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Gente de Opinião

Silvio Santos

Francisco Aleixo da Silva. O Grão Mestre - Taxista


 
Sexta feira passada pela manhã, a Praça Getúlio Vargas estava um verdadeiro caldeirão cultural. Tudo provocado pela inauguração do “Mercado Cultural”, que aconteceu oficialmente às 19h. Era mais quem queria contar algum fato, vivenciado quando o Mercado Municipal ali funcionava antes de pegar fogo na década de sessenta. Quem não estava preocupado com os fatos de antigamente, eram os funcionários da Fundação Iaripuna cuja preocupação maior, era preparar o ambiente para receber o público convidado para a festa de inauguração. Enquanto o Tatá presidente da Iaripuna ora atendia a imprensa, ora dava ordens aos seus auxiliares, as professoras Ena Lago e Nadir Brasil chegaram para conferir a arquitetura do prédio. “Está muito bonito isso aqui”. E assim as opiniões iam se revezando, com a maioria sendo a favor da reforma feita pela prefeitura municipal de Porto Velho. 

Sentado em frente à Banca de “Revista do Palácio”, dirigida pela Lindomar Ferreira do Nascimento, estava o taxista Francisco Aleixo da Silva mais conhecido como Aleixo. Lembrei que o conheço desde os tempos em que minha mãe e a mãe dele eram banqueiras na feira livre. Depois de convencê-lo a dispensar algumas corridas de táxis, comecei a entrevista-lo a respeito da nossa querida Porto Velho do tempo que ele aqui chegou no inicio da década de 1950. O ex Grão Mestre da Maçonaria – Grande Oriente, não se faz de rogado e passou a nos relatar fatos que já não lembrávamos como o incêndio ocorrido em 1954, que queimou todas as casas existentes na rua Joaquim Nabuco entre a Pinheiro Machado e a Carlos Gomes. “Nossa casa ficava justamente, em frente ao prédio onde até pouco tempo foi o Diário da Amazônia”. Depois nos falou do Clipper do João Barril, onde funcionou o Arara Bar. A viagem foi das mais proveitosas, pois segundo Aleixo, as recordações afluíram em sua mente, ao entrar no Mercado Cultural e se deparar com fotografias da Porto Velho antiga. “Eu faria diferente. Construiria o mercado todo, como ele era antigamente. Claro que você não vai poder tirar esse prédio Rio Madeira, que foi construído por pessoas não comprometidas com a história da cidade. Agora, nesse pedaço que foi feito, que é louvável, eu faria todo ele em miniatura, colaria mais box. Ta bonito na fachada essas coisas todas. Só que dá a impressão que a construção está inacabada porque falta a parte do outro lado da rua a parte de trás, vamos dizer assim. Pelo menos vai servir de referencia para nossos filhos e netos saberem como era a arquitetura do Mercado Público Municipal que foi transformado em Mercado Cultural”. O táxi do Aleixo tem o número 0545.



                         E N T R E V I S T A


Francisco Aleixo da Silva. O Grão Mestre - Taxista  - Gente de Opinião
Zk – Você é rondoniense?

Aleixo
– Rapaz sou do interior do Amazonas, lá pra’s bandas de Mirari, Ilha Grande. Meus avós vieram do Ceará e se estabeleceram naquela região e ali nossa família cresceu.

Zk – E Porto Velho?

Aleixo
– Vim para Porto Velho com sete anos de idade. Isso foi em 1949, já que nasci em 1942. Meu pai achou por bem vir para Porto Velho, até porque ele queria que a gente estudasse coisa que era quase impossível de acontecer se ficássemos no beradão.

Zk – Ao chegar a Porto Velho seus pais foram trabalhar com que?

Aleixo
- A feira livre era justamente na Sete de Setembro com a Farquar naquela ladeirinha que começa justamente na Farquar no rum da beira do rio. Na realidade a feira ficava entre a Estação da Madeira Mamoré e a Farquar pela Sete de Setembro.

Zk – O que você recorda dessa feira?

Aleixo
– Lembro que a feira era realmente do agricultor, naquele tempo o governo do Território Federal do Guaporé através do Serviço de Navegação do Madeira – SNM, tinha o Serviço que era conhecido como “A Lancha do Beradão” fazia a navegação de São Carlos até Porto Velho pegando os beradeiros e seus produtos como frutas, verdura, carne caça, farinha e tudo que era produzido e colhido nas localidades ao longo do trecho citado. De 15 em 15 dias a lancha ia até Tabajara e a gente chamava de lancha do Machado com o mesmo objetivo.

