O prefeito de Porto Velho em solenidade simples, no Bar do Zizi, assinou no último dia 26 de outubro, a Ordem de Serviço que autoriza o início da construção e revitalização do prédio onde funcionou o Mercado Público Municipal. O prédio fica no quadrilátero formado pelas ruas Henrique Dias, Travessa Renato Medeiros, Av. Presidente Dutra e José de Alencar.
A história da construção do Mercado Municipal é cheia de percalços. Basta lembrar que sua edificação começou graças a uma pendenga entre o Superintendente (prefeito) Major Fernando Guapindaia de Souza Brejense e a administração da Madeira-Mamoré Railway Co. Quando Joaquim Augusto Tanajura assumiu a superintendência condenou a obra, aí vemos que já naquele tempo, nossos políticos tinham a mania de desfazer o que seus opositores haviam iniciado, só para ficarem com os louros de assinarem como sendo suas, as obras da cidade. Tanajura não conseguiu o apoio da população para por em prática sua idéia e então abandonou a construção que ficou totalmente paralisada (igualzinho a obra do teatro) por vários anos e com certeza, a área da construção foi tomada pelo matagal. Anos depois, já em seu segundo mandato (1923) Tanajura conseguiu seu intento e mandou demolir o que Guapindaia havia construído, e ao retomar a construção Tanajura não conseguiu nem terminar os alicerces da obra.
Para encurtar nossa conversa, o Mercado Público Municipal de Porto Velho só foi concluído em 1950, na gestão do prefeito Ruy Brasil Catanhede, justamente no ano que perdi meu pai. No ano seguinte já morando em Porto Velho e ajudando minha mãe na "banca" que ela tinha na feira livre, que era montada, entre quinta feira e sábado, justamente em frente ao Mercado Municipal ali onde hoje fica a Praça Getúlio Vargas passei a freqüentar o Mercado e conhecer as pessoas que dependiam do seu funcionamento.
Nossa intenção nessa matéria, é falar sobre as Quatro Portas principais, de entrada e saída que existiam no prédio do nosso Mercado Público Municipal.
A BANCA DE JORNAL DO SEU BARROSO
Pelo lado da hoje Travessa Renato Medeiros ou pela porta que ficava para o lado do palácio do governo, existia a Banca de Jornal do "seu" Barroso que por algum tempo só vendia o jornal Alto Madeira. Ali se reuniam nas manhãs de domingo e até em dias de semana, os chamados "categas" metidos a intelectuais, para discutir as notícias publicadas no jornal.
Entrando mais um pouco, deparávamos, com a "Banca" do Boy onde a gente podia degustar deliciosas iguarias como mingau de milho (mungunzá), tapioca, pamonha e é claro aquele café com leite (in natura) a famosa média, Boy era marido da famosa tacacazeira dona Chiquinha.
No espaço a direita dessa porta, ficavam as "bancas" dos verdureiros.
Pelo lado de fora do mercado que ficava no rumo da José de Alencar tinha o Caldo de Cana do J Lima (a famosa saltenha só começou a ser produzida muito depois). Pro lado do Banco da Borracha, ficava a taberna do Zé Curica, o Zizi e a boutique "Viadinho de Ouro" do Zé Carlos Lobo. Na esquina da Renato Medeiros com a José de Alencar existiu também a lanchonete do "seu" João (aquele que até bem pouco tempo tinha um lanche no terreno da Casa de Cultura).
A BANDA DE MIÚDO DO BODÓ
Pela porta da Presidente Dutra, tinha o açougue do Bodó. Esse açougue era especial, porque só vendia "miúdo" de boi, fígado, bobó, rim, coração, tripa grossa, tripas fina, livro, mocotó e carne morta. O interessante é que naquele tempo, era praticamente impossível se comprar um quilo de fígado, ou um coração inteiro. Bodó e o outro açougueiro conhecido como Faca Cega, só vendia a famosa "misturada". Um quilo de "misturada" era composto por um pedacinho de cada parte do miúdo, ou seja, um pedacinho de fígado, um pedacinho de coração, um pedacinho de rim, um pedacinho de carne morta e um pedação de bobó. Vale salientar, que esse açougue só funcionava à tarde. Para se conseguir uma "panelada" completa (mocotó, tripa fina, tripa grossa, bucho e o livro), era complicado, era um pouquinho de cada coisa também, essa prática era para que o Bodó e o Faca Cega atendessem maior número de fregueses.
Pelo lado direito de quem entrava por essa porta, foi instalado o primeiro frigorífico de Porto Velho. Seguindo no rumo da Henrique Dias tinha a Casa Rio Madeira cuja especialidade era a venda de matéria de caça e pesca (no dia do incêndio ninguém conseguia encostar com tanta bala disparando). No rumo do palácio depois do açougue do Bodó tinha uma barbearia (onde hoje está lanchonete Gostosa) e uma alfaiataria.
Há! Era em frente a essa porta, que ficava o carro de mingau do DEGA. O Dega chegava ao ponto, por volta das cinco horas .da madrugada com sua "banca" ambulante puxado por um boi.
