Segunda-feira, 19 de abril de 2010 - 06h04
Quarta feira dia 14, quando soube que o Mercado Central iria ser inaugurado, fui atrás de saber a história da feira livre que funcionou naquele local entre as décadas de cinquenta e sessenta. Procura daqui, procura dali e não encontrei nada, sequer uma linha sobre a história daquele patrimônio municipal. Na prefeitura não existe um setor onde possamos encontrar a história do nosso patrimônio, nem mesmo arquivos de jornais ou revistas sobre o assunto. Ninguém da assessoria de comunicação da prefeitura soube dizer sobre quando foi construído o galpão que abrigou a feira e depois os comerciantes do Mercado Municipal quando este pegou fogo em 1966. Nas andanças em busca da história do Mercado Central fui parar na sede do Sindicado do Produtor Rural de Porto Velho onde encontrei o seu Miranda, presidente da entidade, que não sabia a história da Feira Modelo e nem do Mercado Municipal, mas nos contou muitas histórias sobre os seringais do Rio Jacy Paraná, sobre os ataques dos índios Arara e como funcionavam os caiapos de transporte de borracha. Ficamos sabendo quanto custava o metro da lenha que abastecia as caldeiras das locomotivas da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. A história da Matinta Pereira e do Mapinguari que aparecia todo mês no KM 101 da estrada de ferro. Seu Miranda há 20 anos, dirige o Sindicato do Produtor Rural de Porto Velho que hoje funciona na esquina da rua Henrique Dias com a Euclides da Cunha bem em frente ao Mercado Central inaugurado neste domingo dia 18.
E N T R E V I S T A
Zk – O senhor é de onde?
Miranda – Sou baiano de Amargosa uma cidade que fica perto de Salvador, ou melhor, há 20 léguas de Castro Alves
Zk - Fale sobre de como o senhor veio parar em Porto Velho Rondônia?
Miranda – Acontece que eu tinha um irmão de criação e nós fomos morar em Guapemirim no Rio de Janeiro, então ele resolveu vir para Amazônia e escolheu o Território Federal do Guaporé hoje Rondônia e embarcou para cá sozinho e nós ficamos no Rio esperando o chamado ou retorno dele.
Zk – Isso quer dizer que ele se deu bem no Guaporé?
Miranda – Ele veio pra cá, porque diziam lá no Rio que aqui em Rondônia se juntava dinheiro com ciscador, então ele veio atrás dessa fortuna.
Zk – Se deu bem?
Miranda – Quando chegou aqui viu que não era nada daquilo que diziam e que só tinha duas opção para se ganhar dinheiro, ou seguir para os seringais para cortar seringa ou ir ser contratista como fornecedor de lenha para a Estrada de Ferro Madeira Mamoré, ele optou em ser contratista.
Zk - E então?
Miranda – Com a renda garantida ele foi buscar a família no Rio de Janeiro e eu vim junto também.
Zk – O senhor lembra o dia da chegada em Porto Velho?
Miranda – Desembarquei no aeroporto do Caiari de um avião da FAB (Força Aérea Brasileira), no dia 30 de agosto de 1951, estava com 14 anos de idade.
Zk – Como era e onde ficava o aeroporto do Caiari?
Miranda – O aeroporto do Caiari ficava no trecho que hoje vai do Ginásio Claudio Coutinho até onde vai ser o Centro Político Administrativo na antiga Esplanada das Secretarias no bairro Pedrinhas. A pista era apenas encascalhada, tinha um galpão que funcionava o Aeroclube e a estação de passageiros, que era um prédio parecido com esse prédio que abriga a administração da Unir só que era apenas um piso com a frente para a rua Farquar. Tinha um detalhe, a gente para chegar aqui vindo do Rio de Janeiro levava dois dias de avião. Saía do Rio de Janeiro e pernoitava em Cuiabá e de manhã o avião vinha para Porto Velho.
Zk – Desembarcaram em Porto Velho e foram morar aonde?
Miranda – Embarcamos no trem e fomos para o Km 98 após a Vilas de Jacy Paraná.
Zk – Como funcionava esse negócio de cortar lenha para a Madeira Mamoré?
Miranda – Cada contratista tinha tantos quilômetros reservados pra ele. Então contratava os lenhadores que ganhavam por metro de lenha cortada e entregue na beira da linha da ferroviária. O metro de lenha naquela época custava 20 Mil Réis.
Zk - O senhor trabalhava pra que quem?
Miranda – É claro que eu trabalhava para o “Dureza” Francisco Bispo de Oliveira que era meu irmão de criação. Naquela área de Jacy eram dois os contratistas meu irmão e o Avelino Frota.