Zk – E os colonos ao longo da Estrada de Ferro Madeira Mamoré?

Aleixo
– Nesse caso tinha o Trem da Feira, que trazia os produtos dos agricultores que moravam as margens da Estrada no trecho entre o Teotônio e Porto Velho, vale salientar que esses agricultores trabalhavam mais com grãos como feijão, milho arroz e principalmente com farinha de mandioca, quem é daquele tempo deve lembrara da famosa farinha produzida pelo Jorge Alagoas. A feira funciona quinta, sexta e sábado até o meio dia.

Zk – Então seus pais eram feirantes?

Aleixo
– É isso mesmo. Minha mãe era banqueira quer dizer, tinha banca de venda de comida e meu pai era carroceiro.

Zk – Você estudou em qual colégio?

Aleixo
– Fiz o primário no Grupo Escolar Barão do Solimões e justamente quando eu estava terminando o primário, meu pai resolveu voltar para o interior e como eu era muito apegado à família não quis ficar na cidade, apesar de já ter alguns parentes residindo em Porto Velho.

Zk – De volta ao interior, você fazia o que?

Aleixo
- Aí fui cortar seringa, fui ser agricultor. Na realidade, a colocação que nós fomos apesar de ficar na beira do Madeira, tinha um seringalzinho também, além de outras atividades agrícolas. A gente plantava o que dava para sobreviver. Era a famosa lavoura para sobrevivência, inclusive tabaco.

Zk – Fala sobre a experiência como seringueiro?

Aleixo
– Foi uma experiência que não foi por muito tempo, porque nós mudamos depois pra outra localidade. Eu diria que foi uma experiência não muito agradável.

Zk – Por que?

Aleixo
– Teve uma época que peguei malária que naquele tempo a gente chamava de “sezão”. Bom, a malária quando não é tratada direito, ela vai e volta. Acontecia que na época que atuei como seringueiro, saia para a estrada por volta das cinco horas da manhã, poronga na cabeça, jamaxim nas costas e calçado em sapato de seringa (todo de borracha). Acontece que quando chovia e eu pisava numa poça de água o sapato enchia d’água sentia aquele calafrio, mesmo assim eu continuava a cortar quando chegava em casa era tremendo de frio. Minha mãe fazia um chá bem forte e eu tomava, suava, passava a febre e então voltava para a estrada de seringa para colher o leite. Por isso digo que foi uma experiência não muito agradável.

Zk – E quando foi que você veio definitivamente para Porto Velho?

Aleixo
– Voltei para Porto Velho quando vim servir o exército. Fiquei no beradão até meus 19 anos de idade. Bom, ainda no interior, fui serrador de madeira a base do serrotão, serrava para produzir tábuas e eram usadas na construção das casas da localidade onde morávamos. Fiz também carvão e mandava pra vender em Porto Velho.

Zk – O nome dos pais?

Aleixo
– Minha mãe que ainda está viva chama-se Rosaura Aleixo da Silva e meu pai (já falecido) Benedito Farias Lima.

Zk – Você me disse que sua mãe foi banqueira na feira. Fala sobre as feiras que existiram em Porto Velho no tempo que sua mãe era banqueira?

Aleixo
– Como já disse, a primeira feira foi na ladeira da Sete com a Farquar; depois minha mãe botou banca na feira que funcionou em frente ao palácio e que hoje é a Praça Getúlio Vargas. Depois a feira passou pra onde hoje é o mercado Central e por algum tempo funcionou na rua do Coqueiro (Euclides da Cunha) entre o Clube Ferroviário e a Usina de Luz, na realidade quando a feira funcionou ali na rua do Coqueiro o clube que tinha lá era o Internacional. Enquanto minha mãe fazia e vendia comida, meu pai já era pescador na cachoeira do Teotônio.

Zk – E você fazia o que?

Aleixo
– Eu fazia saco pra vender. Era assim, a gente ia onde estavam construindo e comprava os sacos de cimento vazio, batia pra tirar o resto de cimento, separava as folhas e transformava em saco onde as pessoas colocavam as compra. Meu pai fazia uns tabuleiros pequenos e eu saia vendendo, banana, mingau e rabuçada.

Zk – Que diacho é rabuçada?

