Sábado, 8 de março de 2014 - 05h22
No dia internacional da mulher, vamos homenagear a senhora Angélica Santos Nascimento, uma das vítimas da enchente do rio Madeira, que aos 93 anos de idade completados no dia 20 de dezembro passado, conta que jamais viu tamanha catástrofe. “Nasci, fui criada e vivo há 93 anos na beira do rio Madeira”. Assim como dona Angélica dezenas de mulheres mães de família estão sofrendo com a falta de respeito que o homem tem para com a natureza. “Esse rio Madeira é explorado de todas as maneiras pelos garimpeiros e suas dragas e agora pelas usinas e ainda dizem que a culpa é da natureza. Só se for a natureza ruim do ser humano”. Criada pela bisavó, dona Angélica comeu o pão que o diabo amassou na sua infância e adolescência.“Passei muita necessidade, quantas vezes comi camelão com farinha d’água! De tanto comer o peixe que chamam ‘lagrimício’, não posso nem ver mais o bichinho na minha frente”. Morando na localidade Prosperidade no distrito de São Carlos há muitos anos, dona Angélica não sabe o que será de suas galinhas e patos. “Já devem ter morrido afogados”. O gado do seu filho foi levado para a restinga mas assim mesmo, seis já morreram. “O vizinho já perdeu 60 cabeças de boi”.
O Dia Internacional da Mulher foi criado em homenagem as mulheres que foram queimadas vivas nos estados Unidos da América.
No dia Internacional da Mulher em Porto Velho – Rondônia as mulheres ribeirinhas, amargam os prejuízos, causados pela enchente do rio Madeira,
E N T R E V I S T A
Zk – Vamos começar pela sua apresentação, onde nasceu e se criou?
Angélica Santos – Nasci em Autazes (AM) no dia 20 de dezembro de 1920. Quando estava completando dois anos de idade, vim morar na localidade de Três Casas que era da família Lobo (João Lobo). Vivi em companhia da minha bisavó até os 13 anos de idade, quando ela morreu.
Zk – Fale sobre sua infância na beira do rio?
Angélica Santos –Infância! Eu não tinha irmão, não tinha irmã, não tinha pai, não tinha mãe, não tinha nada. Tinha uma tia que também era minha madrinha e quando minha bisavó morreu fiquei na companhia da minha prima.
Zk – Fale sobre a história da sua família, mãe, pai. O que aconteceu?
Angélica Santos – Minha mãe morreu afogada no encontro dos rios Preto e Madeirinha onde tinha uma passagem muito perigosa e a canoa alagou, meu pai mais o único irmão que tive se salvaram. Minha mãe chamava-se Maria de Nazaré do Nascimento e meu pai Manoel Venâncio dos Santos.
Zk – É verdade que a senhora passou muita necessidade quando criança e adolescente?
Angélica Santos – Cheguei a passar fome, cansei de ir pra beira do rio pescar uns peixes que chamam de “Lagrimicio” que hoje em dia não quero nem ver. Comi muito camaleão assado com farinha d’água, dei duro na roça para ajudar no sustento da família, não foi fácil não minha vida de criança e adolescente.
Zk – A senhora frequentava as festas que são famosas no beiradão?
Angélica Santos – Não gostava de festa e em consequência, não fui namoradeira como era costume das moças da época. Minha prima com quem passei a morar depois da morte da bisa, era muito rígida, eu só saía de casa se fosse com ela, o único local que ela me deixava ir sozinha era para a igreja.
Zk – E o casamento?
Angélica Santos – Comecei a namorar com um rapaz, mas, a mãe dele era muito metida, só queria ser o que a “folhinha não marcava”, terminei o namoro. Então fui namorar o Antônio Joaquim Esteves, no dia que fez dois anos de namoro nos casamos, era o ano de 1937 e eu estava com 16 anos. Ele morreu em 1997 foram 61 anos de convivência. Tivemos 18 filhos dos quais apenas 15 estão vivos hoje, São mais de 100 netos e bisnetos, tem até tataraneto.
Zk – Depois de casada foi morar aonde?
Angélica Santos – Aí viemos morar em Sobral que era praticamente em frente a São Carlos, já tinha três filhos nascidos em Humaitá.
