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Silvio Santos

Arlete Cortez: A Serra de Tracoá e outras histórias artísticas


 Arlete Cortez: A Serra de Tracoá e outras histórias artísticas - Gente de Opinião

 


Foi então que eu desesperada deitei pra morrer,
me tranquei no quartinho que alugava de uma senhora
e fiquei esperando a morte chegar

Arlete Cortez: A Serra de Tracoá e outras histórias artísticas - Gente de Opinião
Arlete Cortez

A Serra de Tracoá
e outras histórias artísticas

Na última sexta feira 25, durante a eleição para o CNPC que contou com a presença de vários técnicos do Ministério da Cultura no Teatro Palácio das Artes, encontrei a Arlete pedindo voto para sua eleição como representante da setorial das Artes Visuais. Por ter ouvido há alguns dias, umas historias sobre a Serra do Tracoá contadas por ela, resolvi explorar mais esse conhecimento. Fomos para uma das salas do teatro e registramos as histórias fascinantes sobre a vida dessa cabeleireira, poetisa, artesã e artista plástica. “Certa vez apanhando tucumã na mata eu e meu irmão fomos chamados por um senhor com um Inhambu e meu pai disse depois que era o “Pai da Mata”. E tem a história das bonecas que foi uma visão que ela teve com sua mãe, além da doença que foi diagnosticada pelos médicos de Porto Velho e depois de seis meses já em Minas Gerais, o médico disse que ela podia voltar pra casa que não tinha e nunca teve nada. “Os médicos aqui atestaram que era um câncer na minha garganta”

Essas e muitas outras história você passa a conhecer na entrevista que segue.

E N T R E V I S T A

Zk – Vamos conversar com a poetisa, artesã e artista plástica Arlete. Qual seu nome completo e o local do seu nascimento?

Arlete – Meu nome completo é Maria Arlete Silva Cortez, nasci no meio do rio Guaporé dentro de uma canoa feita apenas com um tronco de madeira escavada, aquelas canoas queimadas ou canoa de índio como também são conhecidas. Não precisa de calefação.

Zk – Por quanto tempo você viveu no Vale do Guaporé?

 Arlete – Foram quase treze anos. Quando sai do seringal fui pra Guajará Mirim e depois vim pra Porto Velho. Meu pai se chamava Inácio Silva Cortez e minha mãe Itamar Duarte Silva uma antiga tacacazeira em Guajará e aqui em Porto Velho.

Zk – Um dia desses, você me contou que ao assistir uma matéria na Televisão sobre a Serra do Tracoá se emocionou lembrando o tempo da sua infância. Qual o motivo da emoção?

Arlete – Cheguei no Pico do Tracoá acho que tinha cinco anos de idade. Ali foi feita uma colocação pra minha família bem no pé da serra, uma casinha de palha e chão batido na beira do rio Tracoá. Em cima da serra tem a nascente do rio Pacaás, ele desce a serra com apenas um fio d’água e passa apenas pelas pedras, pois naquele local da nascente não tem areia o que tem muito mesmo, é camarão e peixe cara, piabinha e muita pedra preciosa. Esse rio tem uma coisa, sua água é muito gelada e tem um detalhe: A serra ronca.

Zk – O que?

Arlete – É isso mesmo, a Serra de Tracoá ronca. é engraçado isso. A cachoeira tem um som e é um som bastante acentuado, porém, quando dá meia noite ela silencia, parece que não existe nada ali e depois volta a funcionar de novo, Mistérios da Natureza. Nesse lugar eu e meu irmão fomos perseguidos pelo Pai da Mata.

Zk – Vocês viram o Pai da Mata?

