Segunda-feira, 19 de dezembro de 2011 - 06h14
‘Não sou a socialite deprimida que toma prozac e chandon e resolve pintar, eu não sou a Vanuza e nem tão pouco a Vera Ficher’
‘Anta é a Onça que não come a Anta que está perto da Onça’
‘Quando eu morrer quero ser cremado e que minhas cinzas sejam jogadas no Rio Madeira’
Amanhã dia 20, você está convidado a presenciar a exposição “Como desenhar botos”. Apenas alertamos para não se surpreender ao ver uma pessoa super descontraída admirando os quadros que estarão expostos na parede da sala Forte Príncipe da Beira da Casa da Cultura Ivan Marrocos, pois a figura em apreço, com certeza será o artista autor dos desenhos, Flávio Dutka um paranaense que veio para Rondônia quando tinha apenas seis anos de idade. “Cheguei garotinho”. Após alguns anos morando em São Paulo onde exerceu várias funções, inclusive a de office boy Flávio voltou para Rondônia formou-se em História na UNIR e em 2006, prestou concurso para a prefeitura de Porto Velho para o cargo de professor. “Fiz o concurso e optei por lecionar nas escolas do Baixo Rio Madeira”.
A exposição que será aberta nesta terça feira, 20, fica na Ivan Marrocos até 20 de janeiro de 2012. São quadros em preto e branco que mostram a paisagem de localidades do Rio Madeira como Papagaios. “Meus desenhos retratam a visão que tenho de um lugar para o outro. O ideal seria que a pessoa comprasse a coleção completa, para ver que um quadro mostra o outro”.
As crianças que visitarem a exposição e em especial os estudantes, terão a oportunidade de interagir com o trabalho do Dutka, pois todo dia a partir das 17h (cinco horas da tarde), cópias dos desenhos serão disponibilizadas para a gurizada pintar. “Meus alunos quando eu estava pintando os quadros lá em Papagaios chegaram comigo e perguntaram: Professor a gente vai poder colorir esses desenhos?”
É com esse espírito que o Flávio Dutka fala sobre sua obra na entrevista que segue.
E N T R E V I S T A
Zk – Professor, desenhista, artista plástico, enfim o Que?
Flávio Dutka – Artista! Acho que sou professor nas horas vagas. Sou formado em história pela UNIR, turma de 2000. Fiz um curso de comunicação social em São Paulo, mas, aí fui bebendo minha faculdade e não deu certo. Em 1998 resolvi voltar pra Porto Velho.
Zk – Você é de onde?
Flávio Dutka – Sou do Paraná.
Zk – Fala sobre como foi à viagem do Paraná até Rondônia?
Flávio Dutka – Levamos 12 dias, viemos em cima de um pau de arara. Acontece que meu pai “pomba lesa”, resolveu vir em dezembro época de muita chuva. Interessante é que metade da carga era nossa mudança e metade era charque, no sexto dia, a gente parava e só dava os urubus sobrevoando o pau de arara. Música era através de uma única fita cassete com músicas do Luiz Gonzaga. Eu tinha seis aninhos, era apenas um garotinho. Isso aconteceu entre 1980/81 no auge do Eldorado. No inicio passamos algumas dificuldades até que a mamãe conseguiu um emprego de cozinheira na casa do governador.
Zk – Qual governador?
Flávio Dutka – Ela cozinhou pro Teixeirão, Ângelo Angelim, Valdir Raupp, Osvaldo Piana, Bianco, pra essa turma toda. Minha mãe é dona Zarda, na verdade é Felizarda, como, ela não gostava ficou só Zarda. Papai é Bohdan Dutka. O Dutka é ucraniano. Meu avô lutou na 1ª Guerra Mundial e por não querer participar da revolução Russa resolveu vir pro Brasil e foi quando ele conheceu minha avó dona Catarina. Se encontraram no barco e vovô comeu vovó e nasceu papai e apareceu mamãe e depois eu. Nasci em Iguatu porém, me considero rondoniense. Morei até os 18 anos em Ouro Preto D’Oeste.
Zk- E depois veio para Porto Velho?
Flávio Dutka – Não! De lá fui pra São Paulo onde comi o pão que o diabo amassou e não gostou. Fui peão de produção, trabalhei na Eletrolux aonde cheguei a montar duas mil geladeiras por dia, fui office boy, auxiliar de escritório fiz de tudo um pouquinho e agora estou professor.
Zk – O desenho em sua vida chegou quando?
Flávio Dutka – Desde que me conheço como gente. Em vez de pedir carrinho, essas coisas que a gente pede no Natal pra mamãe, eu pedia folha de papel sulfite, canetinha, caderno de desenho. Acho que a única coisa que sei fazer direito é desenhar.
Zk – Depois dessa vivencia em São Paulo você voltou para Rondônia por que?
Flávio Dutka – Na verdade, minha mãe estava doente de câncer, mas, não foi o câncer que matou minha mãe. Gostaria de deixar bem claro pras pessoas, que o importante é o preventivo, então ela não fez o preventivo. O que matou na verdade a minha mãe foi a ignorância.
Zk – Agora vamos falar do artista plástico. Estava conversando com a Rita Queiroz e ela falou que te conheceu menino e você já era talentoso. Fala dessa proximidade com a Rita?
Flávio Dutka – A Rita sempre foi a grande influencia da minha vida, só que é o seguinte: O traço da Rita permeia meu trabalho, só que muito pelo contrário, não vou querer imitar a Rita Queiroz ela tem a escola dela. Ela criou uma estética da cultura ribeirinha, da cultura amazônica.
