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Gente de Opinião

Silvio Santos

Antônio Ocampo Fernandes - Há cem anos Rondon chegava a Rondônia


 
 
Foi no dia 4 de maio de 1909, que Candido Mariano da Silva Rondon iniciou a missão cujo objetivo era levar a linha telegráfica ao noroeste mato-grossense, saindo de Tapirapuã com destino ao Juruena e daí, até o Rio Madeira aonde chegou no dia 25 de dezembro daquele ano, na localidade em São Carlos na foz do rio Jamari. Para falar sobre a Missão Rondon, convidamos o museólogo Antônio Ocampo Fernandes um estudioso da vida de Rondon. Ocampo tem vários trabalhos sobre a vida do bandeirante do século XX. O mais recente, está aguardando apoio para ser publicado. “Ano passado, levamos até o secretário da Secel Jucélis Freitas a sugestão de uma programação para ser desenvolvida durante o ano de 2009 quando se festeja o centenário da chegada de Rondon a Rondônia. A programação apesar de não ter sido totalmente acatada, vai acontecer sob a coordenação da Casa Civil durante todo esse ano”. A Comissão Rondon enfrentou no trecho da Serra do Norte ate o rio Madeira as piores intempéries e os maiores problemas que se possa imaginar, tanto na dificuldade de locomoção, ataque de índios e doenças. “Um dia, estando a maior parte dos seus homens exaustos e doentes apresentando o próprio Coronel Rondon 41 graus de febre, o médico da expedição, que era o Dr. Tanajura, intimou-o a que regressasse por lhe parecer fatal, a todos, a continuação da viagem, especialmente ao chefe depauperado e, mais do que todos, atacado do mal. Rondon respondeu-lhe que o chefe da expedição era o único dos seus membros que não podia voltar atrás; que fossem, pois, examinados e mandados regressar todos os doentes que precisam dessa providência; ele, porém, seguiria sempre, ainda que ficasse só. No dia anterior, tinha andado seis léguas a pé” (Missão Rondon p.14). A vida do Coronel Rondon constitui, como se vê, um exemplo, um estímulo para a mocidade... (Idem).
Candido Mariano da Silva Rondon nasceu, órfão de pai, no lugar denominado Mimoso, nas cercanias de Cuiabá, a 5 de maio de 1865.
Na entrevista que segue, Antônio Ocampo fala sobre o porque Rondon jamais citou o nome de Aluízio Pinheiro Ferreira em suas palestras e publicações. “Acontece que Rondon considerava Aluízio como traidor”. Outro fato destacado pelo nosso entrevistado, é a falta de consideração para com o nosso principal herói, o único brasileiro cujo nome é nome de um estado. “A história de Chico Mendes não dá quatro páginas de um livro e mesmo assim, o Acre o reverencia como um grande herói. Nós aqui que temos Rondon, cuja história ainda não foi suficientemente contada, e não o reverenciamos é necessário rever tamanha falta de responsabilidade cultural”.
Vamos conhecer alguns fatos sobre a história da Missão Rondon que culminou com sua chegada ao rio Madeira.

 

Antônio Ocampo Fernandes - Há cem anos Rondon chegava a Rondônia - Gente de Opinião

 
 
Zk – Quando foi que Rondon começou a missão que trouxe a linha telegráfica de Mato Grosso até Santo Antônio do rio Madeira no hoje estado de Rondônia?

Antônio Ocampo – Sem dúvida nenhuma, Rondon teve uma etapa que se prolongou por três anos para chegar ao rio Madeira e essa sua passagem se iniciou em 1907, quando ele vai de Cuiabá ao Juruena, que era uma terra pouco conhecida em virtude dos índios Nhambiquaras que comandavam toda aquela região. Em 1908 ele faz a passagem entre o Juruena e a Serra do Norte, que hoje é ali o chapadão de Vilhena. Ele alcançou então, esse chapadão da Serra do Norte em 1908 e vem então o ano seguinte quando se registra a sua passagem mais dramática de todas, pela dificuldade do terreno, das intempéries do meio ambiente e claro, da nossa flora amazônica.

 
Zk – Essa terceira tentativa de alcançar o Madeira o fez pisar em terras que hoje são rondonienses em que dia?

Antônio Ocampo – No dia 4 de maio de 1909. Portanto o centenário da chegada de Rondon em terras rondonienses começa neste dia 4 de maio de 2009.

