Sábado, 28 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

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Gente de Opinião

Silvio Santos

AUXILIADORA LOBO DE SOUZA


Na luta pela preservação
do nosso patrimônio histórico

Ela é a presidente da "Associação do Patrimônio Histórico do Estado de Rondônia e Amigos da Madeira-Mamoré", entidade que muitas vezes, é acusada injustamente, de atrapalhar o desenvolvimento de Rondônia, em especial o de Porto Velho. "Certa vez, no governo Raupp, fomos convidados para uma reunião com o governador, o objetivo era que o governo queria construir uma ponte na cachoeira de Santo Antônio que ia da terra firme até a Ilha (presídio). Até aí tudo bem, quando ele passou a dizer que sua pretensão era desmontar dois pontilhões que ficam ao longo da ferrovia para montar na cachoeira, eu olhei, pro Antônio Leite, Dionísio Shoknes, Valdemar de Almeida e outros ferroviários presentes e como ninguém se manifestou eu falei: Nem o senhor, nem ninguém vão conseguir desmontar e depois montar em outro lugar uma ponte daquelas. O senhor sabe o que é arrebite? Ele não sabia porque na época não tinha estudo. Pois então, todas são arrebitadas e se o senhor tirar um arrebite daquele não vai mais conseguir colocar outro porque o buraco vai ficar muito grande. Sabe o que ele disse pra mim? "Bem que disseram que a senhora é a empaca progresso de Rondônia". Dona Auxiliadora, nascida em Porto Velho em 1935 afirma que o Velho Pimentel existiu e que seus pais e avós o conheceram e até contavam histórias sobre o velho Pimentel que tirava lenha para os barcos e até para a Madeira-Mamoré. "Minha história daria um romance, veja bem, minha mãe morreu no meu parto, e meu pai morreu afogado quando o barco que viajava para visitar minha mãe no hospital afundou no rio Madeira". Como presidente da Associação dos Amigos da Madeira-Mamoré ela e a dona Florisa Santos, estão fazendo a distribuição da Edição Amigos da Madeira-Mamoré do livro de Manoel Rodrigues Ferreira "A Ferrovia do Diabo" patrocinada por Furnas. Nossa conversa aconteceu na quarta-feira, logo após dona Auxiliadora participar da reunião da Comissão que vai coordenar os festejos do Centenário do Início da Construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.


E N T R E V I S T A

Zk – Neste momento, a Associação está promovendo a distribuição do livro de Manoel Rodrigues Ferreira "A Ferrovia do Diabo". Edição patrocinada pela empresa Furnas. Como foi possível essa parceria?

Dona Auxiliadora – A empresa Furnas no ano de 2004 firmou um convênio com a nossa Associação no sentido de patrocinar a Edição Amigos da Madeira-Mamoré do livro "A Ferrovia do Diabo" do escritor Manoel Rodrigues Ferreira. Agora estamos distribuindo gratuitamente os exemplares para as entidades de educação de Rondônia.


Zk – Essa distribuição está sendo feita de que maneira?

Dona Auxiliadora – Já entregamos na Secretaria de Estado da Educação – Seduc e Secretaria Municipal de Educação Semed. Agora estamos distribuindo nas escolas particulares, ou melhor, nas bibliotecas dessas escolas, apenas um exemplar para cada escola porque foram impressos apenas mil livros.


Zk – E para as secretarias Seduc e Semed?

Dona Auxiliadora – Pra Seduc entregamos 405 e para a Semed 200 livros. Agora é a vez das escolas particulares, já entregamos no Colégio Maria Auxiliadora, Dom Bosco, Interação, no Projeto Ribeirinho da Amazônia, a distribuição está lenta porque não temos carro, graças a Floriza Santos que é nossa associada e colaboradora de primeira hora que nos cede e dirigi o carro dela nessas distribuições, ela inclusive é quem arca com a despesa de gasolina.


Zk – Agora vamos falar da Auxiliadora. A senhora nasceu aonde e quando?

Dona Auxiliadora – Sou rondoniense nata, nasci aqui em Porto Velho no Hospital São José e vivi minha infância e adolescência ali onde hoje é o Tribunal de Justiça.


Zk – É verdade que aquela área da rua Natanael de Albuquerque entre a Presidente Dutra e a José de Alencar era totalmente diferente do que é hoje?

