‘Vim de novo em 1988 e o negócio tava melhor, entraram as dragas, o dinheiro em Porto Velho rolava que nem folha no outono, era bom demais. De volta ao Ceará falei: Mulher larga essas coisas de costura aí e vamos embora pra Rondônia’
‘Quando ficou tudo mais ou menos resolvido o Índio lembrou que o bairro não tinha nome ainda e então alguém sugeriu que fosse “Comunidade Esperança” que foi questionado, pela pronuncia ficar meio estranha e então colocamos em votação e o nome escolhido foi Esperança da Comunidade’
Fernando Rocha – Fernandão
A história do bairro Esperança da Comunidade
Quando decidimos entrevistar o Fernando a intenção era saber sobre o andamento da montagem do Arraial Flor do Maracujá/2018, uma vez que ele é o presidente da Federação de Grupos Folclóricos – Federon, porém, quando começamos a conversar, ele passou a contar a história de como surgiu o bairro Esperança da Comunidade e de como ele foi parar na equipe comandada pelo deputado Ernane Índio. Deixamos de lado o Fernando dirigente folclórico e passamos a entrevistar o Fernando envolvido com os Movimentos Sociais presidente da Associação do Bairro Esperança da Comunidade, um líder nato, que desde o início das invasões tem dedicado seu tempo, na defesa do povo daquela área da Zona Leste.
Quanto à história do Fernando Rocha folclorista, publicaremos na edição da próxima terça feira. Ok!
E N T R E V I S T A
Zk – O Fernando veio de onde?
Fernando Rocha – Meu nome é Fernando Rocha também conhecido como Fernandão. Nasci no dia 20 de julho de 1956 em Canindé (CE). tive pelo Rio Grande do Sul em 75/76, voltei pra Fortaleza, trabalhei um tempo na Cobal, isso mesmo, fui funcionário público federal.
Zk – Conta como foi sua vinda para Porto Velho?
Fernando Rocha – Na verdade já tinha vindo aqui em 1987 porque meu irmão era garimpeiro e tinha um flutuante e durante minhas férias da Cobal vim pra cá e passei 30 dias dentro do madeirão, ali eu vi muito dinheiro, não tinha miséria, os caras matavam boi e só aproveitava a carne macia, a ossada era jogada no rio. Quando voltei pra Fortaleza falei pra minha mulher, que faleceu ha 12 anos, uma excelente costureira: Lá em Rondônia é bom e ela respondia: “Fernando o Deus de lá, é o mesmo daqui”. Vim de novo em 1988 e o negócio tava melhor, entraram as dragas, o dinheiro em Porto Velho rolava que nem folha no outono era bom demais. De volta ao Ceará falei: Mulher larga essas coisas de costura aí e vamos embora pra Rondônia.
Zk – E se mandou pra cá?
Fernando Rocha – Vim na frente para alugar uma casa o que não foi fácil, minha mulher ficou em Cuiabá e certo dia fui até aquele Conjunto Mamoré/Guaporé e tinha uns pedreiros reformando uma casa e eu disse que iria entrar ali e tal. Eles chamaram o dono da casa e esse dono era o então vereador Mário Jorge que me explicou que ele havia financiado tudo na Caderneta de Poupança do Beron então contei pra ele do meu sacrifício em conseguir uma casa pra alugar e ele me indicou uma senhora que tinha uma casa pra alugar no bairro Eldorado. Isso foi no ano de 1989.
Zk – E a história do clube Botafogo?
Fernando Rocha – Se não me engano, seu Camacho havia morrido e colocaram na televisão que estavam alugando o Botafogo, meu irmão conseguiu vencer a concorrência e assumiu o clube. O Camachinho apresentou uma lista de atrações artísticas tudo do bom e do melhor. Meu irmão ganhou muito dinheiro. Naquele tempo o problema de habitação era sofrível, tanto que a gente passou a morar dentro do Botafogo por não encontrar casa pra alugar. Foi quando aconteceu o caso com o Mário Jorge.
Zk – E o envolvimento com a dança da quadrilha junina?
Fernando Rocha – Eu tinha ido apreciar as apresentações no Flor do Maracujá e achei bonito, apesar de ser muito diferente. No Ceará brinquei no bumba-meu-boi e dancei quadrilha. Perto da nossa casa no bairro Eldorado o Chico Macaco que era dono de posto de gasolina, tinha uma área grande e ele cedeu esse espaço para criarmos nossa primeira quadrilha junina aqui em Porto Velho.
Zk – É verdade que os gangueiros da época brincavam na quadrilha?
Fernando Rocha – Naquela época aqui tinha muita gang. Era gang do trator, gang do pezão e por aí vai, pois essa turma foi pedir pra brincar na nossa quadrilha. Quando eles chegavam para o ensaio, deixavam as armas facão, escopeta e até foice guardadas lá em casa. Muitas vezes no outro dia eles chegavam se gabando que o fulano não vinha mais brincar porque havia desaparecido pra sempre, mas, nas nossas apresentações eles não brigavam! Essa é força da cultura popular na questão social, coisa que os governantes não querem enxergar. Quem comandava a brincadeira era a Neguinha minha cunhada.
