazinha uma porcaria e nós seguíamos a rinha, era o Alcides Ramos, Cabeça Branca, Dr. João Fernando, Dr. Fuad Darwiche, Dr. Ari Pinheiro, Eu o Bofetada e muito mais gente, tudo gente boa.
Zk – Como é que funciona as brigas de galo, é aposta?
Adonias – Olha, tudo que a gente faz na vida é apostando. Se for pra matar, o sujeito ganhando mata mais ligeiro e assim por diante.
Zk – Quanto tempo demora para se formar um galo bom de briga?
Adonias – Depende de muita coisa, a Raça pesa muito. O maior produtor do mundo, é a Índia, lá eles tem diversos tipos de galo; depois vem a Inglaterra com o Carijó, Pedrês e o Pena Curta, mas, o maior produtor de galo de raça mesmo é a Índia. Depois vem o Japão, a Inglaterra, as Filipinas a Malásia.
Zk – Como foi que o senhor se meteu nessa?
Adonias – Foi de criança. No Ceará, morei num bairro que tinha muito galista, Justiano de Serpa e eu me adaptei aquilo e quando cheguei em Rio Branco Acre, as brigas aconteciam na Praça do Quartel e aqui em Porto Velho encontrei o Alcides Ramos que trabalhava na polícia, ele e o irmão e quando o Nilo Pontes fechou a rinha dele, nós fizemos a nossa rinha ali perto do mercado do japonês Maru, vizinho a Mãe do Bainha dona Marieta. A rinha era animada demais.
Zk – Isso quer dizer que você é craque na formação de uma galo de briga. Como é essa técnica?
Adonias – Olha! Do jeito que você treina uma pessoa para o esporte a gente treina o galo. Corta as esporas, mete luva, mete biqueira, treina, treina e o galo vai pegando marra (músculos). A gente prepara o líquido de casca de cajueiro, casca de angico, bota pedra úmida.
Zk – Essa garrafada serve para que?
Adonias – Serve para ele encorar, ficar duro, duro e fazer muita massagem. Depois, a gente coloca as esporas, pra ele matar aquele galo mais ruim e ele mata mesmo.
Zk – Como é que se treina um galo para ele se transformar em matador?
Adonias – Quando a gente percebe que aquele galo vai ser bom de briga, a gente coloca ele pra brigar com os mais ruins. Coloca biqueira no galo ruim para ele não machucar e então o galo bom mata. Com o tempo ele se acostuma a matar o adversário e ta pronto para ser jogado na rinha. Com espora ele mata em dez, doze minutos.
Zk – Do nascimento do pinto até se transformar num galo bom de briga, quanto tempo leva?
Adonias – Depois de dez, onze meses. A gente tosa as coxas, o pescoço e começa a exercitar até ele chegar lá. Quando ele não presta a gente come.
Zk – Por falar em comer. Vocês comem o galo que morre lutando na rinha?
Adonias –Quem se estraga quando morre é gente. O galo a gente come. Hoje com a panela de pressão não tem mais nada duro. Eu botei um chifre na panela de pressão e amoleceu.
Zk – Vamos começar a encerrar essa entrevista. O Senhor é casado ou foi casado?
Adonias – Fui casado. Tenho um filho fora do casamento que está lá pra São Paulo que não sei nem se existe ainda, ta com sessenta e tal anos; Tenho uma filha de quarenta e tal, tenho outra com sessenta e dois.
Zk – Foi casado com quem?
Adonias – Fui casado com Maria de Lourdes, fui casado com outra fulana, nem me lembro o nome dela.
Zk – E política! Gosta?
Adonias – Não me meto nisso não. Lembro do Inácio Mendes, aquilo era uma desgraça, mas, foi um sujeito que mexeu muito com a política. Gente da marca de Inácio Mendes é bom na política porque não tem vergonha. Nós tivemos outros políticos, mas o Inácio Mendes foi danado.
Zk – O Senhor sempre foi Renato e Rondon porque não acreditava em Aluizio Ferreira?
Adonias – Mas, o Aluizio Ferreira também fez a parte dele. Construiu o bairro Caiari, a Vila da Estrada de Ferro, fez alguma coisa, mas era um desertor de exército essa coisa, aquela merda!
Zk – 87 anos em forma?
Adonias – Não posso dizer que estou em forma, porque velho nunca está em forma. Se eu tivesse dinheiro estaria em forma. Bebida quando eu andava por esses rios bebia de vez em quando uma cachacinha. Esse sapezal do 4 até o 13 BR-364, se a gente fosse toda noite era quatro, cinco, seis tatu e a cobra nunca perseguiu a gente. Hoje to aqui, tenho alguns imóveis junto com meus filhos, na realidade minha filha. Porto Velho é muito bom. Sou da Porto Velho dos buracos da Sete de Setembro ao Shopping Center que fica aqui em frente de casa. Vivi só trabalhando, mas, minha vida foi e é ótima.
Fonte: Sílvio Santos
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