Domingo, 5 de dezembro de 2010 - 07h29
...Durval, esquecendo aquela sua pacatez peculiar, deu um salto por sobre os degraus da escada e lá de baixo fez um desafio para o resto da turma:
- agora, cambada, vamos arrastar esta minhoca até lá em cima e de lá até a cidade, na marra...
Bom! Chegaram ao centro da cidade por volta das cinco horas da tarde mais pra lá do que pra cá, estacionaram o Jeep em frete a casa do Elias e haja luta para desembarcar a Boiúna que nada-mais nada-menos tinha aproximadamente 7 metros de comprimento. Era realmente uma Cobra Grande.
Como se fosse um troféu e no maior esforço do mundo Elias Juayed, Durval Gadelha, Câmara Lema e Zé Reis (Papagaio), colocaram a “Bicha” nos ombros e saíram exibindo pela Avenida Sete de Setembro local onde estavam acontecendo os desfiles carnavalescos naquele ano. Esse foi o primeiro desfile do Bloco da Cobra.
Ainda recorrendo ao livro “Gente da Gente” de Cláudio Batista Feitosa no capítulo “O Bloco da Cobra” (pág 127 a 143), encontramos a seguinte narração: “Nos domingos de carnaval, os cobreiros costumavam esquecer seus títulos, patentes, cargos ou funções, logo de manhã, ao ingressarem no “Templo da Boiúna ou da Cobra”: o prédio da usina de beneficiamento de arroz do cobreiro Abel Marques, ali na Av. Sete de Setembro, esquina com a Presidente Vargas. Antes aos sábados, organizavam-se os preparativos d um ritual especial ao qual se submetiam aqueles que ousassem candidatar-se ao ingresso, dia seguinte, no séquito da “serpente rainha e soberana”, indiscutivelmente uma aventura para macho, incrível, difícil e jamais esquecida!
Finalmente, vencidas as provações, neófitos e veteranos cobreiros se confraternizavam comendo e bebendo do melhor carneiro e do melhor uísque, até as cinco da tarde, horário em que costumavam receber a visita, incorporada, do Prefeito da Capital e do Governador do Território, o primeiro sobraçando a taça de campeão do carnaval do ano, cuja entrega era feita, em seguida, pelo segundo, sob os aplausos acalorados da maioria e de manifestações exageradas de alguns poucos, felizmente contidos pelos mais sóbrios. A entrega da taça por antecipação era um direito líquido e certo do Bloco da Cobra, ato considerado justo e perfeito pela maior parte dos cobreiros. Ali mesmo, para brindar o acontecimento a dita cuja taça (sempre em forma de cálice) passeava de boca em boca, inclusive das autoridades, com o melhor uísque escocês.
Despedidos os visitantes, a enorme cobra (agora uma alegoria empalhada), indócil, uma parte ainda no chão e a outra já trepada nos ombros de alguns cobreiros mais exaltados, aguardava o toque do clarim do Moraes e dom pipocar dos foguetes, para então, tendo a frente Raul Almeida ou Benedito Rondon vestido de baiana e portando um estandarte improvisado, sair orgulhosamente montada nos cobreiros, tisnados, vestidos de alegria e descontração, pelas ruas de Porto Velho, contagiando o público, enfeitando o carnaval. As crianças se assombravam, algumas mulheres menos avisadas desmaiavam de medo, mas, de um modo geral a população aplaudia a passagem entusiástica do Bloco da Cobra evoluindo, dançando sem ritmo, sem música, sem ordem e sem obediência ao rígido esquema de segurança da polícia e de apresentação das agremiações brincantes, planejado cuidadosamente pela Prefeitura Municipal que incluía passagem obrigatória perante o palanque oficial das autoridades”, escreve Feitosa. O interessante era que muitos dos cobreiros eram levados pela cobra, dado o alto teor etílico.
O ritual de introdução dos neófitos
Em virtude das condições sociais dos cobreiros, muitas pessoas faziam de tudo para entrar para o Bloco, coisa que não era tão fácil assim não.
Primeiro o candidato a cobreiro teria que ser apresentado por um membro antigo e conceituado entre os demais, passado nessa primeira etapa, teria que se submeter ao famoso teste, que geralmente acontecia no sábado de carnaval.
