Conversando com o carnavalesco Flávio Daniel fui surpreendido com a pergunta.
“Você se considera pioneiro ou sentinela avançada de Rondônia?” antes que eu respondesse, Flávio foi descrevendo a diferença entre ser pioneiro e ser sentinela avançada, essa explicação ou análise você fica sabendo logo no inicio da entrevista aí em baixo. Além desse questionamento, nosso entrevista solta o verbo contra tudo e contra todos que segundo ele, nada f
azem de positivo para a nossa cidade Porto Velho e nem tão pouco, para o estado de Rondônia
. “Getúlio Vargas dizia, ‘Os estadistas governam pensando no futuro das próximas gerações. Os político não, eles governam pensando nas próximas eleições”. Entre uma citação e outra, Flávio Daniel vai apontando o que ele classifica como falta de respeito para a cidade de Porto Velho
. “Veja bem! As conseqüência da construção das usinas do Madeira, quem vai sofrer e já está sofrendo, é nossa cidade, mas o dinheiro colocado a disposição da saúde, vai ser aplicado no hospital de Cacoal” emenda
“Nossos políticos só sabem dizer amem ao todo poderoso “Rei”“. Quando partimos para a administração municipal, aí é que o “pau” quebra de verdade, principalmente quando nos referimos aos investimentos nos seguimentos culturais. “Eles só nomeiam pessoas que não tem nada a ver com a nossa cultura”.
Assim fomos levando nosso papo com o Flávio que faz questão em dizer que não gosta do Estado de Rondônia como um todo. “Gosto de Porto Velho, Guajará Mirim e dos distritos do baixo Madeira. Da ponte do Candeia pra lá, não tomo conhecimento”.
É melhor acompanhar a entrevista com esse pernambucano de recife que veio cumprir pena por indisciplina na Aeronáutica, no Forte Príncipe da Beira no final da década de 1960 e que até hoje mora em Porto Velho.
E N T R E V I S T A
Zk – Vamos iniciar, questionando a análise que você faz sobre os versos do
hino Céus de Rondônia.
“Destemidos pioneiros e sentinelas avançadas”. Quem são os pioneiros e as sentinelas avançadas?
Flávio Daniel – Na minha concepção, sentinelas avançadas, são os que chegaram, tomaram conta, não poluíram, não queimaram e nem roubaram, esses são os verdadeiros sentinelas avançadas;
Zk – E os destemidos pioneiros?
Flávio Daniel – Os destemidos pioneiros, chegaram, derrubaram, queimaram, Poluíram, se tornaram políticos, roubaram e continuam roubando, esses são os destemidos pioneiros na minha concepção. Os sentinelas avançadas não, esse aí podem ser pobres, mas tem um passado, que graças a eles estamos desfrutando alguma coisa que resta de Rondônia.
Zk – Vamos dar nome aos bois. Quais as pessoas que você considera sentinelas avançadas?
Flávio Daniel – Basta vermos o histórico da Estrada de Ferro. Até hoje ainda tem alguns vivos que são verdadeiras reserva moral desse Estado. Entre os que já se foram podemos citar o Dr. Joel Quaresma de Moura; o promotor Dr. Stélio; seu Vivaldo Mendes; Dionísio Shoknes e tantos outros. Não gosto de citar nomes para não cometer injustiça.
Zk – E os destemidos pioneiros?
Flávio Daniel – Eu não queria citar nomes porque você falando de improviso, dá muita chance ao azar. Basta você ver a sentença que o juiz deu aí, condenando uma turminha da Operação Dominó. Esses são os destemidos pioneiros que vieram pra tocar fogo, derrubar, queimar, poluir, roubar, esses são os destemidos pioneiros que encontramos no verso do hino de Rondônia. Lembro que quando uma banda fez uma paródia do Hino de Rondônia, teve até deputado que quis pagar a passagem para os caras irem embora daqui. Cai na real nobre senhor! O azul do céu de Rondônia não existe mais não, na época das queimadas você ver é azulada em cima de cinza; Essas hidrelétricas, a sacanagem que estão fazendo com Porto Velho e os políticos dizendo amem, ninguém quer se indispor com os municípios do interior. Os verdadeiros estadistas, segundo Vargas, governam pensando no futuro das próximas gerações. O político não, ele governa pensando nas próximas eleições. É o caso de muitos que ficaram calados no caso da transferência desse recurso para o
hospital de Cacoal, aquele propinoduto de Cacoal.
