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Gente de Opinião

Silvio Santos

JOSÉ MEIRELES MONTEIRO - O caboclo que enfrentou a onça e saiu ileso


JOSÉ MEIRELES MONTEIRO - O caboclo que enfrentou a onça e saiu ileso - Gente de OpiniãoApesar de estarmos acostumados a ouvir histórias sobre a nossa Amazônia, principalmente de suas lendas e mistérios, as que ouvimos do seu José Meireles mereceram toda atenção, não pelas histórias em si, mas, pelas riquezas dos detalhes, a história do encontro do nosso herói com uma Onça Pintada em plena selva, é de arrepiar qualquer caçador, por mais experiente que tenha; E a história da hibernação do Jacaré. "O bicho se finge de morto pra Ariranha não lhe comer por inteiro". E assim, passamos uma manhã ouvindo as proezas desse paraense que nasceu em Xininga às margens do rio Tocantins, que teve o privilégio de ser destacado como cabo do Exército brasileiro para atuar como Identificador de Tropa nas fronteiras da nossa Amazônia, a experiência vivida durante sua permanência nessa função lhe deu subsídio para escrever um livro "À Sombra de um Paraíso Verde". "Li um livro escrito por um oficial da aeronáutica que voava na FAB pelo Correio Aéreo Nacional (CAN), cujo título era "À Sombra do Inferno Verde" que só falava sobre coisas ruins da Amazônia, por isso resolvi fazer um livro contestando o dele". Dessa maneira nossa conversa fluiu gostosa. Meireles não tem apenas um livro pronto para publicar, são dois os livros, um em prosa e outro em verso, os dois contam as experiências vividas por ele nos vários anos que viveu no interior da Amazônia. Do Oiapoque ao Guaporé encontramos histórias pitorescas vividas pelo nosso entrevistado. Receitas para curar malária, catarro, purificar o fígado, tudo você vai encontrar nessa entrevista. Receita de como preparar Jacaré também. Não vamos nos alongar muito nessa apresentação, para sobrar mais espaço para as histórias e estórias do seu José Meireles - "O caboclo paraense que lutou com a Onça Pintada e saiu sem nenhum arranhão".
E N T R E V I S T A

 
Zk – Quem é o Meireles?
Meireles - Sou

Zk – Identificador de Tropa?
Meireles – Esse é o motivo pelo qual eu conheço a nossa Amazônia toda, como cabo saía para identificar as tropas existentes nas fronteiras. Na década de cinqüenta, li um livro cujo título é "À Sombra do Inferno Verde". Esse livro foi escrito por um oficial da Aeronáutica que comandava os aviões Douglas da FAB que faziam o serviço do Correio Aéreo Nacional (CAN), como ele sofreu muito, porque quando o avião dava pane em lugares como Tabatinga, por exemplo, ele passava até um mês para receber socorro e nesse ínterim, eles ficavam a mercê de picadas de insetos, sofriam com a solidão, o clima que para eles era causticante, por isso ele escreveu o livro onde só fala das coisas ruins da nossa Amazônia. Eu quero publicar um livro contradizendo o que ele escreveu.
 
Zk – Qual será o título do seu livro?
Meireles – "À Sombra de um Paraíso Verde", esse é o título do livro que pretendo publicar, aliás, esse livro já está escrito.
 
Zk – O que o senhor conta nesse livro?
Meireles – Acontece que, pra quem chega e sabe viver na Amazônia ela é um paraíso, meu pai colhia cacau, e na época da safra colhia-se a castanha, o rio dava o peixe e a mata dava a caça. Como é que vamos dizer que estamos sofrendo.Quero mostrar, que o caboclo da Amazônia não sofre. Em nossa casa, qualquer doença era curada com medicamento da nossa flora.
 
Zk – Por exemplo?
Meireles – O que hoje chamam de Malária na época era conhecida como Impaludismo ou Maleita, isso pra nós era curado facilmente com o chá da folha da Quina e com banho aromático preparado com a casca da quina com arumã de cheiro e a casca do pau d´alho batido e levado ao sol. Quando é onze horas pra meio dia, você vai lá aquilo tá espumando, então você vai tomar um banho da cabeça aos pés, não se enxuga deixa que o líquido penetre pêlos poros.
 