O teste consistia no seguinte: O carrasco (Manelão) ordenava que o candidato se posicionasse sentado em um tijolo no “Rabo da Cobra” enquanto o presidente ficava na “Cabeça da Boiúna”. Era servido ao candidato, primeiramente uma dose cavalar de uísque, uma de cachaça e uma jarra de cerveja, isso sem dar tempo ao cidadão de respirar. Engolida a última golada o Carrasco entregava ao candidato a famosa “914” que era a mistura de todas as bebidas disponíveis no recinto inclusive vinho. Manelão que foi o Carrasco por muitos anos, conta que muitos não conseguiam se levantar e ir receber o abraço de aprovado do presidente que estava postado na cabeça da Cobra. “Acontece que depois de beber toda aquela mistura o candidato tinha que seguir caminhando com as pernas entre a Cobra e sem poder tocar no couro até o presidente. Se ele conseguisse fazer esse percurso, era recebido como cobreiro no domingo de carnaval” conta Manelão.
Historias pitorescas dos cobreiros
O Dr. Abílio Nascimento conta Manelão, sempre conseguia ludibriar a diretoria da Cobra para não passar pelo teste etílico, Ele sempre apresentava um atestado médico dizendo que não podia beber bebida alcoólica porque era cardíaco. Isso durou uns três anos até que o presidente Hortência Simplício reuniu a turma e decretou: “Este ano o nego Abílio não escapa do teste”, dizendo isso virou-se para o Carrasco Manelão e deu a ordem: “Você é o responsável pela execução - executeis”. Por via das dúvidas o capitão Maravalha ou Carne Seca, nascido Francisco Braga de Paiva seringalista conceituado, providenciou 20 litros de leite de vaca in natura e entregou ao Manelão. Dr. Abílio teria que beber no mínimo 5 litros daquele leite. Na hora marcada lá estava o carrasco com o balde e uma jarra com um litro. “O Abílio tinha que beber de uma golada só”, foi a primeira tudo bem, serviu a segunda, na terceira ele começou a enguiar, mas conseguiu chegar até o fim. Na quarta jarra, ou seja, quarto litro de leite quase não termina, só terminou porque o carrasco usou de suas prerrogativas “terçadais”. O resultado disso tudo, foi que o Dr. Abílio não conseguiu desfilar pelo bloco naquele ano, em virtude de uma “caganeira” que o deixou sem poder levantar do vaso sanitário durante todo o domingo de carnaval.
Outra história contada pelo Manelão – O Dr Luiz Gonzaga além de membro do Bloco da Cobra era prefeito de Porto Velho quando o Coronel Guedes era o governador. No domingo de carnaval o João de Deus ficou na espreita da chegada do governador que iria entregar o troféu de campeão do carnaval daquele ano. “Era para o João nos avisar da chegada do governador para pararmos com a “putaria”. Acontece que João de Deus por três vezes gritou que o homem estava chegando, mas, era mentira. Quando o governador chegou de verdade o João de Deus gritou avisando e então o Luiz Gonzaga pensando que era mais uma brincadeira começou a “esculhambar” o governador de costas para a entrada, quando ele viu, Humberto da Silva Guedes bateu em seu ombro dizendo: “Vamos proceder a solenidade de entrega do troféu prefeito”!
Curiosidades do Bloco da Cobra
Após o couro daquela cobra morta no Tokilândia se acabar, o Capitão Maravalha passou a trazer todos os anos do seringal São Sebastião de sua propriedade, o couro de uma cobra que medisse pelo menos cinco metros.
Depois o Claudio Feitosa mandou fazer uma Cobra de Lona medindo 8 metros de comprimento por 1.5 metros de espessura, mais tarde teve que aumentar para 12 metros em virtude da quantidade de cobreiros que aumentava todo ano.
Uma das curiosidades do povo era querer saber qual a tinta que os cobreiros utilizavam para pintar seus corpos.
Acontece que Abel Marques, Claudio Feitosa, Hortêncio Simplício, Francisco Paiva e muitos outros cobreiros de ponta, faziam publicar no jornal Alto Madeira que “A tinta dos cobreiros era importada da Groelândia e era feita com óleo de baleia misturado com areia monazítica tirada das terras onde ficava o alambique da cachaça Mula Manca, na estrada que vai pra Guajará Mirim”. Muitos acreditavam nessa história.
Na realidade a tinta era uma mistura de óleo de cozinha com óxido de ferro – pó de ferro (que era conseguido nas oficinas da Madeira Mamoré). Depois de misturada com óleo de cozinha normal, rendia muito e era fácil de passar. “Tirar aquela tinta é que era difícil. Muitas vezes a gente passava de 15 dias ainda com a orelha preta”, lembra Claudio Feitosa.
Fonte: Sílvio Santos - zekatracasantos@gmail.com
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