Zk – Por que sua família se mudou do Sobral?
Angélica Santos – Porque caiu tudo, a correnteza do rio Madeira desbarrancou tudo, Isso foi há mais de 20 anos. Eu estava fazendo café quando ouvi a terra “estralando”, olhei tava quebrando, chamei minha filha e um sobrinho era só quem estava em casa, os outros já estavam montando a nova casa em Prosperidade. No outro dia fomos embora e o sobral foi quase toda pro fundo do rio Madeira.
Zk – Pelo jeito sua vida foi e é vivida na beira de rio. Tem alguma estória de boto essas coisas que falam?
Angélica Santos – Que estória de boto! Sempre tomei banho de rio e nunca o boto veio me aperrear, esse negócio de filho de boto é conversa pra boi dormir. O que vi foi muita onça. Lá em casa a gente criava muito porco e elas vinhas perseguir os bichos no chiqueiro. Cansei de ir caçar onça com a doze em punho. Vou lhe contar uma história que o senhor vai achar muita graça.
Zk – Conte?
Angélica Santos –Eu, minha vizinha e um dos meus filhos, “disque” fomos apanhar cacau, tinha que atravessar o rio, eu ia na proa da canoa e quando chegamos subi o barrancoàs pressas, quando levantei a cabeça dei de cara com uma onça pintada sentada me olhando ou me esperando. Dei um grito e sai rebolando barranco abaixo era eu prum lado e a onça pro outro.
Zk – Se Sobral foi pra debaixo d’água, você se mudaram pra onde?
Angélica Santos – Fomos morar em Prosperidade que é do lado esquerdo do rio Madeira de quem baixa e pertence ao distrito de São Calos. É uma localidade que existe há muitos anos, teve vários donos, por último, foi do seu Zé Menezes que deixou para os filhos e agora são os netos. Acontece que meu compadre e a mãe dele, ‘pisicava’ todo tempo pra gente ir morar em Prosperidade, tomar conta. Meu filho disse que só ia se ele vendesse uma parte da terra e a proposta foi aceita. Acontece que são muitos herdeiros e até hoje não foi feito o inventário, já moramos há muitos anos em Prosperidade e até hoje não conseguimos resolver o problema.
Zk – Quantas famílias moram e o que vocês têm lá em Prosperidade?
Angélica Santos – Tem as famílias: Do Chico, Mocinha, Compadre Bacica, Nós, Xaxa, Renato, Comadre Darci, Coco e a Cristiane. Meu filho tem muito gado lá.
Zk – Sabemos que a senhora pegou muito menino como parteira. Como foi que a senhora descobriu esse dom?
Angélica Santos – Eu era nova ainda. Eu sempre dizia que não tinha coragem de fazer parto, até que uma vizinha que tinha ido pro seringal e quando voltou estava gestante e no mês de ganhar neném. Eu estava dormindo quando o menino chegou me chamando, fui lá e ela estava com as dores pra ter a criança, eu nunca tinha feito aquilo, disse, coragem meu Deus e deu tudo certo. Daí pra frente não parei mais de pegar menino, perdi até a conta, só sei que muitos me chamam de “Mãe Velha”.
Zk – Tem alguma história de parto que a senhora não conseguiu fazer?
Angélica Santos – Dos partos todos, apenas dois não consegui realizar e recomendei que as mulheres viessem descansar em Porto Velho. Antes, assim que a criança nascia, a gente dava banho, de uns tempos pra cá, apenas limpamos com pano e colocamos no colo da mãe para a primeira amamentação. Parei de pegar menino como parteira já faz tempo, ainda estava com 78 anos.
Zk – Toda localidade do baixo Madeira tem um festejo. Em Prosperidade vocês festejam qual santo?
Angélica Santos – Nossa Senhora da Saúde cuja festa acontece nos dias 14 e 15 de agosto. O festejo começou em Sobral e quando fomos pra Prosperidade levamos pra lá.
Zk – É verdade que a senhora recebeu uma graça de Nossa Senhora e por isso até hoje oferece almoço para toda comunidade?
