Domingo, 3 de setembro de 2006 - 07h52
No tempo que Dourado
era peixe de 3ª
Um dia desses encontrei o seu Geraldo no ponto de ônibus que fica em frente ao Mercado Central pela avenida Farquar, ao cumprimenta-lo aproveitei para conversar um pouco sobre suas atividades de peixeiro. Na realidade conheci seu Geraldo ainda na minha infância quando juntamente com o hoje vendedor de peixe no Mercado Central Pimentel, era saqueiro (vendedor de saco de papel) na feira. Durante a conversa ele lembrou da minha querida e saudosa mãe dona Inez que também foi "banqueira" (vendedora de comida) na feira. Como o ônibus que ele estava esperando apontou na cabeceira da ladeira, me apressei em saber seu endereço e marcar uma entrevista, "Aí vamos contar sua história de pioneiro para os leitores do Diário da Amazônia", disse, ele prontamente aceitou, só não marcamos o dia nem a hora, passada mais de uma semana daquela primeira conversa, fomos até a rua Aroeira, 5757 no Conjunto Cohab Floresta. "Moro aqui com meu genro". Gravamos a entrevista, onde lembramos da Porto Velho no tempo em que a Farquar, da Sete de Setembro, até a Pinheiro Machado, era cheia de pé de manga. Do tempo em que a procissão de São Pedro era um acontecimento, que mobilizava quase todos os habitantes da cidade. Da política dos cutubas e pele curtas. "Fui pele curta desde o tempo do Renato Medeiros até o Jerônimo Santana. Assisti aquela tragédia da caçamba na eleição que o Renato ganhou do Enio Pinheiro". No tempo que tartaruga era vendida na feira e que dourado era considerado peixe de terceira. " ninguém queria comprar dourado que chamado de bananeira". É claro que na entrevista ficamos sabendo da viagem do Ceará a Porto Velho na época da 2ª guerra e sobre o trabalho do seu Geraldo nos seringais e como garimpeiro de diamante. "Eu e mais sete companheiros, andamos de São Pedro a Pimenta Bueno". E assim a conversa fluiu e o resultado está na entrevista que segue.
Zk – O senhor veio para Rondônia em que ano?
Geraldo – Vim pra cá na época da guerra, em 1943. Sou cearense de Jacarau que fica perto de Sobral
Zk – Fale sobre sua viagem de Jacarau até Porto Velho?
Geraldo – Viajamos de caminhão de Jacarau pra Fortaleza de onde fomos também de caminhão pro Piauí, daí pegamos um trem rumo ao Maranhão. No Maranhão passamos uns dias até marcar a viagem, isso porque tinha que se livrar do submarino.
Zk - Vocês chegaram a ser atacado pelo submarino?
Geraldo – Do Maranhão para Belém o submarino botou no navio que a gente vinha e quase a gente vai pro fundo. De Belém fomos para Manaus e de Manaus viemos para Porto Velho na Chata Cuiabá.
Zk – Ao chegar aqui o senhor foi contratado para trabalhar em qual seringal?
Geraldo – Fui trabalhar no seringal do Augusto Leite no alto Jacy Paraná.
Zk – Como era que vocês, considerados seringueiro "brabo", faziam para se adaptar a nova vida, a um tipo de trabalho nunca praticado ou até visto?
Geraldo – Quando a gente chegava ao seringal o gerente colocava uma pessoa para nos ensinar sobre o trabalho. Colocar madeira em pique, cortar seringa, tirar o leite, defumar, ensinava tudo.
Zk – Quanto tempo o senhor passou no seringal?
Geraldo – Ainda passei uns quatro anos.
Zk – E depois?
Geraldo – Depois fui para o garimpo.
Zk – Fale sobre essa aventura?