Zk - Que história é essa de propinoduto?
Flávio Daniel – Desde quando me entendo como funcionário público, que vejo o dinheiro jogado lá a rodo a fundo perdido, enriquecendo uma série de pessoas. Agora a empresa responsável pela construção da hidrelétrica, disponibiliza um dinheiro para a saúde e esse dinheiro que deveria ser aplicado em Porto Velho, já que somos o município que mais vai sofrer na área da saúde com o advento das usinas e vemos o dinheiro ser passado para outro município com a anuência dos políticos. Outro problema é essa floresta nacional que o Ibama ta querendo tirar o povo de lá.
Zk – O que essa Flona tem a ver com isso?
Flávio Daniel – O Ibama ta querendo tirar o povo que mora na Floresta Nacional que acho que é a do
Bom Futuro e em minha opinião tem que tirar mesmo. O povo que ta lá dentro foi pra lá com a anuência dos políticos, foram eles que mandaram o povo pra lá. Dizem que tem 8 mil pessoas lá dentro e 31 mil cabeça de
boi “piratas”, me diga aí, qual o colono tem como manter 31 mil boi, tem que ser um político e político safado que tem aqui em Rondônia. Esses são os destemidos pioneiros. Não se contentam com o que têm e saem destruindo tudo.
Zk – Você sempre está citando a frase, Rondônia é terra sem limite... De quem é essa frase?
Flávio Daniel – Essa frase é do professor
Luciano Di Luca. Quando ele estava vivo não gostava que a gente dissesse que era dele. “
Rondônia é terra sem limite, onde tudo se admite. Terra de muitos chegantes e poucos ficantes. E os ficantes, poucos, edificantes”. Ele dizia isso, você ver o alcance da noção de futuro que esse cidadão tinha, nos idos da década de 1980. Em minha opinião, o único governador que trabalhou por Porto Velho foi o
Jerônimo Santana, depois dele a maioria só governou da ponte do Candeias pra lá. Agora é que você ta vendo uma obra de vulto em Porto Velho patrocinada pelo governo estadual que o Centro de Política Administrativa. E a questão dos viadutos!
Zk – Que viaduto?
Flávio Daniel – Isso é pra gente achar graça. Esses dias, estava lendo. Pimenta Bueno tem dois viadutos, para uma população de 30 mil habitantes, esses viadutos eram para o Trevo do Roque em Porto Velho e os políticos ficaram calados. Rolim de Moura com uma população basicamente rural tem o puta de um teatro. Em Vilhena tem o curso de jornalismo da Universidade Federal – Unir e não tem nenhum jornal diário. São umas coisas que a gente não entende. Por exemplo, o hospital de Cacoal.
Zk – De novo?
Flávio Daniel – Tem mais de dez anos sendo construído e o dinheiro sumindo a rodo. Tudo com anuência desses políticos. Tem um político aí que já foi cassado duas vezes e continua mandando. Daí vem aquela outra máxima usada pelo povo daqui.
Zk – Qual?
Flávio Daniel – Porto Velho é terra onde puta se apaixona e traficante é viciado. Aí pode crer que aqui você pode esperar de tudo. Aí é que entra também a frase do saudoso professor Luciano Di Luca “Rondônia é terra sem limite, onde tudo se admite.”. Posso falar isso, porque não tenho rabo preso com ninguém, não tenho cargo público, não pretendo ser mais nada, mas, posso dizer que sou “um sentinela avançado”.
Zk – Qual o motivo para que você seja considerado com sentinela avançada?
Flávio Daniel – Pela aeronáutica, vim aqui, trabalhei no aeroporto do Caiari. Escuto muitas mentiras a respeito desse logradouro, principalmente pelos jornais as pessoas falando. Cheguei aqui em 14 de junho de 1968 pela Aeronáutica; sou sentinela avançada por ter trabalhado no inicio do aeroporto Belmont (hoje Governador
Jorge Teixeira) onde também trabalhei na telegrafia, metrologia e tráfego aéreo.