 
Zk – Você tem conhecimento de alguns fatos ocorridos durante essa passagem?

Antônio Ocampo - Foi uma das passagens mais dramáticas que o Mal. Rondon percorreu, ele e seus comandados. Ele andava com uma tropa de pessoas, uma tropa de animais e no mínimo, nessa viagem, ele carregou 13 cachorros, que eram os animais que colocavam os índios pra correr, era os animais que ajudavam nas caçadas. Só que...

 
Zk – O que aconteceu?

Antônio Ocampo - Vou adiantar um pouquinho essa história. Quando ele chegou ao rio Pardo já no mês de novembro, não tinha mais nenhum cachorro, todos foram mortos por queixada, onça, por doença ou de fome.

 
Zk – Alem desses 13 cachorros quais ou animais ele levou?

Antônio Ocampo - Levou muitos burros, muito cavalo, muitos bois. Inclusive a tropa que ele imaginava que chegaria até o Jaci Paraná ponto aonde ele achava que ia alcançar o rio Abunã mais facilmente, ele se perdeu, por conta dos mapas que não diziam verdadeiramente a localização do rio Jaci Paraná. Quando ele chega ao rio Machado imagina ser o Jamari que poderia estar próximo do Jaci e ele se engana mais uma vez, quando chega ao rio Jaru, mais uma vez imagina ser o Jamari que ficaria próximo das cabeceiras do Jaci, outro engano.

 
Zk – Aí tem o episódio do seringueiro perdido na mata que foi encontrado pela equipe de Rondon?

Antônio Ocampo – Sua equipe encontra o seringueiro chamado Miguel Sanka perdido na floresta e o Miguel Sanka passa as orientações para ele que até duvida, por causa da sanidade mental daquela pessoa, que estava há quatro meses perdido na floresta, vivendo só da pesca, de gongo do coco babaçu, castanha e muito debilitado. Quando Rondon percebeu que Sanka estava falando a verdade, já estava próximo ao rio Jamari.

 
Zk – Na realidade onde foi que ele encontrou o Sanka?

Antônio Ocampo – Foi no Rio Pardo. Ele sai margeando esse rio e alcança o rio Jamari já cheio de seringueiros, foi aí que ele ficou sabendo que o rio Jaci Paraná ficava muito distante do rio Jamari e que seria uma viagem perdida se ele, Rondon, quisesse fazer novamente essa empreitada.

 
Zk – Por que?

Antônio Ocampo – Quando eles chegaram ao rio Pardo e se deparam com um casal de seringueiros, estavam completamente nus e altamente debilitados. Todos eles doentes, só no osso e na pele.

 
Zk – Nós já estamos no rio Jamari. E como foi que ele chegou a Presidente Pena hoje Ji-Paraná. É verdade que quando Rondon chegou ali já existia uma Vila?

Antônio Ocampo – Não! Historicamente existiam seringueiros sim, mas não no ponto onde hoje é a cidade de Ji-Paraná. Existiam seringueiros próximos ao rio Madeira, mas, não tão dentro assim a ponto de estarem aonde é hoje a cidade de Ji-Paraná.

 
Zk – E o que existia, o que ele encontrou quando chegou ao local onde hoje é a cidade de Ji Paraná?

Antônio Ocampo – Encontrou uma ótima localização, por isso, ele então instalou uma estação telegráfica naquela margem do rio Ji-Paraná e colocou o nome de Presidente Pena.

 
Zk – Você sabe dizer por que Presidente Pena?

Antônio Ocampo – Foi uma homenagem ao presidente da república Afonso Pena que criou a Comissão Rondon e que morreu no inicio de 1909, daí Rondon quis homenageá-lo dando seu nome aquela estação “Presidente Pena”.

 
Zk – Você tem a data da chegada de Rondon à hoje cidade de Ji Paraná?

Antônio Ocampo – Foi em setembro de 1909. O dia certo nós não podemos dizer, até porque, quando ele alcançou o rio Machado, ele então percebeu que era um rio de grande porte e margeou esse rio por muito tempo, por vários dias, até conseguir atravessar num estreito.

 
Zk – Isso quer dizer que a cidade de Ji-Paraná pode festejar seu centenário no próximo mês de setembro?

Antônio Ocampo – Eu acredito que, como a estação só foi inaugurada em 1911 temos ainda dois anos para festejar realmente o centenário da cidade de Ji Paraná.