Arlete – Ali naquela mata eu e meu irmão Edilson uma vez, saímos para apanhar tucumã, correr, brincar e eu levava apenas um terçadinho e um dia encontramos um senhor com um Inambu na mão e ele começou a nos chamar. Acontece que mamãe havia nos orientado que não nos aproximássemos de nada estranho dentro da mata e quando aquele senhor nos chamou, começamos a correr no rumo de casa e o homem atrás da gente. Chegamos no aceiro e meu irmãozinho muito cansado, caiu exausto no defumador onde meu pai estava defumando borracha e meu pai perguntou o que foi e disse, o homem vem aí atrás da gente e quando olhamos o homem não havia passado pro lado de cá do aceiro e o mais interessante disso tudo, foi que meu pai não via o tal homem só nos dois víamos aquela figura.

Zk - Seria o Curupira?

Arlete – Era um velho. Vou te contar uma coisa: na mata, as pessoas não acreditam, mas, tem tanta coisa que não é lenda. Tem uns indiozinhos pequenininhos e uns cachorros menores ainda iguais essa raça pinscher. É muita coisa estranha que a gente vê no meio da mata. Agora não é todo mundo que consegue enxergar isso não!

Zk – De quem era o seringal que seu pai trabalhava?

Arlete – Não consigo lembrar o nome do seringalista, tive um bloqueio porque eles tentaram nos matar. Eles chegaram em nossa colocação e ficaram tocaiando armados de espingardas essas coisas. Acontece que meu padrasto não conseguia pagar a conta devida ao patrão. Meu padrasto era considerado seringueiro brabo, aquele que não sabe lidar com o corte da seringa. Acontece que todo mês vinha os peões do Barracão Central com aqueles burros carregando mercadoria tipo feijão, arroz, farinha, charque e até roupas e o seringueiro tinha que comprar para pagar com a produção de borracha e como meu padrasto não tinha muita habilidade ficava devendo.

Zk – E como foi que vocês escaparam dos capangas do patrão?

Arlete – Meu padrasto era um homem muito forte. A sorte foi que minha irmã estava no jirau lavando louça e viu os capangas chegando por dentro da mata. Tinha um índio chamado Tavarim que morava com a gente, meu padrasto o chamou e foram pelo outro lado da casa e pegaram os dois capangas e amarraram. Nesse momento pediu pra minha mãe arrumar as coisas num saco de borracha, aquele saco encauchado era nossa mala. Bom, pegamos nossas coisas que tinham também três capoeiras de galinha e fomos para o barracão, com os capangas amarrados. Do barracão até a sede do seringal descemos o rio São Francisco e foram 20 dias de viagem. Chegando na sede, meu padrasto se apresentou ao patrão e disse; Vou sair do seu seringal e vou atrás de ganhar dinheiro e pagar o que lhe devo, porém, enquanto não sair das suas terras, não solto seus cabras.

Zk – E foi pra onde?

Arlete – A casa do patrão era no seringal Limoeiro. A sorte foi que estava lá uma equipe do exército com dois barcos e então pedimos carona e fomos para Costa Marques no percurso do seringal Limoeiro para Costa Marques eles comeram duas das nossas três capoeiras de galinha. De lá pegamos a Lancha do SNG e fomos pra Guajará Mirim. Lá na colocação meu padrasto tinha colhido uma planta que o índio chamava de Poalha (que só tenha na Serra do Tracoá) e para sair com essa planta foi preciso escondê-la no fundo falso que ele fez naquele saco de borracha. Em Guajará ele fez contato com um laboratório e vendeu a Poalha por Seiscentos Contos, pagou o seringalista, comprou uma casa pra gente, não demorou muito porque ele queria mesmo era vir pra Porto Velho e veio.

Zk – Em Porto Velho?:

Arlete – Fui estudar no Getúlio Vargas, Tenente Vanderley e por fim Barão do Solimões onde fiz até a sétima série e parei porque casei. Casei com o cantor e compositor Laio com quem tive três filhos.