Zk – Você fala dos políticos, mas teve um tempo que você também fazia parte do jogo já que foi dirigente da Aspron – Associação dos Servidores de Rondônia que mamava nas tetas do governo estadual. Quer falar sobre esse tempo?
Flávio Daniel – A Aspron não me trás boas lembranças. Fui destituído da presidência, através de uma liminar assinada por um juiz que tinha aqui por nome Salatiel, por roubo. Eu disse que não tinha roubado nada. Me mandaram para a 3ª Vara Criminal onde fiquei uma boa parte do tempo sendo ouvido e julgado. No fim fui absolvido.
Zk – Foi absolvido após quantos anos sofrendo as conseqüências dessa liminar?
Flávio Daniel – 16 anos após, o Tribunal de Contas me chama para dizer que eu não tinha nada a ver com isso. Acontece que fiquei no Serasa esse tempo todo porque tinha um título na Vara de Execução Fiscal; Esse tempo todo sem ter acesso a crédito. Minha vida profissional, simplesmente foi arruinada; pessoas que na época me conheciam e exerciam certa liderança, muitos morreram e eu fiquei nessa situação. Depois de 16 anos, foi que viram que realmente eu não tinha culpa de nada, nem eu, nem meu amigo José Jonas Batista. Me deram uma certidão e tudo, mas, para que serve essa certidão. Não serve mais pra nada, estou com 62 anos de idade. Orgulhosamente com 30 anos de Porto Velho. Eu não gosto de Rondônia.
Zk – Explica esse não gostar de Rondônia?
Flávio Daniel – Deixo bem claro, gosto de Porto Velho, Guajará-Mirim, do Baixo Madeira, São Carlos, Calama. Mas, da ponte do Candeias pra frente, não quero nem saber se existe aquilo lá. É isso aí! Se você não tiver objeção lá no jornal pode colocar isso aí, eu não quero nem saber!
Zk – Por que esse aversão ao povo que vive da Ponte do Candeias pra lá?
Flávio Daniel – Porque é um povo que vem pra cá, tiram tudo da gente, fazem fortuna e ainda ficam falando mal.
Zk – A que você atribui o fato dos rondonienses natos não galgarem cargos como de governador e prefeito de Porto Velho?
Flávio Daniel – A bem da verdade, a
Assembléia Legislativa hoje, é fisiologista, só faz se o “Rei” mandar com exceção de um. Até os deputados que eram pra fazer oposição tão de comum acordo com o que o “
Rei” manda. Quero deixar bem claro, que não tenho nada contra o “
Rei”. Você abre o jornal e ler que a estrada tal foi recuperada, que a outra foi “cascalhada” uma foi asfaltada, que a semente é isso,. Você sói não ler sobre a construção de um leito hospitalar. Você ver no interior quando os prefeitos dão entrevista dizem: “
Investimos na saúde, compramos 4 ambulâncias, contratamos 8 motoristas”, sabem pra que? Pra vir deixar doentes em Porto Velho.
Zk – E por que Porto Velho não elege ninguém?
Flávio Daniel – Acontece que eleição, ganha quem melhor mente. Veja os sessenta por cento pro homem. Botou um monte de tapume na cidade, cavou um monte de buraco, botou umas placas e ta tudo parado. Em Porto Velho não pode chover que alaga tudo, que investimento foi feito em drenagem. Era bom dizer pro prefeito, que Porto Velho não só a Zona Leste. Me mostre um investimento na Zona Sul! Lá no campo da Jatuarana aquelas arquibancadas onde tem uma lojinhas em baixo e você nas lojinhas não tem uma torneira, como é que pode uma praça esportiva que não tem água. Depois do
Piana, nós não vamos eleger mais ninguém.
Zk – Por quê?
Flávio Daniel – Porque Porto Velho só tem 250 mil eleitores e o interior com seus 51 municípios, tem setecentos e poucos mil. Então, nem vice-governador a gente elege. Nem sei quem é esse menino eleito vice prefeito, conheço o pai dele, uma história que diz que ele conseguiu chegar aonde chegou com todos os méritos. O menino taí, por imposição do senador
Valdir Raupp que hoje é o grande guru da política rondoniense.
Zk – Já que você tocou no assunto. Desses meninos que estão aí, qual você acha que tem futuro na política?
