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Silvio Santos

CECÍLIA BRASIL CAMARGO: Dona Nega do Yara bar


CECÍLIA BRASIL CAMARGO: Dona Nega do Yara bar - Gente de Opinião 

Em meados da década de 1950, um comercio que se fosse hoje, seria chamado de lanchonete, era o ponto de encontro quase que obrigatório dos ferroviários da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. A ligação do lanche era tão evidente com a Estrada de Ferro que seu nome era, “Recanto Ferroviário” e ficava justamente na esquina da Avenida Sete de Setembro com a Rua Farquar ao lado do prédio da administração da ferrovia hoje chamado de “Prédio do Relógio”. Os proprietário desse comércio eram o seu Mário Camargo e sua esposa dona Cecília Brasil Camargo carinhosamente conhecida como Dona Nega. “Esse negócio de nega foi quando morava na casa dos Menezes (família do Cap. Esron Menezes)”. Nossa entrevista tem o foco na história da dona Nega uma beradeira nascida na localidade Boa Esperança que fica entre Calama e Humaitá no baixo Madeira. Dona Nega desde criança trabalha para sobreviver. “Minha infância foi trabalhando na casa dos outros”. Acontece que ela perdeu sua mãe quando ainda era criança e seu pai distribuiu os filhos pelas casas de algumas pessoas em Porto Velho e Humaitá.

Hoje Dona Nega é uma empresária do ramo de hotelaria, como proprietária do Yara Hotel, mas, para chegar aonde chegou, teve que passar por muitas fases em sua vida. Cortou lenha para abastecer os navios que trafegavam pelo rio Madeira. “Enchia a canoa de lenha e ia vender nas Chatas”. Foi lavadeira, cozinheira e quituteira. “Fazia cascalho e colocava o Zezinho meu filho pra vender pelas ruas da cidade”. Juntamente com seu marido Mário Camargo com quem viveu durante 54 anos. “Hoje quando quero descansar pego meu barco e vou para Boa Esperança”

Ao ter que deixar o “Recanto Ferroviário” alugou uma casa que pertencia a família do Otávio Reis ali na rua Barão do Rio Branco bem em frente a praça Jonathas Pedrosa e montou o “Yara Bar”, que ficou famoso por ser ponto de encontro dos sambistas boêmios da cidade, como Bola Sete, Leônidas, Cabeleira, Bainha, Silvio Santos, Manelão, Ozires Lobo, Mário Alfaiate, Pelado, Aleijado e tantos outros, que se reuniam aos finais de semana para jogar bozó disputando cerveja e tira gosto.

Muito antes do Yara Bar, quando Dona Nega veio definitivamente de Boa Esperança para Porto Velho, negociou um terreno na hoje rua Paulo Leal no bairro Favela por três alqueire de farinha de mandioca. “O Mário cavava a vala para o alicerce de manhã e a gente passava o resto do dia amassando aquele barro pra fazer tijolo que a gente queimava ali mesmo, assim construímos nossa casa”. Esse negócio de construir a própria casa aconteceu também na construção do Yara Hotel. “Nunca contratamos ninguém para construir o hotel a gente mesmo fazia tudo”.

A história da matriarca da família Camargo você vai acompanhar na entrevista que segue.

 

 

E N T R E V I S T A

 

Zk – A senhora nasceu em Porto Velho?

Dona Nega – Não, cheguei aqui em 1948 vindo da localidade Boa Esperança que fica no município de Humaitá no Amazonas. Na realidade estive aqui quando ainda tinha nove anos de idade morando na casa da Jacira, dos Menezes aí eles me deram para uma família lá de Belém. Para encurtar a conversa, não tive infância, pois minha mãe morreu quando eu ainda era criança e meu pai sem saber o que fazer comigo e meus irmãos nos deu. Fui criada trabalhando pela casa dos outros.

 

Zk – E a vinda para Porto Velho?

Dona Nega – Quando vim pra cá trouxe alguns alqueires de farinha, vendi e comprei uma casa ali na rua Paulo Leal em frente à padaria da Favela.

 

Zk – A senhora já veio casada?

Dona Nega – Me casei no interior pra ver se melhorava a vida, e fez foi piorar.

 

Zk – Melhorar?

Dona Nega – Acontece que a gente dava um duro danado tirando lenha para abastecer os navios, as chatas que faziam linha entre Manaus e Porto Velho e para sair dessa vida resolvi me casar e foi pior, o homem só queria saber de se embriagar.

 

Zk – Qual a árvore que dava melhor lenha?

Dona Nega – Era a Envira. A envireira racha bem. Juntava 200 achas de lenha colocava dentro da canoa e ia vender ou trocar por farinha, café, açúcar, banha essas coisas. Depois meu irmão Ademir foi embora pra Manaus e eu fiz uma casa na ilha e fui viver da plantação de roça, foi então que produzi três alqueires de farinha e vim embora para cá.