Geraldo – Eu mais sete homens andamos de São Pedro até Pimenta Bueno (aproximadamente 500 quilômetros) e olha que não tinha estrada, era só o varadouro, em Pimenta construímos uma ubá (canoa) de samauma e descemos o rio em busca de diamante. Fiquei nessa luta como garimpeiro de diamante, por aproximadamente três anos, tirei um pouco de diamante e só não fiquei mais tempo, porque fui acidentado (mostrando uma cicatriz na perna que teria sido feita com um golpe de terçado) e foi então que resolvi vir para Porto Velho e aqui chegando, entrei para a Colônia de Pesca.
Zk – Quando o senhor ingressou na Colônia de Pescadores, aonde funcionava a feira livre?
Geraldo – Quando comecei com venda de peixe, a feira funcionava num mangueiral que ficava perto do Ferroviário, ali a gente botava banca de vender peixe, trabalhamos também no Cai N´água, até que construíram um galpão coberto onde passou a funcionar a feira livre de Porto Velho.
Zk – A feira funcionava todos os dias?
Geraldo – Naquele tempo a feira só funcionava durante três dias, quinta, sexta feira e sábado até o meio dia.
Zk - Os produtos vendidos na feira, vinham de onde?
Geraldo – Era o seguinte, tinha a lancha do beiradão e o trem da feira. A lancha era do Serviço de Navegação do Madeira – SNM, que vinha de São Carlos pegando os beradeiros e suas mercadorias até Porto Velho aonde chegava toda sexta feira. Era banana, galinha, porco, macaxeira, verdura e até caça. Já o trem da feira, chegava quinta feira e trazia a produção dos colonos da Cachoeira do Teotônio até Porto Velho. A produção do pessoal do Teotônio era mais a farinha, inclusive uma das farinhas mais famosas era a produzida pelo Jorge Alagoas.
Zk – Os próprios colonos eram quem vendiam as mercadorias?
Geraldo – Justamente! Até enquanto a feira funcionou apenas nos três dias, a mercadoria era vendida pelos próprios colonos e beradeiros. Depois que a feira ficou permanente, quando chegavam sábado eles vendiam para aqueles que tinham ponto fixo na feira que funcionava onde hoje, é o Mercado Central, aí mercadoria ficava mais cara,
Zk – O senhor insiste em falar colonos e beradeiros. Por que?
Geraldo – Porque era assim que a gente chamava, por exemplo, colonos eram os que traziam mercadoria no trem da feira que vinha da Cachoeira do Teotônio pra cá e cujo produto principal era a farinha, além de feijão, arroz e frutas. Já o pessoal que vinha na lancha do Território, era chamado de beradeiro porque morava na beira do Rio Madeira, eles vinham do beiradão.
Zk – E quando foi que a feira passou a ser permanente?
Geraldo – Quando o mercado municipal pegou fogo, a prefeitura alojou alguns comerciantes no galpão da feira. Quer dizer, adequou o barracão. Aquele barracão era todo aberto e foi preciso fechar e dividir em boxe para alojar os comerciantes do mercado. Aí a feira deixou de ser feira e passou a ser chamada de Mercado Central. Pois é rapaz, no alto rio Pimenta Bueno.
Zk – Voltamos ao garimpo, Por que?
Geraldo – Pois é, no Alto Pimenta quando eu fui, nós andamos em maloca de índio, índio brabo que quando o tuxaua mandava ele falar com a gente, parecia que ele queria era morder a gente. Eles falavam, mas era se tremendo todinho. Para agradar os índios a gente distribui cigarro, agora, se desse cigarro pra um tinha que dar pra todos. Lá em Jacy quando eu tava cortando seringa eles me experimentaram.
Zk – De que maneira?
Geraldo – Eles derrubavam a tigela de leite pra ver o que eu fazia, como eu já estava ensinado, não falava nada.
Zk – Já que o senhor voltou a falar em seringal. O senhor era considerado seringueiro bom de serviço.
Geraldo – Cheguei a fazer uma tonelada de borracha numa temporada (seis meses).
Zk – Como é a vida do seringueiro no local onde corta seringa?