Aleixo
– Era um bombom que minha mãe fazia e era enrolado num papel grande, como sobrova muito papel de um lado e de outro do bombom, a gente chamava de “rabuçada” que era o rabo do bombom. Então eu diria que foi uma infância feliz. Até porque, isso aqui, eu diria, que era um paraíso. Apesar de não termos naquele tempo o intercâmbio que se tem hoje com outros estados de onde chegam produtos de primeira necessidade, em compensação, hoje vivemos apreensivos com a falta de segurança.

Zk – Você morou aonde em Porto Velho?

Aleixo
– Quando viemos do interior e estava com sete anos de idade, meu pai fez uma casa na rua Joaquim Nabuco que estava começando a ser aberta. Nossa casa ficava justamente em frente onde até bem pouco tempo funcionou o Dário da Amazônia perto da Pinheiro Machado. Era uma casa de taipa (barro) coberta de palha. Passado um tempo aconteceu um incêndio que queimou todas as casas da Joaquim Nabuco que ficavam entre a Pinheiro Machado e Carlos Gomes.

Zk – Incêndio grande?

Aleixo
– O pior foi que meu pai não estava em casa, ele ainda era carroceiro e bebia muito e estava justamente bebendo num local do centro da cidade quando alguém chegou avisando do incêndio e ele apenas respondeu. Que nada, Deus toma conta de tudo. Eu estava na escola e minha irmã Raimunda Gelcinda era muito pequena, minha mãe muito doente com um problema no seio em cima de uma cama, se o pessoal não chegasse logo era teria morrido queimada. Eu fiquei só com a farda da escola.

Zk – E vocês foram pra onde?

Aleixo
- Nunca esqueci. Fui com o prefeito da cidade pedir um sapato e ele me deu um bilhete autorizando ao seu Manoel Português da Sapataria Moderna a me entregar um sapato. Minha professora dona Odaléa Sadek me deu umas roupas que pertenciam aos seus filhos mais velhos Fred e Fernando. Graças à solidariedade do povo, conseguimos alguma coisa. Aí fomos morar numa estância que ficava na Sete de Setembro com a Joaquim Nabuco onde moramos até reconstruir nossa casa que havia pegado fogo.

Zk – Daquele tempo quais as recordações da Porto Velho?

Aleixo
– Olha, de diversão, tinha o Cine Avenida que era mais conhecido como Cine Lacerda e ficava onde hoje é o Banco Real na Sete de Setembro; tinha o Cine Teatro Reski. Lembro do Clube Internacional que eu ficava olhando todo mundo dançado vestido de linho branco e tinha o futebol que era o que mais empolgava a gente. Tinha o Clube Ypiranga depois veio o Bancrévea quando eu já era rapazinho e o Imperial.

Zk – O Imperial era o clube mais popular?

Aleixo
– Do Imperial me recordo mais, porque, por algum tempo morei na Baixa da União local onde ficava o Clube que era dirigido pelo Alumínio. Tinha um detalhe, o Imperial, acho que foi o primeiro clube particular, quero dizer, não tinha quadro de associados como os demais, o Imperial era do seu Geraldo Siqueira o popular Alumínio.

Zk – Por que vocês foram morar na Baixa da União?

Aleixo
– Acontece que quando meu pai resolveu voltar para o interior vendeu a casa da Joaquim Nabuco e quando voltamos fomos morar na Baixa da União. Hoje (dia 15 passado), entrei ali no Mercado Cultural, vi aquelas fotos e embarquei numa maravilhosa viagem pela Porto Velho do meu tempo de criança e adolescente. No tempo que a gente era feliz e não sabia.

Zk – Depois que você deu baixa do exército foi trabalhar aonde?

Aleixo
– Fui trabalhar na primeira empresa que vendeu máquinas pesadas em Porto Velho a Rondomarsa que era do seu Aurélio Monteiro de Paula tio do Manelão da Banda do Vai Quem Quer. De lá fui trabalhar numa mineradora onde fiquei por 26 anos.

Zk – E o taxista existe desde quando?

Aleixo
– Quando a mineradora fechou definitivamente comprei um táxi e passei a trabalhar na praça como motorista de táxi, profissão que exerço até hoje.

Zk – Voltando um pouco no tempo. Quando sua mãe era banqueira na feira, qual o prato mais procurado pela freguesia?

Aleixo
– Minha mãe era famosa no preparo de tartaruga. O governador morava justamente na casa onde hoje é o memorial Jorge Teixeira e quando ele sabia que minha mãe estava preparando tartaruga, mandava seu ajudante de ordem comprar na banca da mamãe.