Zk – Vamos explicar melhor. Onde se coloca essa mistura de cascas e folhas para levar ao sol?
Meireles – Pode ser numa bacia, numa lata num tacho em qualquer recipiente, com quanto que caiba água suficiente pra você tomar o banho.
 
Zk – E depois de tomar o chá da quina e o banho?
Meireles – Como o chá da quina deixa o fígado intoxicado, a gente usava, para desintoxicar o fígado, o Amor Crescido com a Folha do Abacate. Como a quina também deixa a pessoa anêmica porque suga nossos glóbulos vermelhos, a gente usava o Chá da Raiz do Açaí com a Folha do Pariri que também é chamado de Crajiru.
 
Zk – Tem receita para tosse, catarro?
Meireles – Se você estava com catarro ou defluxo, que hoje em dia chamam de gripe e de resfriado, o tratamento era feito com o chá da alfavaca, estoraque e a folha de limão. Para fazer o lambedor (xarope) basta acrescentar nessa mistura o sumo do limão e açúcar, quando ficar pronto você joga mel de abelha dentro e toma, eu quero é ver tosse, catarro, gripe, ou seja, lá o que for, continuar lhe perturbando, é assim que o caboclo da Amazônia cura suas doenças. Inclusive a gente usa muito as banhas dos animais.
 
Zk – Vamos a receitas com banha de animais?
Meireles – Por exemplo, a banha da Sucuri serve para curar reumatismo, você amorna e aplica flexionando no local do reumatismo. A banha do Jacaré serve pra se usar no chá em gotas pra combater a tosse. A sobrecasaca do casco do Jabuti torrada em pó e tomada na hora da refeição, pra recompor o cálcio no organismo e evitar a ortoporose.
 
Zk – E as estórias com os encantados, a lenda do boto, tem alguma coisa no seu livro?
Meireles – Tem sim, inclusive, tenho um verso que diz: "Conta a lenda que o boto, o golfinho da Amazônia, de vez em quando aparece, para jovens, vestido de branco e almofadinha, de colete paletó e gravata, bengala e chapéu de palhinha, as moças as vezes se encantam pêlos seus trajes e beleza.... Acreditando que seu namorado é de fato um ser humano, se entrega ao bel prazer e acaba engravidando... Essa é uma das lendas sobre o boto.
 
Zk – Tem também a lenda da Cobra Honorato?
Meireles – Honorato Cobra Grande. Vou contar pra você a lenda do Honoratinho Cobra Grande.
 
Zk – Vamos lá?
Meireles – Era uma vez numa cidade do interior do Pará, que as altas horas da noite, muita pessoas avistavam um grande navio a passear, muito bem iluminado, de onde também se ouvia, banda de música tocando maviosas melodias, gargalhadas e conversas animadas, porém, não atracava e de repente sumia. Certa noite, uma linda jovem sonhou que um príncipe encantado lhe disse, vai a praia meia noite e verás um grande navio e nele vem o teu namorado, essa linda moça com apenas 18 anos, ainda não tinha namorado, foi a praia verificar se aquele navio trazia seu príncipe encantado. Ao chegar a praia, avistou o navio todo iluminado. De bordo se ouvia banda de música tocando e cada vez mais vinha se aproximando, em uma pequena enseada ao lado da praia, logo aportou e atracou e uma escada toda dourado foi lançada e por ela desceu um príncipe todo engalanado, de imediato dirigiu-se a ela que se encontrava quase desacordada, e de joelhos a seus pés foi dizendo, aqui está o teu príncipe, minha eterna namorada, abraçaram-se e beijaram-se e logo ficaram apaixonados, porém, ao cantar do galo ele tinha que voltar ao navio que estava atracado. Depois de muitas noites e encontros, de carinhos abraços e beijos o amor se consumou e eles mataram o desejo...
 
Zk – Vamos parar por aqui se não o livro não vai ser vendido. O senhor me falou sobre a hibernação do Jacaré. Que história é essa?
 