Geraldo – Geralmente são dois seringueiros por localidade. No meu caso, a gente morava numa tapera (casa) suspensa do chão para evitar o ataque de onça. Cada seringueiro é responsável por três estradas. A gente sai cortando da primeira pra terceira e para conservar a seringueira, a gente não volta cortando, quer dizer, quando chegamos na terceira estrada, temos que voltar a cortar da primeira estrada. Cada temporada demora seis meses, aí a gente vem embora pro barracão, é o período das chuvas. O seringueiro é meio adoidado, ele conversa sozinho, quando ele vai colher o leite e tem uma tigela cheinha, ele conversa com a seringueira (árvore), agradece, agrada, abraça, é assim.
Zk – O senhor disse que a casa é alta para evitar ataque de bicho. O senhor alguma vez foi atacado por onça?
Geraldo – Não, mas cheguei perto de ser. Uma vez o companheiro me convidou para ir numa festa no barracão e eu não aceitei. Não aceitei porque embaixo da minha casa dormia uma onça e como é que eu ia entrar quando voltasse da festa. A bicha esturrava debaixo do assoalho chega estremecia a terra, eu com a lamparina acesa, com a espingarda carregada ficava só escutando lá de cima.
Zk – É verdade que quando o seringueiro não era bom de serviço o patrão seringalista lhe tomava a mulher e dava prum seringueiro bom?
Geraldo – Não é da minha época, mas, o pessoal falava que realmente era assim. Tem até uma estória que ouvia muito.
Zk – Que estória?
Geraldo – Contavam que certa vez, o gerente mandou dois capangas buscar a mulher de um seringueiro. Chegaram na casa do seringueiro e disseram que o gerente havia mando buscar a mulher dele, o seringueiro chamou a mulher e mandou que ela se arrumasse pra ir embora. Acontece que ele foi até o quarto e combinou com a mulher, que quando chegasse em determinado local do rio ela desse um jeito de se abaixar porque ele ia matar o piloto e o proeiro. Acontece que lá, tem estrada de seringa, que fica bem na beira da curva do rio. Bom! Quando chegou no local combinado, a mulher se abaixou e ele disparou a espingarda matando os dois capangas. Pegou o motor e foi embora com sua mulher e o motor do patrão.
Zk – Dizem que seringueiro que tinha saldo no fim do ano, recebia, mas não gastava o dinheiro. É verdade isso?
Geraldo – Verdade verdadeira, o cara tirava saldo e eles mandavam os capangas matarem o seringueiro na curva do rio e trazer o dinheiro de volta pro patrão.
Zk – E como foi que o senhor se transformou em peixeiro?
Geraldo – Comecei indo na beira do rio comprar peixe, fazia aquelas enfieiras e saia vendendo na rua. Depois o Capitão do Porto o Tenente Santana proibiu. O cara só podia entrara na canoa para mexer com peixe se fosse matriculado. Aí eu arranjei um cara que pescava o Adelcio (do Areia Branca) e ele testemunhou a meu favor dizendo que eu pescava junto com ele e aí me associei a Colônia de Pescadores Z-1 que depois foi batizada como Colônia de Pesca Z-1 Tenente Santana.
Zk – O senhor realmente era pescador?
Geraldo – Teve uma época que fui, depois deixei. A gente pescava por esse Rio Madeira todinho. O Adelcio era bom de tarrafa. Pois é, foi uma vida meio sofrida, como falei pra você, quando eu vinha no navio era 160 homens e foi ali que vi homem chorar, o comandante distribuindo salva vida pros caras e o navio correndo pra trás perseguido pelo submarino. De manhã chegou uma destroy e uma esquadra de avião que escoltou o navio até Belém. Pra mim aquilo não era o alemão era obra de americano para forçar o Brasil entrar na guerra.
Zk – É verdade que no seu tempo de peixeiro o Dourado (peixe) não tinha valor nenhum?
Geraldo – Rapaz! Cansei de oferecer Dourado e o camarada dizia, eu quero la esse peixe nada, não vou comer bananeira (os peixes, dourado e filhote na época, eram chamados de bananeira), ninguém queria, hoje em dia ta custando dez reais o quilo o que acho um absurdo. Tambaqui era de 15 quilos pra cima, hoje a gente vê Tambaqui que mais parece um Pacu. Tinha Tambaqui que vinha do alto Guaporé que pesava até 40 quilos.
