Quarta-feira, 19 de setembro de 2018 - 23h55
‘O carrasco (Manelão) ordenava que o candidato se posicionasse sentado em um tijolo no “Rabo da Cobra” enquanto o presidente ficava na “Cabeça da Boiúna”. Era servido ao candidato, primeiramente uma dose cavalar de uísque, uma de cachaça e uma jarra de cerveja. Engolida a última golada, o Carrasco entregava ao candidato a famosa “914”, que era a mistura de todas as bebidas disponíveis no recinto inclusive vinho’
‘Acontece que Abel Marques, Claudio Feitosa, Hortêncio Simplício, Francisco Paiva e muitos outros cobreiros de ponta, faziam publicar no jornal Alto Madeira, que a tinta dos cobreiros era importada da Groelândia e era feita com óleo de baleia, misturado com areia monazítica tirada das terras onde ficava o alambique da cachaça “Mula Manca”, na estrada que vai pra Guajará Mirim’
Histórias do Carnaval em Porto Velho - V
O primeiro desfile do Bloco da Cobra
Vamos
continuar contando a história do carnaval em nossa cidade capital. Hoje
vamos falar sobre o primeiro desfile do Bloco da Cobra assim como
acontecia o ritual de introdução dos neófitos e fatos pitorescos que
ajudaram o Bloco da Cobra a despertar curiosidades em todos os foliões
de Porto Velho.
Primeiro desfile
...Durval Gadelha,
esquecendo aquela sua pacatez peculiar, deu um salto por sobre os
degraus da escada e lá de baixo fez um desafio para o resto da turma:
- Agora, cambada, vamos arrastar esta minhoca até lá em cima e de lá até a cidade, na marra?
Nem
mesmo acabou de falar, a turma já estava lá em baixo, com ele,
agarrando a cobra que ainda se mexia, resistindo à ação dos primeiros
COBREIROS que Porto Velho iria conhecer naquela tarde cinzenta de
domingo de carnaval. (Conta Cláudio Feitosa em Gente da Gente no
capítulo O Bloco da Cobra pág. 127 a 143).
Bom! Chegaram ao
centro da cidade por volta das cinco horas da tarde, mais pra lá do que
pra cá, estacionaram o Jeep em frete a casa do Elias e haja luta para
desembarcar a Boiúna que nada-mais nada-menos tinha aproximadamente 7
metros de comprimento. Como se fosse um troféu e no maior esforço do
mundo Elias Juayed, Durval Gadelha, Câmara Lema e Zé Reis (Papagaio),
colocaram a “Bicha” nos ombros e saíram exibindo pela Avenida Sete de
Setembro local onde estava acontecendo os desfiles carnavalescos naquele
ano. Esse foi o primeiro desfile do Bloco da Cobra.
Ainda
recorrendo ao livro “Gente da Gente” de Cláudio Batista Feitosa no
capítulo “O Bloco da Cobra” (pág 127 a 143), encontramos a seguinte
narração: “Aos domingos de carnaval, os cobreiros costumavam esquecer
seus títulos, patentes, cargos ou funções, logo de manhã, ao ingressarem
no “Templo da Boiúna ou da Cobra”: o prédio da usina de beneficiamento
de arroz do cobreiro Abel Marques, ali na Av. Sete de Setembro. Antes,
aos sábados, organizavam-se os preparativos de um ritual especial, ao
qual se submetiam aqueles que ousassem candidatar-se ao ingresso, no
séquito da “SERPENTE RAINHA E SOBERANA”.
Finalmente, vencidas as
provações, neófitos e veteranos cobreiros se confraternizavam comendo e
bebendo do melhor carneiro e do melhor uísque, até as cinco da tarde,
horário em que costumavam receber a visita, incorporada, do Prefeito da
Capital e do Governador do Território. O primeiro sobraçando a Taça de
Campeão do Carnaval do Ano. Em seguida, pelo segundo, sob os aplausos
acalorados da maioria e de manifestações exageradas de alguns poucos,
felizmente contidos pelos mais sóbrios. A entrega da taça por
antecipação era um direito líquido e certo do Bloco da Cobra, ato
considerado justo e perfeito pela maior parte dos cobreiros. Ali mesmo,
para brindar o acontecimento a dita cuja taça (sempre em forma de
cálice) passeava de boca em boca, inclusive das autoridades, com o
melhor uísque escocês.
Despedidos os visitantes, a enorme cobra
(agora uma alegoria empalhada), indócil, uma parte ainda no chão e a
outra já trepada nos ombros de alguns cobreiros mais exaltados,
aguardava o toque do clarim do Moraes e do pipocar dos foguetes, para
então, tendo a frente Raul Almeida ou Benedito Rondon vestido de baiana e
portando um estandarte improvisado, sair orgulhosamente montada nos
cobreiros, tisnados, vestidos de alegria e descontração, pelas ruas de
Porto Velho.
As crianças se assombravam, algumas mulheres menos
avisadas desmaiavam de medo, mais de um modo geral, a população aplaudia
a passagem entusiástica do Bloco da Cobra, evoluindo, dançando sem
ritmo, sem música, sem ordem e sem obediência ao rígido esquema de
segurança da polícia e de apresentações das agremiações carnavalescas,
planejado cuidadosamente pela Prefeitura Municipal de Porto Velho que
incluía, passagem obrigatória perante o palanque oficial das
autoridades”, escreve Feitosa.