Zk – E o seu Benedito o carroceiro?

Aleixo
– Na realidade ele era meu padastro que eu considerava como pai porque foi ele quem me criou desde criancinha. Bom, ele transportava em sua carroça puxada por um boi, tudo quanto era mercadoria que desembarcavam do trem da Madeira Mamoré, dos navios da SNAPP e da lancha dos beradeiros. Era o chamado carreto. Naquele tempo quem tinha um carro aqui era considerado Rei.

Zk – Por exemplo?

Aleixo
– Lembro que o Célio tinha um caminhão que transportava tudo, desde torcedor para o campo do Ypiranga até caixão de defunto, sem esquecer de que era usado, para levar pessoas para os banhos que existiam naquele tempo e no tempo da política levava os correligionários aos comícios.

Zk – Vamos falar mais sobre o taxista?

Aleixo
– Quando a mineradora fechou, não consegui um emprego que pelo menos empatasse com o que eu ganhava, então, como já estava com a idade um pouco avançada, disse pra mim mesmo, se é pra ganhar mixaria, vou trabalhar no que é meu. Foi quando adquiri uma concessão, comprei o carro e to na praça há 15 anos.

Zk – Você lembra onde eram os pontos de táxis, antes de você se tornar taxista?

Aleixo
– Os primeiros pontos de táxis que conheci. Um ficava em frente ao Correio e o outro na praça Jonathas Pedrosa, no meio da Sete de Setembro entre o Bar Arara na esquina da Presidente Dutra e a Casa das Canetas na esquina da Prudente de Moraes, também os taxistas faziam ponto embaixo do pés de benjamim que foram derrubados quando o Odacir Soares foi prefeito em 1970.

Zk – Que bar Arara era esse?

Aleixo
– Trabalhei no Arara Bar e não bar Arara, que funcionava num Clipper que ficava bem no meio da Avenida Sete de Setembro, esquina com a Presidente Dutra em frente ao edifício Sônia Maria (onde hoje é a loja Baú Barateiro). Eu era especialista em fazer “Abacatada”.

Zk – E a maçonaria?

Aleixo
- Quando ainda trabalhava na mineradora, fui convidado a entrar para a maçonaria e aceitei isso em 1980. Exerci alguns cargos inclusive, fui Grão Mestre estadual. Sou da Grande Oriente.

Zk – Para encerrar. Como é que você vê como taxista, essa polêmica sobre os moto taxistas. A entrada desse tipo de transporte de passageiros prejudica os taxistas?

Aleixo
– Você tocou numa coisa muito séria. Aprendi a ver as coisa por um ângulo geral. Embora não faça política eleitoreira, aprendi a ver as coisas de um modo geral. Então, não tenho nada contra o moto táxis e nem quem queira ganhar seu dinheiro. Acontece que estamos muito longe, não temos uma cultura desse transporte ainda. Estamos muito longe de termos um trabalho de respeito, de segurança para o usuário. Além de também, não termos uma cultura de trânsito. Posso até dizer que a maioria dos condutores de veículos são irresponsáveis, não estou me referindo apenas aos moto taxistas, estou me referindo aos condutores de um modo geral.

Zk – Sim?

Aleixo
– Não sei de quem é a competência, porém, sinto que o trabalho de moto táxis ainda não cabe em Porto Velho, pelo de fato de que é um transporte muito perigoso. Diria que seria uma insensatez pra não dizer irresponsabilidade, de quem autorizar esse transporte, da maneira que está sendo feito. É preciso que se faça uma campanha explicando o risco que a pessoa corre ao utilizar esse tipo de transporte. A maioria prefere economizar R$ 5 sem pensar que pode vir a gastar um milhão ali adiante num hospital e até um óbito. O interessante é que ninguém vai aos meios de comunicação esclarecer isso. Só vão para influenciar no sentido que isso seja feito o que está faltando é informação correta para o público.

Zk – Prejudica a renda do taxista?

Aleixo
– De jeito nenhum. Quem anda de táxis, os meus fregueses não andam de moto.

Zk – Você é casado com quem. E filhos?

Aleixo
– Sou casado com a dona Maria Helena Salvaterra da Silva com quem tive um casal de filhos, Alexandre Salvatierra da Silva e a Francilena Salvatierra da Silva que nos deram seis netos.

Fonte: Sílvio Santos / www.gentedeopiniao.com.br / www.opiniaotv.com.br 
zekatracasanatos@gmail.com 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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