A PORTA DO ZÉ RISADA
A Porta da Henrique Dias - Desse lado também aos domingos e até em dias de semana, encontrávamos muitos "categas" na taberna do seu Elias Ribeiro ou na taberna do seu Luiz tomando uma cachacinha ou apenas batendo papo. Da entrada dessa porta se ouvia as gargalhada do seu Zé Risada. No espaço onde ficava o comercio do Zé Risada ficavam os boxes onde se comercializavam secos e molhados. O Zé Risada se destacava dos demais, justamente, pelo bom humor ou pelas risadas escandalosas que eram ouvidas em todo o Mercado.
Em frente a essa porta, do outro lado da rua, ficava o comercio do seu Tufic Matny onde os funcionários do governo territorial compravam "fiado". Seguindo pelo lado do mercado ainda pela Rua Henrique Dias no rumo da José de Alencar, existia o sapateiro (consertador de sapatos) boliviano José Camacho que depois passou a vender Gás em botija e bicicleta Monark e transformou-se num grande empresário. Pro lado da Presidente Dutra, bem na esquina, tinha o "seu" Wilson da Motorista cuja especialidade era a compra de sucata, (vendi muito alumínio, metal e cobre pro seu Wilson). Na esquina da Henrique com a José de Alencar era o comercio de José Oceano Alves cuja especialidade era a compra de produtos regionais como couro de animais silvestres, borracha, ipecacoanha, sova e outros.
Foi justamente por esse lado do mercado, que segundo dizem, começou o incêndio.
A PORTA DO PONTO CAÇULA
Essa era como se fosse à entrada principal do mercado. Ficava pela José de Alencar e era justamente a porta onde se formava a famosa "fila da carne" (depois vamos falar sobre essa fila).
Então na entrada dessa porta existia o famoso "Ponto Caçula" sabem de quem era esse comércio, era justamente do seu Pedro Pacheco Dias um dos donos da Casa Saudade. Seu Pedrinho como era conhecido foi um dos comerciantes mais queridos do Mercado Municipal, pela maneira como recebia seus clientes, do Ponto Caçula ele conseguiu os recursos para construir o Bar do Canto (Carlos Gomes com Julio de Castilho) o Bar mais antigo de Porto Velho. Logo a direita de quem entrava por essa porta ficava o espaço onde se vendia peixe e mais alguns boxes com secos e molhados. No espaço do lado esquerdo ficavam as bancas ou açougues onde se vendia carne verde (carne de boi). Como podemos notar, o ponto caçula erapraticamente o único ponto nesse corredor de entrada onde se comercializavam os chamados secos e molhados. Yedda Bozarcobv na obra "Porto Velho - Cem anos de História 1907 - 2007" escreve: " ... O pavilhão destinado à comercialização de carne verde possuía quatro portais, piso de mosaico em duas em duas cores e as paredes eram revestidas com azulejos brancos numa altura de 1,80 m ... ".
Pelo de fora no sentido palácio do governo tinha a Casa Girão de José Girão Machado cuja especialidade era a venda de armas de fogo (revolveres, espingardas, rifles etc.) além de munição (aí também o estampido de balas foi destaque durante o incêndio. O Cabo Piaba se transformou em herói justamente com o soldado·Sebastião ao enfrentar o fogo e as balas na tentativa de conter as chamas), do outro lado da rua no hoje edifício do INSS tinha a Agencia da empresa aérea Cruzeiro do Sul o prédio era conhecido como "Prédio do Bechara" e a loja da família Chaquiam.
A FILA DA CARNE
Naquele tempo, ou seja, até o fogo destruir o Mercado Municipal, os magarefes traziam boi da Bolívia através da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e abatiam no curre que ficava onde hoje está à sede da escola de samba "Pobres do Caiari" nas proximidades da Assembléia Legislativa no bairro Arigolândia. Acontece que o abate de boi não acontecia todo dia, muitas vezes, ou na maioria das vezes, os bois abatidos não davam para abastecer nem a metade da população, assim os moradores de Porto Velho, para conseguir um quilo de carne verde tinham que enfrentar a "Fila da Carne". Para garantir o seu pedaço de carne, a população se deslocava para o Mercado por volta da meia noite e deixava a Cesta ou a Sacola marcando o seu lugar na Fila da Carne, por volta das cinco horas da madrugada voltava ao Mercado para assumir seu lugar, muitos dormiam na Fila da Carne para não perder o lugar. Ao chegar à beira da "Pedra” era outra luta para conseguir ser atendido pelo açougueiro. Acontece que a posição na fila não garantia o atendimento por parte do açougueiro. Quando a gente via, chegava um 'catega" ou seu empregado e recebia. do açougueiro (sob protesto) uma cesta cheia de carne.
Outro detalhe, naquele tempo não tinha esse negócio de carne de 10 fosse trazeira ou dianteira era vendida pelo mesmo preço mais não tinha essa de carne sem osso, era tudo com osso. Acontece que a carne era escassa que quando uma pessoa conseguia comprar um pedaço saia festejando. Muitos passavam a noite na Fila e não conseguiam nenhum pedaço de carne. As discussões eram freqüentes e até chegavam às vias de fato.
Essas são algumas histórias do nosso Mercado Público Municipal que, se Deus quiser, vai ter sua fachada revitalizada pela Prefeitura Municipal de Porto Velho.