Zk – Como foi que você se tornou em um dos líderes da criação do bairro Esperança da Comunidade?
Fernando Rocha – Soube que o Índio estava organizando uma ocupação nas terras onde hoje é o Esperança da Comunidade e eu que pagava aluguel, resolvi procurar a equipe dele para conseguir um terreno pra construir uma casa. Quando cheguei à reunião, vi que o negócio não estava indo bem, então fiz uma sugestão: Olha precisamos fazer uma coisa organizada, as ruas têm que ter começo, meio e fim, vamos abrir tudo dentro dos padrões que é para depois não termos que ficar desmanchando ou derrubando casas porque ficaram no meio da rua. Diante da minha exposição o índio me convidou para fazer parte da Comissão e eu aceitei.
Zk – Como é a história que o Índio teve a feliz idéia de separar uma área para construir escola, posto de saúde etc.?
Fernando Rocha – Foi durante uma reunião que aconteceu no local onde hoje é a igreja Santa Margarida que o Índio falou: “Gente precisamos reservar um espaço, para servir de área social aonde vamos ter, escola, posto de saúde, campo de futebol, quadra esportiva e praça”. Em 1992 o governador Osvaldo Piana construiu praticamente dentro da mata, a escola Flora Calheiros. Agora não foi fácil para a gente da Comissão, garantir que as pessoas não invadissem essa área, eu mesmo levei uma pedrada na cabeça por não deixar uma pessoa marcar um terreno, eu sabia quem já tinha e quem não tinha terreno. Muitos pegavam pra vender e a gente não deixava que isso acontecesse. Hoje nós temos duas escolas, centro de saúde, sede da associação, dois campos de futebol, quadra esportiva e praça.
Zk – E a participação do Sergio Carvalho?
Fernando Rocha – Quando o Sergio Carvalho era deputado federal, um dia chegou e perguntou: Fernando o que você acha que está faltando construir aqui? E eu respondi um campo de futebol! E ele falou: pensei que você ia pedir uma creche. Sim deputado, precisamos de uma creche também! Você pediu um campo de futebol. Nosso campo é um dos melhores, tem iluminação boa e o campeonato do Esperança é transmitido pela RedeTV-RO. O Carlinhos Camurça quando foi prefeito beneficiou muito nosso bairro, inclusive ajudou a construiu a sede da nossa associação, são pessoas que precisam ser reconhecidas.
Zk – Como surgiu o nome Esperança da Comunidade?
Fernando Rocha – Essa área era reivindicada pela Novacap que apresentou uma Carta de Aforamento e o resultado foi que foi parar na justiça. Chegou o dia do julgamento da ação. O Índio estrategicamente dividiu a comunidade em duas turmas. Uma foi para a praça Marechal Rondon em frente ao Fórum onde aconteceria o julgamento da ação e a outra comandada por mim e outros companheiros ficou no bairro para evitar qualquer ação de reintegração de posse. A gente ficou reunido no centro onde hoje é a igreja e muitas pessoas nervosas, questionavam se a justiça ia tirar a gente dali e outros diziam: Vamos ter esperança. Nossa comunidade precisa ter esperança. Lembro que o governador Jerônimo Santana ajudou muito, depositou na justiça, o valor de 20 por cento do que era cobrado pela Novacap por isso, até hoje essa área esta sub júdice. Quando ficou tudo mais ou menos resolvido, e criamos a primeira associação, o Índio lembrou que o bairro não tinha nome ainda e então alguém sugeriu que fosse “Comunidade Esperança” que foi questionado, pela pronuncia ficar meio estranha e então colocamos em votação e o nome escolhido foi “Esperança da Comunidade”.
Zk – E a rede elétrica quando foi instalada?
Fernando Rocha – Rapaz, isso gerou muita confusão. Não tinha rede elétrica, porque não tinha nem rua aberta direito e o povo passou a fazer “gato”, puxavam luz da Ceron até com arame farpado e o pior, é que um aproveitava o “gato” do outro e quando vinha o pique da energia, desligava tudo o que muitas vezes gerou vias de fato. Então reunimos e sugerimos que cada grupo de quinze/vinte puxasse uma rede com fiação e instalação dentro dos padrões e assim foi feito. Não foi fácil. Tem uma história interessante.
Zk – Qual?
Fernando Rocha – Ali no Ipanema que hoje está dentro do bairro Igarapé, era assentamento e começaram a querer derrubar as casas, foi então que o Índio teve um idéia genial. Nós pegamos uma velinha de quase 100 anos de idade e colocamos dentro de um barraco. Quando a justiça chegou com uma Pá Carregadeira para derrubar as casas, nós dissemos que num dos barracos tinha uma velinha de 100 anos e ninguém vai tirar ela de lá. O oficial de justiça foi olhar pela fresta do barraco e viu a senhora deitada numa rede, que mal podia se levantar, resultado, desistiram de derrubar as casas. Posso dizer que a abertura dessa área que compreende o Esperança da Comunidade, União da Vitória, e Igarapé foi uma verdadeira conquista do povo contra os poderosos.
Zk – E a história da Quadrilha A Roça é Nossa?
Zk – Essa história o Fernando conta na próxima edição, ou seja, terça feira 26.
Segunda-feira, 25 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)