Meireles – É o seguinte:
Zk – Peraí! Antes da história da hibernação vamos falar sobre o seguinte: Sabemos que o paraense adora carne de Jacaré o senhor tem alguma receita? Por que só se come o rabo do Jacaré?
 
Meireles – Porque a outra parte, se quiser aproveitar aproveita, mas não tem qualidade, é só casco, intestino. A gente no Pará come o Rabo e os Braços do Jacaré.
 
Zk – Vamos a receita?
Meireles – Você pode preparar Jacaré frito. Antes de fritar porque ele tem uma carne muito branca, sem paladar, você prepara um molho com todos os temperos e hortaliças da região. A única coisa que entra e que não é hortaliça, é a pimenta do reino. Pimentão, tomate, cheiro verde, alfavaca, chicória, tudo batidinho e feito um molho, você prepara o Jacaré de véspera, as fatias já prontas pra fritar deixa em infusão de um dia para o outro nesse molho, no dia seguinte, a hora do almoço, é que você vai fritar. Outra coisa, ele pode ser guisado, também com todo esses ingrediente, é só deixar também de um dia poro outro nesse molho e depois cozinhar.
 
Zk – E quando não se tem esses ingredientes?
Meireles – Quem está na beira do rio que não tem muito tempero. Pega a calda dele, mete no sal e limão, deixa ficar um pouco e aí assa de brasa é muito gostoso.
 
Zk – Vamos para a história da hibernação do Jacaré?
Meireles – O Jacaré hiberna por dois motivos, no meu tempo a gente dizia "enterrar" e não hibernar. O 1°, é pelo instinto de preservação da espécie, porque se ele não fizer isso será devorado pêlos predadores, então o que acontece, os lagos que secam na época de setembro e outubro causa a morte de muitos peixes e com isso, descem para a beira do rio toda espécie de animais predadores, da mucura ao guaxinim, lontra, queixada tudo vem comer o que está morrendo, então ele se enterra na lama. Ele fica ali, o lago continua secando e quando você vai pela beira do lago você vê o lombo dele todinho porque o sol que é tão causticante parte o barro e a silhueta do Jacaré fica a mostra, só por aonde ele respira é que tem dois orifício. O caboclo tem que ter cuidado para não pisar num Jacaré hibernado se não ele pega. Quando o rio enche ele sai dali e só tá na casca, então é que ele vai se alimentar para pegar corpo de novo.
 
Zk – O segundo motivo da hibernação?
Meireles – O Jacaré Gosta muito de se aquecer no sol, quando não tem praia ele sobe nos barrancos, aí desce Ariranha e desce a Onça quando vê o Jacaré ali tomando sol, esses bichos pulam em cima e ele finge que tá morto. Cientificamente não tenho esse conhecimento, mas, acho que o Jacaré não sente dor, isso porque ele tem muito pouco sangue e por isso a carne dele é muito branca. Só tem nervo e carne nada mais,
 
Zk – E o caso da hibernação?
Meireles – Então elas comem grande parte da calda deles, a Onça ou a Ariranha, daí vão embora, a Onça depois volta, só que não encontra mais ele ali. Ele sai beirando, vai procurar um olho d’água na areia arenosa que é aonde tem aqueles lavatórios de Capivara. Agora vou lhe contar como eu vi, com esses olhos que a terra há de comer, porque eu não acreditava quando me contavam.
 
Zk – Vamos lá?
Meireles - Certa vez cheguei num furo (braço de rio), para matar Pirarucu e escutei o grito das Ariranhas em terra, encostei a canoa e saltei pra terra, quando elas me sentiram correram aí vi que elas estavam comendo a calda do Jacaré, fiquei olhando e me lembrei do que meus antepassados já tinham me contado, que ele se enterrava pra não ser devorado pelas Ariranhas. No outro dia depois de contar o acontecido para o meu irmão, voltamos ao local e ao chegar não encontramos mais o Jacaré, estava só o rastro dele na folha seca, no rumo do furo, vamos atrás disse meu irmão, chegamos até um olho d’água onde ele se balançou, balançou até ser coberto pela lama.
 