O ritual de introdução dos neófitos
Em
virtude das condições sociais dos cobreiros, muitas pessoas faziam de
tudo para entrar para o Bloco, coisa que não era tão fácil assim não.
Primeiro
o candidato a cobreiro teria que ser apresentado por um membro antigo e
conceituado entre os demais, passado nessa primeira etapa, teria que se
submeter ao famoso teste, que geralmente acontecia no sábado de
carnaval.
O teste consistia no seguinte: O carrasco
(Manelão) ordenava que o candidato se posicionasse sentado em um tijolo
no “Rabo da Cobra” enquanto o presidente ficava na “Cabeça da Boiúna”.
Era servido ao candidato, primeiramente uma dose cavalar de uísque, uma
de cachaça e uma jarra de cerveja, isso sem dar tempo ao cidadão de
respirar. Engolida a última golada, o Carrasco entregava ao candidato a
famosa “914”, que era a mistura de todas as bebidas disponíveis no
recinto inclusive vinho. Manelão que foi o Carrasco por muitos anos,
conta que muitos não conseguiam se levantar para receber o abraço de
aprovado do presidente que estava postado na cabeça da Cobra. “Acontece
que depois de beber toda aquela mistura, o candidato tinha que seguir
caminhando com as pernas entre a Cobra e sem poder tocar no couro até o
presidente. Se ele conseguisse fazer esse percurso, era recebido como
cobreiro no domingo de carnaval” conta Manelão.
Historias pitorescas dos cobreiros
O
Dr. Abílio Nascimento, contava Manelão, sempre conseguia ludibriar a
diretoria da Cobra para não passar pelo teste etílico, ele sempre
apresentava um atestado médico dizendo que não podia beber bebida
alcoólica porque era cardíaco. Isso durou uns três anos, até que o
presidente Hortência Simplício reuniu a turma e decretou: “Este ano o
nego Abílio não escapa do teste”. Dizendo isso, virou-se para o Carrasco
Manelão e deu a ordem: “Você é o responsável pela execução -
executeis”. Por via das dúvidas o capitão Maravalha ou Carne Seca,
nascido Francisco Braga de Paiva, seringalista conceituado, providenciou
20 litros de leite de vaca in natura e entregou ao Manelão. Dr. Abílio
teria que beber no mínimo 5 litros daquele leite. Na hora marcada lá
estava o carrasco com o balde e uma jarra de um litro. “O Abílio tinha
que beber de uma golada só”, foi a primeira, tudo bem, serviu a segunda,
na terceira ele começou a ‘enguiar’, mas conseguiu chegar até o fim. Na
quarta jarra, ou seja, quarto litro de leite, quase não termina, só
terminou porque o carrasco usou de suas prerrogativas “terçadais”.
O
resultado disso tudo, foi que o Dr. Abílio não conseguiu desfilar pelo
bloco naquele ano, em virtude de uma “caganeira” que o deixou sem poder
levantar do vaso sanitário durante todo o domingo de carnaval.
Outra
história contada pelo Manelão – O Dr Luiz Gonzaga além de membro do
Bloco da Cobra era prefeito de Porto Velho quando o Coronel Guedes era o
governador. No domingo de carnaval, Dr. João de Deus ficou na espreita
da chegada do governador que iria entregar o troféu de campeão do
carnaval daquele ano. “Era para o João nos avisar da chegada do
governador para pararmos com a “putaria”. Acontece que João de Deus por
três vezes gritou que o homem estava chegando e era mentira. Quando o
governador chegou de verdade, João de Deus gritou avisando e então o
Luiz Gonzaga pensando que era mais uma brincadeira começou a
“esculhambar” o governador, de costas para a entrada, quando ele viu,
Humberto da Silva Guedes bateu em seu ombro dizendo: “Vamos proceder a
solenidade de entrega do troféu prefeito”
Curiosidades do Bloco da Cobra
Após
o couro daquela cobra morta no Tokilândia se acabar, o Capitão
Maravalha passou a trazer todos os anos do seringal São Sebastião de sua
propriedade, o couro de uma cobra que medisse pelo menos cinco metros.
Depois
o Claudio Feitosa mandou fazer uma Cobra de Lona medindo 8 metros de
comprimento por 1.5 metros de espessura, mais tarde teve que aumentar
para 12 metros, em virtude da quantidade de cobreiros que aumentava todo
ano.
Uma das curiosidades do povo era querer saber qual a tinta que os cobreiros utilizavam para pintar seus corpos.
Acontece
que Abel Marques, Claudio Feitosa, Hortêncio Simplício, Francisco Paiva
e muitos outros cobreiros de ponta, faziam publicar no jornal Alto
Madeira, que “A tinta dos cobreiros era importada da Groelândia e era
feita com óleo de baleia, misturado com areia monazítica tirada das
terras onde ficava o alambique da cachaça “Mula Manca”, na estrada que
vai pra Guajará Mirim”.
Na realidade a tinta era uma mistura de
óleo de cozinha com óxido de ferro – pó de ferro (que era conseguido nas
oficinas da Madeira Mamoré). Depois de misturada com óleo de cozinha
normal, rendia muito e era fácil de passar. “Tirar aquela tinta é que
era difícil. Muitas vezes a gente passava de 15 dias ainda com a orelha
preta”, lembra Claudio Feitosa.
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