Zk – Nesse caso onde está a influencia que ela exerce no teu trabalho?
Flávio Dutka – Exatamente, não preciso copiar, vou pro oposto, vou dialogar com a obra dela, sem ser preciso copiá-la. Existem três pessoas que exercem grande importância na minha vida: Vera Dutka minha irmã, minha mãe e a Rita Queiroz.
Zk – Além do desenho, você tem trabalhos em outros estilos?
Flávio Dutka – Tenho trabalhos em óleo, acrílico essas coisas, mas, basicamente, e aqui existe um choque de idéias que tenho com a Rita Queiroz porque eu acho que a base é o desenho é a estrutura e ela acha que é a cor. Acredito, assim como os florencianos que privavam muito pelo desenho na questão do renascimento. Tenho uma influencia muito grande deles, sem querer me comparar com os grandes gênios. Não sei se isso daqui um dia vai acabar virado fogueira no quintal de uma casa. Você só fica rico depois que morre! Eu já sublimei isso. Não sou a socialite deprimida que toma prozac e chandon e resolve pintar, eu não sou a Vanuza e nem tão pouco a Vera Ficher.
Zk – Qual foi a tua escola?
Flávio Dutka – Tive um curso de desenho de modelo vivo na pinacoteca do estado em São Paulo em 1994, desenhei obras do Rodan e foi fundamental. A partir do momento que você domina o corpo humano tudo que está ao seu redor fica mais fácil.
Zk – E essa paixão ribeirinha pelo Rio Madeira?
Flávio Dutka – A primeira vez que desci o Madeira foi em 1989, fui lá pra “Três Casas” em Humaitá para o festejo de são Sebastião, aí quase matei minha mãe do coração porque era meu aniversário e eu nunca tinha saído, enfim! Depois quando vim pra cá para Porto Velho queria fazer alguma coisa no Rio Madeira. Tem uma coisa, eu sou de água doce, o mar é muito maior que meu ego. Em 2006 fiz o concurso da prefeitura e consciente de que queria trabalhar no Baixo Rio Madeira a partir daí pensei o seguinte, por que não agregar valores. Tem quatro anos que estou desenvolvendo esse trabalho.
Zk – Quando foi que você fez sua primeira exposição individual?
Flávio Dutka – Agora em 2011 está fazendo 20 anos que fiz minha primeira Mostra. Muitas pessoas pensam que o ribeirinho é preguiçoso, porque não o ver trabalhando de dia, muito pelo contrário, o cabra do Baixo Madeira é o cabra que acorda mais cedo, ele acorda três, quatro horas da madrugada, porque dez da manhã ninguém agüenta esse sol. Nessas obras que compõem essa exposição só tem uma pessoa que é o professor Mário Cabral que está ai no seu escritório que é a rede. Essa é a realidade. Anta é a Onça que não come a Anta que está perto da Onça. Não existe segredo, não tem clichê não tem nada. Talvez seja uma proposta de repensar como representar o ribeirinho.
Zk – A gente nota que seu trabalho é de contemplação. Estamos corretos?
Flávio Dutka – É isso mesmo! É praticamente uma oração, uma devoção.
Zk- Quanto tempo leva para você terminar um desenho?
Flávio Dutka – Os quadros grandes geralmente faço num dia, os pequenos, às vezes, são até mais demorados. Desde quando cheguei lá em Papagaios no dia 17 de maio 2008, chovia de fazer chuá e fiz meu primeiro trabalho, bati o olho e disse. É esse caminho que quero. Minha proposta é dialogar com a questão da iconografia, ou seja, aquela coisa do Debret do Rugendas que vai prum lugar alheio, estranho e de repente, resolve catar tudo aquilo, mas, não há exaltação, não há nada. Não tenho pretensão nenhuma. São só desenhos.
Zk – Alguma vez você freqüentou algum centro de umbanda ou candomblé essas coisas?
Flávio Dutka – Não! A única vez que freqüentei foi no Festcine Amazônia “Cinema no Terreiro”. Lembra do Xangô de Baker Street do Jô (kkkkkkkk), comecei a me sentir mal: Genteee vou embora daqui se não o santo vai baixar. Já bebi o Vegetal, não continuei porque ia me ajeitar e eu não posso ficar certinho. Na verdade sou Budista.
Zk - Vamos começar a encerrar esse papo. Fala sobre a exposição “Como Desenhar Botos”
Flávio Dutka – A entrada é grátis, todos estão convidados, intimados. Todos meus amigos sabem que é um sacrifício muito grande. To com minha equipe o pessoal que me dá suporte muito grande, sem contar a Nina, Sayonara, Wilson a Casa da Cultura e todos que dispensaram atenção para mim, através do “ministro” da cultura do estado de Rondônia - Zekatraca,
Zk - Você que mora no beradão. Como é que o ribeirinho está vendo a chegada das Usinas do Madeira?
Flávio Dutka – Com muita angústia, com muita tristeza. Agora vão ter que usar semáforo: Bagres virem pra esquerda e Pacu pra direita. Agora vem a grande pergunta: E se romper o dique? Esse Rio merece muito respeito. Na verdade, o Rio Madeira é a grande personagem da história de Rondônia.
Zk – Para encerrar?
Flávio Dutka – Quando eu morrer quero ser cremado e que minhas cinzas sejam jogadas no Rio Madeira.
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