 
Zk – Por falar nisso, qual foi a primeira estação inaugurada por Rondon em terras do hoje estado de Rondônia?

Antônio Ocampo – A primeira estação foi a de Vilhena numa das áreas mais bonitas do nosso estado. Ali ele encontrou tantos rios que disse, “nunca viu tanta água, num pedaço de terreno tão pequeno”. Ele então privilegia aquela região, como uma de suas bases. Ele gostava muito daquela região, tanto é, que quando ele vinha pra cá ficava dias e dias em Vilhena.

 
Zk – As demais estações?

Antônio Ocampo – Em seguida inaugura a Ji-Paraná, Jaru, Karitiana que fica entre Jaru e Ariquemes e só em 1914 que ele inaugura quatro estações de grande porte, que são: a de Presidente Médice; Ariquemes, Karitiana e a de Santo Antônio em 1º de janeiro de 1915.

 
Zk – Nas duas primeiras expedições ele sofreu muito ataque de índios principalmente dos Nhambiquaras quando estava em busca do rio Juruena?

Antônio Ocampo – Em 1907, quando ele encontrou o Juruena passou dois dias lá descansando, porque sabia que a volta ia ser muito difícil. Ele já tinha encontrado vestígios dos Nhambiquaras que eram índios altamente arredios. Rondon e seus companheiros tinham muito medo de um ataque a qualquer momento. Uma hora depois que eles saíram do Juruena os índios atacaram e Rondon foi o principal alvo, tanto que ele recebeu uma flechada no peito e só escapou por causa da bandoleira da sua espingarda.

 
Zk – É verdade que em virtude dessa flechada ele atirou nos índios?

Antônio Ocampo – Na verdade ele quis reagir, mas pensou imediatamente e deu dois tiros pra cima e seus companheiros também deram tiros pra cima e quiseram revidar e Rondon não deixou. Foi daí que nasceu a paixão de Rondon pelos índios verdadeiramente.

 
Zk – E quando foi que Rondon conseguiu a aproximação com os Nhambiquaras?

Antônio Ocampo – Os atuais antropólogos dizem que Rondon foi o maior matador de índio.

 
Zk – Foi?

Antônio Ocampo – Na verdade, o Brasil não teria mais indígena. Não teríamos terras indígenas hoje demarcadas. Foi o Rondon que lutou junto ao governo brasileiro e ao exército para que as terras indígenas fossem demarcadas. O contato com os Nhambiquaras propriamente dito, só veio ocorrer com a inauguração da estação de Vilhena e José Bonifácio em 1911.

 
Zk – Quando Rondon chega a Santo Antônio ele não se decepcionou ao ver que a região já era dotada inclusive de serviço de rádio telegrafo sem fio?

Antônio Ocampo – Já escrevi a esse respeito em outros artigos onde digo o seguinte: Rondônia tem três grandes obras que não serviram na sua totalidade para aquilo que foram construídas. A primeira foi o Forte Príncipe da Beira; que antes dele ser inaugurado é selada a paz entre as duas maiores potências da época Portugal e Espanha então o Forte nunca deu um tiro. A segunda grande obra que também não serviu pra muita coisa, foi a própria Madeira Mamoré, porque o potencial da borracha até 1912 era da Amazônia, quando a exportação asiática começa a entrar no mercado europeu e americano enfraquece a borracha da Amazônia e a nossa Madeira Mamoré já nasce morta. A terceira grande obra: Infelizmente as linhas telegráficas passaram por esse mesmo drama. Quando ela é inaugurada em 1915 a Madeira Mamoré já tinha o serviço de rádio. Isso realmente deixou Rondon decepcionado, tanto que o governo brasileiro deixou de estender as linhas telegráficas até aonde elas tinhas que chegar que era a região do Acre do Purus e de Manaus e ficou aqui em Guajará- Mirim. O lugar mais longínquo que a linha telegráfica chegou foi Guajará-Mirim.

 
Zk – Bom! Quando foi que Rondon conseguiu chegar ao rio Madeira com sua linha telegráfica?