Dona Auxiliadora – Ali onde existe o prédio do Cine Teatro Resk era um morro e quem morava lá era o seringalista do alto rio Machado Godofredo Arruda que era casado com dona Chiquinha. Era uma casa feita de taipa, que a gente olhava parecia cimento, mas, não era, era taipa. Quando o Godofredo morreu dona Chiquinha vendeu pros Resk e eles baixaram o morro. Aquilo ali era bastante alto, uns 200 metros de altura.


Zk – A senhora estudou aonde?

Dona Auxiliadora – Estudei no Colégio Maria Auxiliadora. Eu nasci em 1935 e quando foi em 41 fui pro Maria Auxiliadora onde estudei até 1950. Minha primeira diretora foi a Irmã Eliza Ferreira.


Zk – E os seus pais?

Dona Auxiliadora – Olha, minha vida é um romance. Meus pais eram do interior do rio Madeira numa localidade que acho que era Porto Dias, Terra Firme, era por ali. Minha mãe veio a Porto Velho para eu nascer, já que ela estava com malária, veio e se internou no Hospital São José onde nasci no dia 19 de agosto de 1935, ela morreu no parto. Meu pai, veja que destino o meu, vinha num barco viajando à noite para ver como estava minha mãe, se o parto tinha sido bem-sucedido, o que acontece, o barco afundou e ele morreu afogado. Quer dizer, eu não conheci pai e nem mãe, nunca vi nem em retrato.


Zk – E aí?

Dona Auxiliadora – Aí fiquei no Hospital São José até que o Bispo, parece que era Dom Pedro Massa, ao passar fiscalizando o hospital, perguntou à Irmã Capelli, e aquela garotinha, porque está ali? A irmã explicou, a mãe dela morreu e o pai até agora não veio atrás. Então o bispo disse que eu não poderia permanecer ali porque era um hospital. Mandaram chamar dona Maria Sofia Lobo que já criava filho dos outros, ela morava ao lado do Fórum e perguntaram se ela queria criar mais uma menina, ela disse que por ela aceitava, mas teria que falar com seu marido que era o Antônio Araújo, que chamavam Maranhão, que era carroceiro e ele disse que não queria mais menino dos outros não, - Já criei bem uns 20 e quando ficam maiores me abandonam, não quero. Acontece que como carroceiro que era, um dia foi deixar uma mercadoria no hospital e a Irmã Capelli o interpelou, então o senhor não vai levar a menina? Ele respondeu que não. A Irmã insistiu, venha ver ela! Eu já estava com três meses, segundo ele me contou depois, quando ele chegou no berço onde eu estava, eu abrir os braços pra ele como que dizendo me leva. Foi então que resolveu me levar e assim eu fui criada.


Zk – Quer dizer que o Lobo do seu sobrenome vem da família dele?

Dona Auxiliadora – É. A minha família é Carvalho. Quando eu tinha 15 anos foi que em conversas a respeito da minha mãe com o pessoal do Baixo Madeira, foi que fiquei sabendo dos meus pais, que era filho do fulano de tal. Minha mãe se chamava Deolinda Pereira Lima e meu pai Antônio Israel. Aí conheci meus irmão todos. Tenho um irmão que mora em Ji-Paraná. Até gostaria que um dia, você fizesse uma entrevista com ele pra saber o sofrimento desse pessoal da Sucam, hoje Funasa.


Zk – E como foi que a senhora conseguiu emprego na Madeira-Mamoré?

Dona Auxiliadora – Minha mãe (de criação) em 1950 adoeceu e eu tive q ue sair do Colégio, aí quando foi em 51 pra 52 fui trabalhar na Padaria do Raposo que ficava na Henrique Dias com a Presidente Dutra, fui trabalhar como caixa, a Olímpia filha do Raposo achava que eu tinha um caso com o marido dela e quem namorava com ele era uma balconista, então pedi as contas e fui trabalhar com o Bichara.


Zk – Na Cruzeiro do Sul?