Angélica Santos – É verdade! Quando tive esse meu filho que sempre me acompanha o Antônio, adoeci de tanto subir e descer a escada que separava o resto da casa da cozinha. Então fiz a promessa que se eu ficasse boa, todos os anos até minha morte, daria um almoço para a comunidade no dia da festa de Nossa Senhora da Saúde. No começo era galinha caipira e porco, hoje é tanta gente, que matamos um boi para servir no dia da Santa.
Zk – Por falar em promessa, tem a história do casamento e a morte do padre Chiquinho. Como foi?
Angélica Santos – Dom João Batista Costa desde os tempos de Sobral sempre que visitava o beiradão comia lá em casa. Tem dois filhos meus que são afilhados dele, é a Janice e o Elói. O padre Chiquinho era outro que ia lá pra casa também.
Zk – E o casamento?
Angélica Santos – Dom João estava em São Carlos para fazer o casamento da minha filha. Na véspera, ela com o noivo José Braga foram a São Carlos confessar, quando chegou a noticia do falecimento do padre Chiquinho. Dom João disse: Va buscar o vestido da noiva que vou fazer o casamento agora, preciso subir pra Porto Velho, porque o padre Chiquinho morreu. Aí foi aquele corre, corre, minha filha casando e minha nora em trabalho de parto. Fui pro casamento da minha filha e sai correndo para fazer o parto da mulher do meu filho.
Zk – A senhora está em Porto Velho por causa da enchente do Madeira. O que a senhora tem a dizer a respeito disso?
Angélica Santos – Olha, nasci e me criei na beira desse rio Madeira e nunca, em 93 anos, vi uma enchente dessas. Tô muito triste (emocionadíssima), minhas criações ficaram lá, nem sei se minhas galinhas e os patos ainda estão vivos, meu jardim, as plantações de verduras e legumes tá tudo debaixo d’água. Não sou acostumada a dormir com ar condicionado ou ventilador, lá em casa é tudo natural não faz calor nem nada. Aqui até a pressão sobre demais!
Zk – Além das galinhas e dos patos o que vocês criam?
Angélica Santos – Meu filho tem bastante gado. Não perdeu mais, porque ele levou tudo pra restinga (terra firme) e lá a onça já comeu seis e outro morreu no transporte, agora nosso vizinho, perdeu 60 cabeça de gado para a enchente. As casas dos meus filhos cujo piso é de cerâmica, com certeza já estragou tudo, já minha casa, que é de madeira fica mais fácil de limpar quando rio secar é só lavar pra tirar o lodo e tá boa de novo, mas, os meninos vão ter que construir de novo. É triste, muito triste o que fizeram com o nosso querido rio Madeira. Eles (usinas) dizem que não tem culpa, eu acho que têm sim!
Zk – E a Defesa Civil?
Angélica Santos – Tá trabalhando, mas, me negaram uma cesta básica alegando que sou aposentada, depois se arrependeram e foram me oferecer água mineral, isso antes da cheia invadir completamente nossa casa. Agora tô na casa da minha filha aqui em Porto Velho.
Zk – Para encerrar essa nossa conversa. O que a senhora tem a dizer para nossas autoridades?
Angélica Santos – Nada! Não sei se eles tem mais força do que eu.
Lenha na Fogueira com o filme "O Pecado de Paula" e os Editais da Lei Aldir Blanc
A Fundação Cultural do Estado de Rondônia (Funcer), realiza neste sábado (16), o ensaio para a gravação do filme em linguagem teatral "O Pecado de Pau
Lenha na Fogueira com o Museu Casa Rondon e a eleição da nova diretoria da FESEC
Entrega da obra do Museu Casa Rondon, em Vilhena. A finalidade do Museu é proporcionar e desenvolver o interesse dos moradores pela rica história
Lenha na Fogueira com o Dia de Nossa Senhora Aparecida e o Dia das Crianças
Hoje os católicos celebram o Dia de Nossa Senhora Aparecida a padroeira do Brasil. Em Porto Velho as celebrações vão acontecer no Santuário de Apareci
Jorgiley – Porquinho o comunicador que faz a diferença no rádio de Porto Velho
Tenho uma maneira própria de medir a audiência de um programa de rádio. É o seguinte: quando o programa ecoa na rua por onde você está passando, dando