Antônio Ocampo – Como já disse, a idéia dele era chegar ao Madeira via rio Jaci - Paraná e como vimos não foi possível porque as cartas geográficas que ele tinha estavam erradas. Então, ele sai no Madeira via rio Jamari justamente no dia 25 de dezembro de 1909. Em São Carlos ele passa três dias descansando e então sai rumo a Santo Antônio e dá ordem para que aquela equipe que estava em Jaci esperando-o com todos os mantimentos regressasse para Santo Antônio.

 
Zk – Você sabe se o governo do estado de Rondônia está programando alguma festa relativa ao centenário da chegada de Rondon a Rondônia?

Antônio Ocampo – Há um ano eu propus à Secel que se montasse um grande evento já que o Mato Grosso fez em 2007/2008 e nós de Rondônia por sermos o único estado brasileiro que leva o nome de um homem brasileiro, temos por respeito a esse fato histórico e a esse homem que comandou pessoas de bem, deveríamos fazer um festejo em comemoração ao centenário de sua passagem por nossa região.

 
Zk – E o resultado dessa sugestão?

Antônio Ocampo – O secretário Jucélis acatou e levou a idéia adiante, então o governo de Rondônia está sim fazendo um evento que a meu ver, merecia muito mais, do que o que está se propondo. Acho que deveríamos ter um evento que envolvesse a população de Rondônia para que ela tomasse pé de o porquê Rondon é tão esquecido. Nós de Rondônia não damos crédito a esses heróis. O Acre dá o maior valor a Chico Mendes cuja história não cabe em quatro páginas de um livro. A história de Rondon é incompleta até hoje. Acho que esse centenário que começa agora dia quatro de maio e se estende até dezembro, tem muito tempo para que os governos, as prefeituras dessas cidades que devem a Rondon sua existência, organizem alguma coisa para lembrar a chegada de Rondon em terras de Rondônia.

 
Zk – O que já existe programado por parte do governo estadual?

Antônio Ocampo – Existe através da Casa Civil do Gabinete do Governador o agraciamento com a Medalha do Mérito Rondon a várias personalidades nacionais e estaduais. Vamos ter exposições que vão andar o estado todo, um musical que também vai acompanhar essa exposição e nessas localidades o governador fará entrega dessas medalhas.

 
Zk – Vamos começar a encerrar essa entrevista. Porém precisamos saber o porque em nenhuma publicação sobre a obra de Rondon, é citado o nome de Aluízio Pinheiro Ferreira o criador do Território Federal do Guaporé hoje estado de Rondônia. Já que dizem, ele, Aluízio, fez parte da Comissão Rondon?

Antônio Ocampo – Apenas os historiadores de Rondônia, colocam Aluízio Ferreira até como o homem que salvou Rondon do ostracismo no governo do Getúlio Vargas. Não é tanto assim. Rondon em 1930 quando foi preso pelo governo Vargas porque não aceitou fazer parte do governo e para Vargas era muito importante sua adesão, uma vez que Rondon já era famoso ou respeitado no mundo todo.

 
Zk – E o Aluízio Ferreira?

Antônio Ocampo – Em 1929, Aluízio Ferreira se encontra com Rondon no Rio de Janeiro. Acontece que Aluízio havia fugido do exército na época do tenentismo e foi se esconder nos seringais do Vale do Guaporé e então conheceu alguma realidade daquela região principalmente de alguns grupos indígenas e ele então leva esse relatório a Rondon. Rondon passou a admirar um homem que também gostava da causa indígena. Rondon então abrigou Aluízio Ferreira em sua Comissão, lhe dando todo amparo possível. Quando veio o golpe de trinta o Aluízio ao invés de acompanhar Rondon não, passa a acompanhar Getúlio Vargas. Rondon com certeza não gostou dessa atitude de Aluízio Ferreira, tanto, que nunca citou o nome de Aluízio Ferreira em nenhuma de suas declarações. Acho que ele considerava o Aluízio Ferreira um traidor.

 
Zk – Você tem um livro sobre Rondon pronto. Quando vai acontecer o lançamento dessa obra?
Antônio Ocampo – Essa obra é sobre os acontecimentos da Comissão durante o ano de 1909, quer dizer, sobre a chegada de Rondon em terras que hoje formam o estado de Rondônia. Estamos aguardando um determinado apoio porque ele vai ter 120 fotografias, cada uma, no seu lugar historicamente, para que os nossos estudantes conheçam não só a história de Rondon, mas, a realidade do que era essa região naquele tempo. Região que era colocada no mapa do Brasil até 1909, como região desconhecida!

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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