Dona Auxiliadora – Não era Cruzeiro do Sul não! Era um comércio que fazia o aviamento dos ferroviários. O Bichara era no canto da Floriano Peixoto com a José de Alencar. Era Abdon e Jorge Bichara. Quando foi em 1953, seu Benedito Pio Correia Lima chegou comigo e perguntou, você quer trabalhar na Estrada? E eu respondi, até que gostaria, e ele, depois da manhã você vai lá. Fui, fiz um teste e quando foi no dia 6 de julho de 1953 comecei a trabalhar na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Me aposentei no dia 30 de dezembro de 1983.


Zk – Fale da sua trajetória funcional na Madeira-Mamoré?

Dona Auxiliadora – Comecei como datilógrafa, passei para escriturária, auxiliar de administração e depois para agente administrativa, me aposentei como nível 32. Trabalhei na tesouraria, contabilidade e Seção de Pessoal.


Zk – A senhora fazia viagem no trem?

Dona Auxiliadora – Às vezes ia com a dona Mariles ajudando ela na Litorina do Pagamento, muitas vezes fiz essa viagem.


Zk – Na sua concepção a Madeira-Mamoré era deficitária?

Dona Auxiliadora – Pra mim a Estrada de Ferro não dava prejuízo. Tá certo que a passagem de trem era barata, porém, acontece, que era o único meio de transporte terrestre que tínhamos à disposição do pessoal que morava ao opondo do trecho entre Porto Velho e Guajará-Mirim. O Iata era de onde vinha toda nossa alimentação, feijão, arroz, milho, farinha, macaxeira.


Zk – Se a estrada dava lucro porque ela foi erradicada?

Dona Auxiliadora – Olha, não sei porque o Mario Adreazza que foi Ministro achou de erradicar a Madeira-Mamoré, dizem, eu não sei porque não procurei averiguar, que eles tinha uns parentes que construíam rodovias e ele queria essa rodovia de Porto Velho a Guajará-Mirim e então para fazer a rodovia tinha que acabar com a ferrovia.


Zk – E quando a administração da Madeira-Mamoré passou para o comando do 5º BEC a senhora ficou trabalhando aonde?

Dona Auxiliadora – Fiquei na sede, ou seja, no prédio do relógio. Queriam me levar lá pra cima pro quartel, o capitão Rondon que morava em frente da minha casa disse, não, a Auxiliadora vai ficar trabalhando no Almoxarifado, que funcionava num galpão que hoje está ocupando pela Marinha.


Zk – Fale da rotina na Madeira-Mamoré no tempo dos militares?

Dona Auxiliadora – Naquele tempo na Madeira-Mamoré, eu só não vestia farda, mas, toda sexta-feira tinha formatura e a gente marchava mesmo.


Zk – É verdade que os militares jogaram as máquinas, o patrimônio da Madeira-Mamoré no rio Madeira?

Dona Auxiliadora – Quantas vezes vi o Afonso Johnson chorando em cima daquelas pá carregadeiras empurrando nosso patrimônio histórico para dentro do rio. Era máquina, litorina, era tudo. Nós descobrimos uma pá carregadeira boazinha no quilometro zero, a bicha estava coberta pela lama do Madeira. Eu não culpo muito o 5º BEC não, porque, o que eles iam fazer com aquilo. Enquanto serviu para eles trafegarem até o acampamento deles em Abunã o equipamento foi preservado, depois mandaram jogar fora, literalmente jogaram fora nosso patrimônio histórico. Eu não vi porque não fui lá, mas, muitos viram, eles levaram os vagões para um determinando local e lá tocaram fogo em tudo, porque pra eles não tinha mais serventia.


Zk – A senhora disse que é rondoniense nata, nascida em Porto Velho e que seus pais, todos, biológicos e os de criação também? Se a senhora nasceu na década de 30 seus pais com certeza viveram na Porto Velho do inicio do século. Ou melhor de quando a cidade nasceu. Por um acaso alguma vez a senhora ouviu falar em Velho Pimentel?

Dona Auxiliadora – Olha, foi assim no tempo da seca, quando os navios vinham deixar e apanhar mercadoria eles não conseguiam atracar em Santo Antônio, descarregavam no local que chamavam de Porto Velho ou Porto do Velho. Agora esse Pimentel eu sempre tive a certeza de sua existência, porque minha mãe e o pessoal contava, que ele tirava lenha pros barcos (navios). Ele tinha um Porto de Lenha. Ele tirava lenha tanto para os navios como para a Madeira-Mamoré. Então os navios atracavam no Porto do Velho Pimentel pra pegar lenha, agora se o nome da cidade tem a ver com o Porto do Velho Pimentel é outra história. Mas, que o velho Pimentel existiu não tenho dúvida.