Flávio Daniel – Apesar do DNA, um político que admirei independente de partido, independente de posicionamento de ideologia. Era o único cara que via que tinha uma projeto político para Rondônia era o Guilherme Erse. De repente ele tomou aquela porrada nas eleições para deputado e acho que se desgostou. Minha simpatia é pelo projeto político dele e nada mais. Tem uma vantagem, ele é daqui.
Zk – Pelo que estou percebendo você gosta de acompanhar os programas de rádio e televisão. Como você analisa a programação das nossas emissoras de rádio?
Flávio Daniel – Se você for pro lado das FMs não vai captar nada. Nas FMs só existe: “Agora vamos ouvir e Acabamos de ouvir” já a
Rádio Caiari que é AM que é comprometida com o social, você encontra o excelente programa “
A Bronca é sua a ajuda é nossa”. No restante o que prosperou nas rádios de Porto Velho foi a cultura do dízimo. Eu quero ver se tirarem o cão da Bíblia um dia, com quem eles vão guerrear. A rádio Caiari tem excelentes programas, eu escuto o programa da Ceiça Farias “Palco em Canto” ele sabe realmente cativar os ouvintes. Escuta um pouquinho a Bronca é sua, pra ver o cacete, pra ver como é que está Porto Velho.
Zk – Como você está vendo o movimento cultural em PVH?
Flávio Daniel – Investimento não existe. Uma coisa que me constrangeu, no carnaval passado foi publicado na coluna do Zekatraca figuras históricas numa foro junto com o prefeito um cheque de 150 mil. Aquilo me constrangeu tudo bem, eles estavam ali porque a única coisa que tinha era aquilo. Tenho consciência, que pelas propostas que o prefeito fez na época não seria só aquilo. As escolas mereciam e merecem melhores incentivos financeiros advindos da prefeitura, até porque vejo que eles investem no carnaval fora de época quando não deveriam já que o bloco comercializa suas fantasias, enquanto as escolas de samba dão de graças suas fantasias aos brincantes. O carnaval das escolas de samba o prefeito oferece ao povo da cidade, sem custo. Por isso as escolas de samba merecem maior atenção financeira.
Zk – Como você ver o investimento da prefeitura na cultura?
Flávio Daniel – Vejo como uma sacanagem. Estou nessa história desde 1969. Quem botou nela foram o
Bainha e o Silvio Santos. Lembro que a grande professora Marize Castiel já reclamava naquela época. Esses caras acham que quando passam um subsídiozinho de “merda” tão fazendo um grande favor. Mas para um show evangélico eles abrem as portas. Vê os caras que são nomeados pra cultura, não tem nada a ver!
Zk – E o Flávio Daniel artesão?
Flávio Daniel – Fui pro artesanato porque estava na “merda”. Como sei fazer carros alegóricos, só diminui e passei a fazer miniaturas dos monumentos históricos de Rondônia com material reciclável. Hoje a “merda” tá mais perfumada e só trabalho por encomenda.
Zk – Para encerrar essa conversa. Como foi que você veio parar em Rondônia?
Flávio Daniel – Sou pernambucano e com quando tinha uns quatorze anos, acompanhei uns ciganos que passaram por Recife e fui andar por esse Brasil a fora. Ao voltar para casa estava no tempo de servir a pátria. Fui para o Rio de Janeiro e me apresentei como voluntário na Aeronáutica me aperfeiçoei como telegrafista da FAB e vim trabalhar no Acre (Cruzeiro do Sul), quando tirei férias, em vez de me apresentar na Base do Rio de Janeiro fiquei em Pernambuco por mais de 30 dias. Quando me apresentei recebi como punição, a transferência para o Forte Príncipe da Beira, depois de algum tempo no Forte, vim para Porto Velho, gostei e estou por aqui até hoje.
Zk – Como carnavalesco você está em qual escola de samba?
Flávio Daniel – Resolvi me aposentar. Tô na expectativa de ser chamado pelo Hiran Brito Mendes para ser jurado. Passei trinta anos sendo julgado pelos outros, agora quero julgar.
Zk – Encerrando?
Flávio Daniel – Pioneiro não! Sou sentinela avançada desse pujante estado de Rondônia!
Fonte: Sílvio Santos