 

Zk – E o segundo casamento?

Dona Nega – Me casei com um rapaz que veio de Belém como soldado. Naquele tempo tinha muita festa nos clubes e eu botava banca pra vender mingau, cuscuz, bolo de macaxeira e assim conheci o Mário com quem convivi 54 anos.

 

Zk – Como que a senhora foi parar naquele bar na esquina da Sete de Setembro com a Farquar o Recanto Ferroviário?

Dona Nega – Foi com o Mário. Primeiro alugamos o ponto depois compramos, não estou lembrada de quem era aquilo ali. Aí veio a revolução tirou todo mundo de lá, mas, não me tirou.

 

Zk – Vamos falar mais um pouco sobre o comercio na Farquar?

Dona Nega – Aquilo era tempo bom, o trem da feira parava bem no fundo do nosso quintal e ali mesmo eu comprava cana pra fazer caldo de cana que ficou famoso, comprava tartaruga que naquele tempo tinha com fartura. A rua Farquar era cheia de pé de mangueira. Da tartaruga eu fazia picadinho do filé, guisado, sarapatel e a farofa no casco, nesse tempo fui trabalhar no governo territorial.

 

Zk – E deixou seu Mário cuidando do boteco?

Dona Nega – Bom, com seis meses trabalhando no governo fui demitida, acontece que mesmo trabalhando fora, despachava 25 marmitas todos os dias. Foi quando chegou à revolução e como disse, tiraram todas as casas que existiam naquele pedaço da Farquar, mas, a nossa ficou. Com o tempo as pessoas começaram a me aconselhar. Dona Nega porque a senhora não aluga um local para tocar seu negócio. Me aperrearam tanto que negociei uma casa bem em frente à Praça Jonathas Pedrosa e abri o Yara Bar.

 

Zk – Famoso Yara Bar?

Dona Nega – Quem cuidava do Yara Bar era minha filha que morreu a Enes. A turma do samba freqüentava Yara Bar pra jogar bozó. Nos finais de semana eles passavam o dia jogando bozó apostando cerveja e tira gosto. Leônidas, Bola Sete, Cabeleira, Bainha, Silvio Santos, Camarão, Pelado, Mário Jorge Alfaiate e muitos outros, conheci todos no Yara Bar.

 

Zk – Por que a senhora coloca em seus negócios sempre o nome Yara quem é a Yara?

Dona Nega – Yara é minha filha caçula. Aliás, tive 11 filhos. A Yara nasceu justamente no Bar, por isso coloquei o nome dela no estabelecimento quem foi a parteira foi a dona Filó, nunca entrei numa maternidade para ter filho, todos foram pegados por parteiras.

 

Zk – E o seu Mário?

Dona Nega – O Mário foi carroceiro, o nome do boi dele era “Campeãozinho”. A gente ia comprar carvão lá nas terras do seu Adalberto Barros ali onde hoje é o Aeroclube. A gente saia de casa de madrugada, eu dormindo na carroça, quando chegava em frente ao portão da entrada das terras do seu Adalberto o boi parava por ele mesmo, era como se estivesse dizendo, acorda que chegamos.

 

Zk – Vamos falar mais um pouco sobre a sua vivencia no Recanto Ferroviário e a feira Modelo?

Dona Nega – Aquilo era tempo bom, era um movimento danado, chegava os navios Leopoldo Perez, Lodo D”almada, Augusto Montenegro, e o povo ia pra beira do rio. Chegava o trem horário, trem da feira e o movimento era muito grande, assim como era o movimento nos dias de chegada da lancha do beiradão.

 

Zk – A senhora lembra algum fato marcante que aconteceu na feira?

Dona Nega – Tem um que não consigo esquecer. Foi quando um homem foi limpar uma máquina de sorvete e a bicha explodiu, a cabeça dela ficou só o bagaço, foi um acidente horrível.

 

Zk – E o Yara Hotel?

Dona Nega – Sempre eu saia a tarde do Yara Bar para caminhar. Me considero uma pessoa iluminada por Deus, certo dia nessas andanças, encontrei a viúva dona do terreno e perguntei: A senhora não quer dar uma trocada nisso (ali existia uma casa de madeira de dois pisos construída pelo seu Herculano um holandês) numa casa que tenho na rua Paulo Leal? Ela disse: Vou conversar com minha Filha Francisquinha. Depois da conversa, fui junto com a Francisquinha ver a casa e o negócio foi fechado.

 

Zk – Quer dizer que o terreno foi trocado apenas pela casa?

Dona Nega – Teve mais Cinco Mil Cruzeiros no tempo que o cruzeiro valia. Eu não tinha o dinheiro e quem me emprestou foi o homem que me vendia cerveja. Resultado, quase ele me toma o terreno. Se eu não andasse muito na prefeitura ele tinha tomado.

 

Zk – Acontece que hoje a senhora é dona de mais de meia quadra entre a Sete de Setembro e a General Osório?

