Domingo, 15 de abril de 2007 - 07h13
Histórias de uma seringueira
No Dia de Reis do ano de 1915, nascia numa localidade que ficava às margens do rio Preto, localizado lá pra´s bandas de Calama, a dona Izabel da Costa Correia. Aos 92 anos, Izabel está lúcida, e diz que o segredo é comer uma caldeirada de tambaqui preparada com alfavaca e chicória. "Depois é deitar e dormir a sesta". Foi através da jovem Joelma (neta) que fiquei sabendo da existência da dona Izabel e quando a Joelma me disse que sua avó iria completar 92 anos de idade me interessei pela sua história, principalmente quando soube que ela havia trabalho nos seringais do rio Machado, Acontece que meu pai também trabalhou em seringais daquela área, pensei, se ela está com mais de noventa anos e veio para Porto Velho em 1945, com certeza conheceu meu pai. Fiquei tão emocionado ao entrevistá-la que esqueci de perguntar se ela conheceu o meu pai, coisa que só vim lembrar de novo quando estava digitando a entrevista que foi gravada. Bom, o que mais nos impressionou na dona Izabel foi a lucidez, ela lembra de detalhes da vida no seringal. "Quando cheguei lá, fui perguntar das mulheres, se existia mesmo esse tal de mapinguari, porque me fizeram muito medo dizendo que o bicho aparecia no terreiro da casa da gente". Essa estória de mapinguari fez com que dona Izabel chegasse a armar sua rede e a de seus filhos perto da comieira da casa. Você vai ter a oportunidade de conhecer as artimanhas usadas pela dona Izabel para se livrar do bicho que na realidade nunca viu e que depois ficou sabendo que não existe, "pelo menos pra´quelas bandas". Essa senhora que trabalhou na pensão do Mister Davis, local onde faziam refeições e se hospedavam os chamados "categas" que não conseguiam casa no bairro Caiari. Essa senhora que depois de cortar seringa, apanhar castanha e enfrentar a mata sem medo, que abriu caminho onde hoje passa a rua Carlos Gomes, a única coisa que conseguiu do governo foi uma aposentaria como lavadeira e olha que ela bem merecia coisa melhor, pela sua garra de seringueira, agricultora e acima de tudo, mãe. Se existem os soldados da borracha porque não darem uma aposentadoria também para a dona Izabel como "Soldada da Borracha", será que ela não merece uma comenda da câmara municipal, será que custa muito reconhecer as pessoas que ajudaram a construir nossa cidade, será que vocês notaram que ela é apenas seis meses mais nova que o município de Porto Velho? Dona Izabel mora desde quando a Carlos Gomes não existia e nem tão pouco a Salgado Filho justamente na confluência dessas vias em Porto Velho capital do Estado de Rondônia. Ela não precisa de ajuda, precisa apenas de respeito.
E N T R E V I S T A
Zk – A senhora nasceu aonde?
Izabel – Nasci na localidade de Rio Preto que fica acima de Calama pouquinha coisa. Tem a entrada do rio Machado Grande e tem a entrada do rio Preto.
Zk – A senhora lembra o ano do seu nascimento?
Izabel – Não lembro muito bem não, tem uma identidade aí que diz que nasci no dia 6 de janeiro de 1915, foi por aí mesmo.
Zk – O que a senhora lembra de sua infância e adolescência em Rio Preto?
Izabel – (Achando muita graça), Ah meu filho, lembrar do que já passou... Meu tio Manoel Chico, botava a gente pra carregar castanha, lá em Rio Preto tinha um castanhal muito grande, a gente trabalhava demais, não era brincadeira não, carregar castanha o dia todinho nas costas, só ia pra casa de noitinha.
Zk – Não existia maloca de índio por lá?
Izabel – Quando meu pai foi constituir família lá nesse Rio Preto onde eu nasci, o coronel Rondon já tinha andado lá dentro da mata amansando os índios.
Zk – Como é o nome dos seus pais?
Izabel – Felisberto Santana e Maria.
Zk – Bom, a senhora ficou morando nesse Rio Preto até quando?
Izabel – Fiquei por lá até me casar com José Cirilo da Costa Correia. Acontece que me casei muito nova e meu marido me levou para o seringal.
Zk – Qual foi o seringal?
Izabel – Seringal Santa Maria que era do compadre Barros. O Santa Maria ficava no Rio Machado Grande.
Zk – Que história é essa de Machado Grande?
Izabel – Acontece que esse rio que vocês conhecem apenas como Machado, na época a gente chamava de Machado Grande para diferenciar do rio Machadinho que é afluente do Grande. O Rio Machado Grande é o que passa em Ji-Paraná.
Zk – Quantos dias eram de Rio Preto até o seringal Santa Maria?
Izabel – Ai Santa Maria minha Nossa Senhora! (respirando fundo). Para chegar no seringal a gente ia de barco e quase de pé, porque é cachoeira uma em cima da outra e, cachoeira perigosa. Perigosa mesmo que pra pessoa entrar nela é preciso ser um bom prático (conhecedor do rio), se não fosse bom prático, entrava mas não saía.