Zk – Quais outros peixes que eram rejeitados pelos fregueses?
Geraldo – Pirara e Jaú não iam nem pra banca porque ninguém comprava. A gente, quando pegava uma Pirara tirava o couro que tinha uma catinga muito forte, e da carne fazia filé, levava pra banca e vendia todinha como se fosse filé de Surubim. A carne da Pirara é muito saborosa. Por falar em Surubim, ele era o peixe considerado de primeira na época, hoje ainda é. O Dourado era peixe de terceira, ninguém queria comprar.
Zk – Qual o melhor peixe de couro?
Geraldo - Pra mim o melhor peixe de couro, é o Filhote. No meu tempo, só podia vender peixe quem era matriculado, hoje em dia todo mundo vende.
Zk – Como vocês faziam para conservar o pescado já que naquela época não existia grigorifico. Até para se comprar gelo era difícil?
Geraldo – Peixe fresco só mesmo que se pegava na Cachoeira do Teotônio, os que vinham de longe, era tudo salgado, não tinha outro meio para conservar.
Zk – O Senhor foi presidente da Colônia de Pescadores por quatro mandatos. Quais os benefícios dos associados da Colônia de Pescadores?
Geraldo – Acho gozado, que fui presidente por quatro mandatos e naquele tempo não tinha fábrica de gelo e a Colônia dava toda a assistência aos associados, hoje não sei se ainda estão dando pelo menos o caixão pros que morrem. A procissão de São Pedro vixe...
Zk – Realmente a procissão de São Pedro era mais concorrida. Fale sobre essa programação?
Geraldo – Então, a Colônia com o apoio da Capitania dos Portos promovia uma grande programação, tinha cabo de guerra, tinha corrida de barco, corrida de canoa. Para a procissão, o Capitão dos Portos requisitava todos os barcos ancorados no porto de Porto Velho e todos acompanhavam a procissão, e a população participava. Eu como presidente da Colônia, oficiava a Banda de Música da Guarda Territorial, o Governo, a Prefeitura a Brigada, era muito bonita a procissão. Esse ano o rapaz falou pra mim que tinha só três barcos.
Zk – Além de peixe o senhor também vendia tartaruga e tracajá na feira?
Geraldo – Era muita fartura, cansei de comprar do Valeriano vagão de trem cheio de tartaruga, eu e o Colares. Lá onde te falei, nas mangueiras, a gente fazia o curral e colocava as bichas, pela manhã a cansou de encher baldes de baldes com ovo de tartaruga e tracajá pra vender na feira. Naquele tempo aos domingos, Porto Velho era empestada com o cheiro de casco de tartaruga assado.
Zk – Para encerrar. O que o senhor acha, desse momento político pelo qual Rondônia está passando, com muitos políticos acusados de corrupção?
Geraldo – É uma vergonha. Naquele tempo não tinha nada disso, sabe por que? Porque os políticos eram daqui mesmo. Hoje vem todo mundo de fora e só pensam em ganhar dinheiro. Fazem qualquer coisa por dinheiro e deu no que deu, essa sujeira todinha. Onde já se viu, até Desembargador uma autoridade competente, entrar numa cagada dessa, Parece o programa do Silvio Santos "Tudo por dinheiro".
Zk – Fale da sua família?
Geraldo – Sou viúvo duas vezes. Casei com a Lucimar uma paraense que conheci aqui em Porto Velho e quando ela morreu, casei com a Marina Alda. Foram sete filhos, quatro no primeiro casamento e três no segundo.
Zk – O senhor estar com quantos anos?
Geraldo – 84 anos, sou de 22 de junho de 1922. Não bebo e nem fumo, mas gosto de dançar forró, todo domingo to por aí, principalmente naquele forró da Pinheiro Machado. Ainda dou minhas namoradinhas.
zekatraca@yahoo.com.br
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