Zk – Mais uma dúvida, nós temos madeira adequada para se fazer DORMENTE?

Dona Auxiliadora – Do outro lado do rio Madeira aqui em frente a Porto Velho tem Itaúba de primeira que da pra fazer Dormentes pra duas estradas de ferro Madeira-Mamoré. A melhor Itauba de Rondônia está do outro lado do rio Madeira. Pra Mad Maria botaram qualquer madeira e você vai lá ta tudo podre. Só Itaúba preta agüenta e essa tem do outro lado do rio.


Zk – Vamos falar mais um pouco sobre Madeira-Mamoré?

Dona Auxiliadora – Pra você ter idéia de como a oficina da Madeira-Mamoré era aparelhada, quando os aviões quebravam aqui em Porto Velho as peças eram feitas nas oficinas da Estrada de Ferro, qualquer peça de qualquer avião eles faziam aqui. Tinha o setor de carpintaria que fazia os moldes e passava para fundição que moldava as peças e depois iam ser aperfeiçoadas na seção de tornearia. Quebrava uma peça do motor de luz do SALFT os operários da Madeira-Mamoré faziam. O pessoal do 5º BEC aproveitava isso para fazer peças decorativas para suas casas, principalmente as mulheres dos militares. Certa vez vi um militar de nome Teotônio embalando três sinos de locomotiva, e eu perguntei, o que o senhor vai fazer com nosso patrimônio, ele disse que estava mandando para seus parentes em Pidamonhogaba e eu disse pra ele, não faça isso, mas não adiantou nada, foi assim mesmo, ele era subtenente. Assim como ele, muitos fizeram a mesma coisa.


Zk – Como surgiu a Associação do Patrimônio Histórico do Estado de Rondônia e Amigos da Madeira-Mamoré?

Dona Auxiliadora – Foi assim, nós soubemos, eu e outros ferroviários, parece que nesse tempo o Luiz Leite trabalhava na Madeira-Mamoré, Antônio Leite, Valdemar de Almeida, Geremias marido da Maria Isa, Maués, Benedito, Joventino Ferreira Filho, Heráclito. Dionísio e outros que não me lembro agora, soubemos que a Madeira-Mamoré ia ser leiloada, então decidimos fundar a Associação. O Manoel Rodrigues Ferreira já tinha pedido pro Luiz fundar uma associação, quando soubemos que a Madeira-Mamoré ia ser leiloada ela foi criada. A Associação foi criada pra defender o patrimônio, por isso que ela chama Associação do Patrimônio Histórico do Estado de Rondônia e Amigos da Madeira-Mamoré. Vou lhe dizer, se não fosse essa associação muita coisa tinha se acabado. O Luiz Leite é meio radical, cabeça dura, mas é uma pessoa muito interessada nas coisas que diz respeito ao patrimônio histórico do nosso Estado. A Madeira-Mamoré é o nosso bem patrimonial, se a Madeira-Mamoré não existisse, não existiria Porto Velho.

Zk – Por falar nisso, a Madeira-Mamoré vai completar 100 anos do início da sua construção. Tem alguma programação em andamento?

Dona Auxiliadora – Olha, o governo está interessado em fazer essa comemoração, isso é muito válido, quarta-feira (23) passada fomos convidadas para uma reunião no gabinete do governo onde estavam presentes, a Iaripuna representante da prefeitura, GRPU, Iphan, Secel, Seduc, Semed, Setur, Cerimonial Uveron, Casa Civil enfim, todos os órgãos e entidades envolvidas com a nossa história e pela primeira vez, estou vendo eles, darem valor a Associação, pois parte da programação ficou sob nossa coordenação. Tem pessoas que não gostam da nossa associação, porque sempre denunciamos as coisas que queriam danificar a Madeira-Mamoré. Todas as pessoas ou entidades que quiserem trabalhar pela revitalização da Madeira-Mamoré a gente apóia, se não for assim, a gente não aceita. Nossa associação existe para lutar pela preservação do nosso patrimônio histórico.

Fonte:   zekatraca@diariodaamazonia.com.br

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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