Dona Nega – É! Para expandir os negócio fui comprando, comprei a casa do Zé Milton, comprei a do Zé Bento e fui construindo.

 

Zk – Demorou muito a construção do Yara Hotel?

Dona Nega – Demorou. Acontece que quem construiu o hotel fomos nós, eu o Mario e meus filhos. A gente já tinha experiência, pois a casa da Paulo Leal quem construiu fomos nós. Mario cavava e a gente passava o dia pisando o barro preparando para fazer o tijolo que era queimado lá mesmo e assim levantamos nossa casa. No Yara na gente não fazia os tijolos, mas fazia o resto. Fizemos o primeiro piso e já ia colocando gente. Acontece que era o tempo do garimpo de cassiterita e a cidade vivia cheia de garimpeiro. Não dava tempo nem de acabar o piso direito e já estava ocupado, não tinha nem cama, os garimpeiros dormiam em colchonetes esticados no chão. Aquele senhor Assis que o delegado matou era freguês muito bom, ele trazia dez pessoas todos os sábados para se hospedar no Yara e nunca ficou devendo.

 

Zk – A construção subindo?

Dona Nega – Era mesmo. Meus filhos em especial o Zezinho conhecido como Sacola carregando material para cima. A gente comprava de balsa inteira de cimento em Manaus. A primeira sala concluída montei um restaurante e então começou a melhorar, fazia cobrinha pra comer no restaurante e fui levando, levando, depois construímos dez quartos. Tivemos como hospedes nesses dez quartos uma porção de médicos que chegavam para trabalhar no governo do Território, entre eles esse doutor José Augusto do Prontocor.

 

Zk – A senhora lembra como era a avenida Sete de Setembro naquela época?

Dona Nega – A Sete entre a Prudente de Morais, ou melhor, da Praça Jonathas Pedrosa até a Gonçalves Dias não dava trânsito, era um igarapé, dizem que foi por isso que abriram a rua Barão do Rio Branco, essa Sete só foi ajeitada no final dos anos 1950. Ali onde tem uma loja de eletrodomésticos, encostada na praça era o “Buraco da dona Dada” e também do seu “Chico do Buraco”, tinha uma fonte de água aonde o pessoal ia buscar água pra beber, depois foi a Pernambucana, teve também a agencia da Vasp.

 

Zk – Lembro que nesse terreno do Yara tinha também uma fonte de água. Essa fonte ainda existe?

Dona Nega – Não sei. Acontece que vendi a parte do terreno onde ficava a fonte ao Banco Sudameris e não sei se eles preservaram a fonte. Ali naquele espaço eu tinha 90 alqueires de terra e fui vendendo pra construir o Yara.

 

Zk – No tempo da cassiterita era mesmo muito bom?

Dona Nega – Se era. Rolava muito dinheiro nessa cidade. Naquele tempo comprei um caminhão que o meu filho Zezinho ia deixar cassiterita em Volta Redonda. Foi muita luta para chegar no que tenho. Meu marido Mário morreu já faz oito anos e eu nunca vendi nada do que construímos juntos.

 

Zk – Como ficou a negociação depois que seu Mário morreu?

Dona Nega – Depois que o Mário morreu tive que pagar R$ 53 Mil pro governo, aí o Juiz decretou que eu tenho que dar a cada um dos filhos R$ 1 Mil por mês e assim está acontecendo.

 

Zk – É comum os empresários de Porto Velho se envolver com a criação de gado. A senhora tem fazenda?

Dona Nega – Tenho um sítio na estrada que vai pra Guajará e lá criamos um gadinho que o Mário deixou, mas não dá para me considerar fazendeira não.

 

Zk – Voltando no tempo?

Dona Nega – Quando cheguei aqui fui lavadeira. Lavava roupa no igarapé da Santa Barbara, lavei para dona Marize Castiel. Aliás, cozinhei muito tempo na casa do seu Castiel, chegava lá seis horas da manhã e ele já tinha vindo do mercado eu deixava tudo pronto e vinha pro igarapé lavar roupa. Outra coisa que fazia para sobreviver era botar banca em frente dos clubes e fazer mingau que o Zezinho ia vender. Uma das coisas que vendia muito era Cascalho.

 

Zk – Como é esse cascalho?

Dona Nega – Cascalho é feito com farinha de trigo, sal e água e um pouquinho de açúcar, frita e ele fica crocante, o povo gostava. O Zezinho saia com o tabuleiro de cascalho e para chamar a atenção da freguesia ia batendo num ferro, quando o povo ouvia o som do “triângulo” corria pra comprar cascalho.   

 

Zk – Como é o seu nome?

Dona Nega – Cecília Brasil Camargo

 

Zk – E o do seu Mário?

Dona Nega – Mário da Silva Camargo um bom marido, homem trabalhador, vivemos juntos durante 54 anos.

 

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 Fonte: Sílvio Santos - zekatracasantos@gmail.com  
 
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