Zk – Conta como foi que você conheceu o Laio?:

Arlete – Quando cheguei em Porto Velho, fui trabalhar no salão de beleza da mãe dele, eu tinha fascinação por cabelo. Em Guajará conheci uma boliviana que me ensinou a fazer peruca. Na época briguei com meu padrasto e sai de casa com 13 anos, o Laio me conheceu no sítio da minha avó e me levou pra conhecer a família dele e quando chegamos, o pai dele seu Carlos dos Santos Castro Silva olhou pra mim e disse: quer ser minha filha? Para encurtar a conversa fiquei morando com eles. Olha cheguei com 13 anos na casa do Laio e só nos casamos quando eu já tinha 21 anos. A gente era namorado, só que eu era Mocinha (virgem) até me casar.

Zk – E a artesã quando surge?

Arlete – Eu não tinha intenção nenhum de ser artista plástica, artesã essas coisas, sabia que tinha o dom mas, a única coisa que eu fazia era escrever poesia. Ai fiquei doente e o médico disse que estava com um câncer na garganta. Nesse tempo minha filha Taiane tinha casado e morava em Uberlândia (MG) e eu fui pra lá atrás desse médico de pescoço. Consegui uma consulta para daqui a seis meses e então resolvi trabalhar em salão de beleza só não me adaptei e minha vida virou um inferno. Foi então que eu desesperada, deitei pra morrer, me tranquei no quartinho que alugava de uma senhora e fiquei esperando a morte chegar. Dormi e minha mãe chegou (ela já havia falecido fazia tempo) bateu na minha costa e disse acorda minha filha, acorda Arlete, acordei no sonho e vi que ela estava com uma boneca e eu falei: Bonita essa boneca e ela, por que você não faz igual? Eu sou cabeleireira, não sei fazer boneca mãe e ela dizia, olha pra essa boneca e eu olhava e dizia que era linda e ela, por que você não faz uma. Mãe eu não sei fazer boneca e ela tenta minha filha tenta... Quando abri os olhos ela ia saindo do quarto.

Zk – E fez a boneca?

Arlete – Quando acordei de verdade, peguei uma calça de lycra cortei todinha, moldei a boneca e fiz. Só que a boneca ficou muito feia. A senhorinha dona do quarto me chamou pra tomar café e fui, tomando café olhei pro chão e vi um pedaço de pano bem pequeno e perguntei da senhora se ela tinha aquele tecido e ela perguntou onde eu havia encontrado aquilo e eu disse aqui no chão, ela disse que era impossível pois a empregada havia acabado de lavar aquela área. Depois do café ela me levou num depósito cheio de tecido e mandou-me escolher o que quisesse e eu peguei tecido de todo jeito e até para o enchimento das bonecas. Fiz quatro e nenhum se parecia com a da mamãe. A quinta boneca saiu igualzinha, a filha da dona da casa comprou e depois disso o povo da rua todo passou a comprar minhas bonecas, levei para a feira de artesanato e foi o maior sucesso. Passou a chover na minha roça e o dinheiro caia quem nem folha no outono. Depois disso chegou o tempo da minha consulta e o médico disse: vá pra casa que a senhora não tem nada. Isso foi milagre de Deus!

Zk – De volta a Porto Velho?

Arlete – Eu tinha fascinação por cabelo e passei a guarda os cabelos. Quando voltei de Minas abriram inscrição para o SART-RO e eu fiz uma tela utilizando aqueles cabelos, fiz também uma bolsa de cabelo e inscrevi no Salão. Os jurados locais desclassificaram meu trabalho. A sorte foi que um dos jurados que veio da Funarte cujo nome era Cabelo, e todo o trabalho dele era com cabelo, pediu pra ver os trabalhos que haviam sido desclassificados e quando viu aquela bolsa toda feita com cabelo se encantou e pediu para a coordenação voltar a colocá-la entre as obras que iram para o Salão. Estava eu em casa quando o secretário de cultura me liga pedindo o número da minha conta bancária. Pra que? E ele disse, para depositar o valor do prêmio que você ganhou pela sua obra no SART. Assim é a minha vida. Tem muito mais histórias interessantes, inclusive aquela do bolo feito com ovo de jacaré!

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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