Zk – Então como era que vocês faziam para atravessar as cachoeiras do Machado Grande?
Izabel – A gente saltava do barco, descarregava o batelão todinho, assim na beira e ia puxar o batelão no rumo de cima na base da corda, eu ajudei a puxar muito batelão. Eu era nova demais, tinha muita força, era uma cabocla cheia de vida e de vigor. Depois de atravessar o batelão a gente ia carregar a mercadoria que tinha ficado do lado de baixo ou de cima, conforme o destinho.
Zk – O seu marido trabalhava como seringueiro ou era do barracão?
Izabel – Uma hora ele era seringueiro, outra hora era mateiro. Quando não tinha gente pro patrão colocar, ele ia cortar seringa, quando chegava gente ele ia ser mateiro.
Zk – Ele era bom seringueiro?
Izabel – Era, cortava muito. Eu que tô gabando ele dizendo que ele era o melhor seringueiro que tinha lá dentro.
Zk – É verdade, que naquele tempo o cabra que não era bom seringueiro, o patrão tomava a mulher e dava para um seringueiro que era bom de corte?
Izabel – Eu vi falar nisso, mas nunca aconteceu, comigo não. Também nunca vi ninguém tomar a mulher pro outro.
Zk – A senhora chegou a cortar seringa também?
Izabel – Cortei, subi foi serra cortando seringa. Ele não queria que eu fosse cortar seringa e sair de casa, nem por brincadeira.
Zk – Por que ele não queria que a senhora saísse de casa?
Izabel – Era negócio dele mesmo. Mesmo ele não querendo eu saía pra cortar. Uma vez ele escutou um tiro e foi aquele estropício no meio da mata.
Zk – Que história de tiro é essa?
Izabel – Certa vez saí de casa e o nosso cachorro me acompanhou. Esse cachorro acuou um lote de porquinho e lá vem, lá vem os porcos querendo pegar o cachorro e o cachorro se vendo aperreado, correu no meu rumo e lá se vinha e eu que não sabia se era porquinho, disse pra mim mesmo, minha Nossa Senhora é uma onça, tanto era a quebradeira de pau que vinha do lado de lá. Agora me encontrei com a onça, eu pensava (achando graça), agora sim, bem que o homem não queria que eu saísse de casa, que ficasse em casa com os meninos, mas eu sou muito teimosa. Alívio foi quando vi que era porquinho, no local tinha um buraco de um tatu Canastra que o porco entrou, eu já tava com a espingarda armada pensando na onça, quando o porco entrou no buraco do Tatu eu apertei o dedo, ele ficou dentro do buraco.
Zk – E o maridão?
Izabel – Quando ele escutou o tiro, lá se vem ele pela mata numa carreira desesperada, chegou perto de mim com a língua de fora: que foi isso mulher? Não foi nada não, matei um porco que tá ali dentro do buraco, puxa ele pra fora e leva pra casa. Ele nervoso me deu um carão no meio da mata: Não quero mais que você saia de casa, ainda mais que o cachorro lhe acompanha e é perigoso pra você sozinha e a onça vai lhe pegar.
Zk – E a onça?
Izabel – Graças a Deus seu menino, eu andava por dentro da mata, juntava castanha, juntava coco, tirava cavaco pra ele defumar a borracha.
Zk – Como é o processo de defumar a borracha?
Izabel – Primeiro deixa um pouco de leite dentro da bacia, arma o pau que vai servir de guia, e vai jogando o leite em cima e a borracha vai sendo formada.
Zk – Qual o melhor cavaco pra fazer a defumação?
Izabel – A gente usava o coco babaçu, a borracha ficava cheirosa. A gente juntava o babaçu e metia na fornalha com casca e tudo.
Zk – Quanto dura para ser fazer uma pela de borracha de tamanho médio?
Izabel – Depende muito da quantidade de leite disponível. Em média a gente levava uns quatro cinco dias pra fazer uma pela bonita.
Zk – A senhora chegou a se encontrar com a tal onça que andava por lá?
Izabel – Não, graças a Deus. Olha, eu nunca me encontrei com onça, nunca me encontrei com cobra. Eu tinha um medo, meu Deus do céu, eu dizia, vou pro mato, pra estrada de seringa, mas vou com medo de cobra. A cobra nunca me pegou, mas, picou ele.
Zk – Qual foi a cobra?
Izabel – Foi essa surucucu pico de jacá, essa cobra danada. A picada foi na cabeça do dedão do pé. Ele tinha ido espiar uma armadilha que tinha botado pra matar um anta, todo dia ele ia espiar essa armadilha.
Zk – Ele se curou dessa picada de cobra?
Izabel – Esse homem passou anos e anos em cima de uma cama, até que ele levantou, mesmo assim todo mês o pé dele inchava.
Zk – Algum rezador benzeu ele?
Izabel – Não, por lá não tinha nenhum benzedor, ele ficou bom com os remédios que o compadre Barros deu pra ele e também com os poderes de Deus.