Zk – Com tanta história, o que está faltando para a publicação do livro?
Meireles – O livro está escrito, falta só digitar, estou atrás de uma pessoa que digite o livro pra mim, na base da colaboração porque não tenho como pagar. Depois de digitado é que vamos atrás de uma editora na tentativa de publicar o trabalho.
 
Zk – O senhor chegou a encontrar Onça em suas andanças pela mata?
Meireles – A Onça Pintada quando está faminta enfrenta qualquer parada, mas de barriga cheia, você passa e ela não se incomoda. Meu primeiro encontro com uma Onça Pinta, foi na época da cheia, Lá no Pará quando o rio enche, forma uma ilha de terra que a gente chama de "Torrão" que é a parte que fica de fora e é ali que a gente vai escolher a caça, Mutum, Jacu, Cotia, Tatu, Paca Veado etc. Aí fui com meu irmão pra lá. Deixei meu irmão na espera e fui pro ou lado na esperança de matar alguma caça pequena. Quando desembarquei notei que estava tudo em silencio e comecei a olhar pelo chão e vi naquele monte de folha onde a Onça tinha defecado e no meio das fezes dela vi casca de casco de Tatu, pelo de Cutia, de Paca. disse pra mim mesmo, essa Onça tá por aqui, saí procurando. De repente vi um pau grande caído e ocado e a Onça lá dentro, quando cheguei na boca do buraco ela se espantou comigo, eu fiquei apavorado e me afastei, depois fui voltando com cuidado e olhei pelo oco do pau e vi o brilho do olho dela, meti o rifle meu me tremendo todo e atirei, dali fui chamar meu irmão e vimos que a bicha tava morta. Amarramos um cipó em sua cabeça e puxamos pra fora. Esse foi meu primeiro encontro com uma Onça Pintada.
 
Zk – A história em Rondônia qual é?
Meireles – Eu comprei o antigo seringal do Dario que morava em Guajará Mirim. A localidade chama-se Renascença e já tinha sido de muitos donos e lá, fui começar a criar, aí chamei alguns seringueiros e levei pra trabalhar comigo. Acontece que antes, quando eu tava na ativa ainda sofri uma decepção, quando subi o Rio Guaporé pela primeira vez e peguei a nota de compra dos seringueiros, vi o seguinte: os produtos que eram vendidos pra eles, custavam o dobro do que custavam na feira de Guajará, pedi uma nota daquela e fui denunciar ao Capitão Godói que era o comandante da nossa companhia Militar e o Capitão Godói abraçou nossa causa e logo convocou uma reunião com os seringalistas no auditório da Associação Comercial de Guajará Mirim e lá, mesmo com o seringalistas explicando o porque de cobrarem o dobro do preço o Capitão Godói não se convenceu.
 
Zk – E o resultado?
Meireles – Isso foi apenas para ilustrar ou para justificar o que vou dizer a gora. Depois que me transformei em patrão dono de seringal, vi que o seringalista tem que ter um mateiro, dois tropeiros, dois comboeiros, um comboio de jumento pra levar o seringueiro com a família para o acampamento, levar o rancho, trazer a borracha, quando adoece trazer ou levar o doente. Essa é uma despesa que sai que não tem por onde entrar. Tem que ter o barco, o combustível e a tripulação. Tudo isso o seringalista tem que tirar no preço da mercadoria.
 
Zk – Se alguém se interessar em publicar o seu livro, onde vai encontra-lo?
Meireles – Minha residência fica na Rua Calama nº 6087 no Conjunto 4 de Janeiro em frente a casa de calçados Yole ao lado da Rondocalha. o cidadão brasileiro José Meireles Monteiro, paraense nato, nascido em um lugarejo denominado Xininga à margem direita do Rio Tocantins em pleno coração da Amazônia, e, 1923. Sou militar da reserva, servi na época da guerra, só conheci minha capital Belém com 21 anos de idade. Quando terminou a guerra continuei no exército na função de Identificador de Tropa.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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