Zk – A senhora ouviu falar sobre estórias de matinta pereira, mapinguari, curupira, essas coisas que dizem que existe na mata?
Izabel – É conversa fiada. É conversa, mas eu também tive medo (achando muita graça), quando cheguei dentro da mata e encontrei aquelas mulheres que já conheciam o lugar perguntava: minha senhora, a senhora conhece mapinguari? Elas respondia que não, sempre ouvimos uns gritos aí pro meio do mato mas não é mapinguari é aquele bicho que parece uma pessoa, o macaco capelão.
Zk – Que macaco é esse?
Izabel – É o Guariba, o Guaribão aquele que tem o cabelo vermelho, tem um grito feio trepado no pau. Era o que a gente escutava de noite contaram elas. E eu, como é que esse povo conta que é o mapinguari. Sabe o que que eu fazia com medo do mapinguari.
Zk – O que?
Izabel – Armava a rede lá em cima, perto da cumieira, pegava o rifle metia na palha, vinha buscar os filhos de um a um e deitava na rede e ficava na espreita. Uma vez escutei o tropete, pei, pei! Nossa Senhora, lá vem o mapinguari quando vi era o nosso compadre chegando com mercadoria pra nós e eu quase meto bala nele pensando que era o bicho feio. Quando ele me viu lá na cumieira da casa foi gritando, comadre, o que, que a senhora faz aí? Tô com medo do mapinguari! Que mapinguari que nada comadre, desça daí e venha fazer um cafezim pra gente.
Zk – É verdade que quando o seringueiro tinha saldo o patrão mandava matar?
Izabel – No meu tempo ou no seringal que a gente trabalhava não isso não, nunca vi falar nisso por lá.
Zk – A senhora veio morar em Porto Velho quando?
Izabel – Cheguei aqui em 1945. Porto Velho praticamente não existia. Nos fomos morar na casa dos outros. Só vim arrumar uma casa própria depois de muitos anos, o homem já tinha até morrido.
Zk – Na casa de quem a senhora trabalhou?
Izabel – Você lembra daquela madame que tinha um hotel ali na ladeira da prefeitura, a mulher o Mister Davis, pois eu trabalhei ajudando ela na cozinha da pensão. A famosa Pensão do Mister Davis. Era um casarão de madeira em frente tinha o olho d´água da dona Dada, onde a gente ia buscar água pra usar na pensão. Depois resolvi largar a vida de ajudante de cozinheira e arranjei umas lavagens de roupa. O homem morreu e me deixou com quatro filhos, todos pequenos. Dei um duro danado pra criar, mas criei todos.
Zk – Fale sobre a Porto Velho de quando a senhora chegou em 1945?
Izabel – Falar de que, se aqui não tinha nada. Pra você ter idéia, quando chegamos aqui a gente sem ter parente nem aderente e muito menos pra onde ir morar, quase que a gente vai morar debaixo do palácio do governo.
Zk – Debaixo do palácio do governo?
Izabel – Não tem o Mercado Central ali perto do prédio do relógio, pois então, ali por perto tinha um casarão da Madeira-Mamoré que servia de palácio do governo do território do Guaporé, só que a gente não sabia o que era e quando desembarcamos no porto e subimos a ladeira com nossas coisas, vimos aquele barracão que embaixo não tinha nada, resolvemos armar nossas redes ali. Ficamos lá por umas duas horas, até que passou uma conhecida nossa e falou: Hei Izabel, o que você está fazendo por aqui e eu disse. Ela nos levou pra casa dela. Ela morava nas proximidades da terceira Companhia de Fronteira hoje Brigada. Passamos um mês na casa dela. Aí o marido adoeceu, adoeceu e morreu. Foi quando passei a trabalhar na casa dos outros e ainda sobrava tempo, hoje as mulheres não querem fazer nada.
Zk – O que tinha na cidade?
Izabel – Tinha a catedral, a casa dos padres (hoje seminário), colégio das irmãs e o hospital São José. O resto era só mata, era só tucumanzal. Não agüentando mais pagar aluguel pedi ao prefeito que me arranjasse um terreno pra fazer um tapiri. E me arranjaram esse terreno (na rua Salgado Filho com a Carlos Gomes). Naquele época isso aqui era o fim do mundo, ninguém queria vir morar aqui, não tinha nem rua, era caminho, vereda, o lamaçal tomava conta dessa Carlos Gomes, o único transporte que conseguia chegar aqui era uma carroça puxada por boi.
Zk – Para finalizar. Seus filhos foram pegados por parteira?
Izabel – A parteira deles foi Nosso Senhor Jesus Cristo. Nunca filho me atrapalhou na hora de nascer, eu só precisava da parteira para fazer limpeza, cortar o umbigo, era só isso. Não esse negócio de ajeita barriga, bota a barriga pra acolá, bota pra li, sacode a barriga, nada disso era preciso comigo. Nunca me deu nada, esse negócio de hemorragia, resguardo quebrou nada disso. Tive seis filhos e a parteira foi Deus.
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