Zk – Por que Dureza?
Miranda – Porque ele era exigente com seus lenhadores, com ele o cabra tinha que trabalhar mesmo, daí deram esse apelido pra ele. Inclusive, por causa disso a administração da Madeira Mamoré deu até uma Cegonha pra ele.
Zk – Vocês trabalhavam e moravam no KM 98 e os mantimentos compravam aonde?
Miranda – A gente vinha comprar em Jacy que naquela época era muito pequena, as pessoas por muito tampo diziam que tinham enterrado uma cabeça de Jumento ali por a cidade não desenvolvia. Agora não, com a chegada da hidrelétrica Jacy Paraná está conhecendo o desenvolvimento.
Zk – A viagem de Porto Velho a Jacy?
Miranda – O trem saia de Porto Velho 6h da manhã e chegava lá por volta das 10/11 horas, os passageiros almoçavam em Jacy e de lá o trem seguia para Mutum Paraná. A estação de Jacy era uma das mais bonitas ao longo da Estrada de Ferro ao redor do prédio as mulheres colocavam banca de vender comida e essas bancas ficavam mais para o lado da beira do Rio Jacy onde o José Saleh More quando foi prefeito de Porto Velho, mandou construir uma escadaria, pois justamente nessa escadaria, os estudantes quando iam de férias para Guajará Mirim sentavam para almoçar e de propósito ficavam até o trem apitar, avisando que ia sair e então alguns desses estudantes jogavam o prato dentro do Rio para não pagar a refeição.
Zk – O senhor tava falando sobre a cadeia de Jacy. Como funcionava?
Miranda – A cadeia era toda de trilho no meio do tempo, tinha uma folha de zinco que servia de cobertura, mas, quando chovia o preso ficava ensopado. Como praticamente os presos eram apenas os arruaceiros que abusavam da bebida, quando o cabra melhorava era solto. Agora o cadeado da cadeia era enorme, proporcionalmente falando, era maior que a cadeia.
Zk – Por quanto tempo o senhor trabalhou cortando lenha?
Miranda – Passei mais ou menos uns três anos. Depois fui trabalhar na empresa “Jacy Paraná” do I.B. Sabbá.
Zk – Como era q eu funcionava a I.B. Sabbá em Jacy?
Miranda – A I.B. Sabbá tinha vários depósitos ao longo do Rio Jacy Paraná onde eles compravam os produtos produzidos nos seringais da região. Tinha o seringal Rio Branco que era do Augusto Leite e o Formoso. Formoso era o rio conhecido dos índios.
Zk – Fale sobre os índios do Rio Formoso?
Miranda – Era índio brabo mesmo. Quem entrava lá podia dizer que não voltava, os índios matavam sem piedade. Eram os índios da Tribo dos Araras.
Zk – Tem algum caso que o senhor se lembra, de confronto entre brancos e índios?
Miranda – Tem o caso do Cirilo no Rio Branco, depois com os donos do seringal do Rio Formoso e depois o que conheci por último foi com o seringalista por nome Fernando que comprou o Formoso e esse Fernando brigava e matava índio por brincadeira. Ele passava de mês dentro da mata caçando índio.
Zk – Qual o motivo que levou esse seringalista a agir dessa maneira?
Miranda – Era aquele negócio, os índios perseguiam os brancos e os brancos perseguiam os índios e o Fernando conhecia a mata como ninguém, sabia onde o índio estava. Um dia os índios chegaram do outro lado do Rio Formoso e ele botou duas caixas de cartucho no barranco e duas espingardas e era só atirando, quando esquentava uma espingarda ele pegava a outra, matou muito índio, mas, a perseguição dos índios era tanta que ele não agüentou, vendeu pras outro seringalista que foi sócio do Serpa do Amaral que foi prefeito aqui, um tal de Jofre também foi dono do Formoso o certo é que ninguém durava lá porque os índios botavam pra correr.
Zk – Os índios atacavam os trabalhadores da Estrada de Ferro?
Miranda – Os índios Arara eram perversos, mataram muito cassaco (trabalhador braçal da Estrada de Ferro Madeira Mamoré) ao longo da linha férrea.
Zk – Na empresa I.B. Sabbá o senhor fazia o que?
Miranda – Atuei como seringueiro, comboieiro, barqueiro, fui tudo na vida.
Zk – Vamos falar um pouco sobre a lida do seringueiro?
Miranda – O seringueiro recebe do patrão, três estrada para cortar, uma maior, outra menor. Corta uma hoje, amanhã corta outra. Nunca deve cortar mais de uma no mesmo dia se não mata a seringueira.
Zk – O senhor era considerado bom seringueiro?
Miranda – Não, como era muito novo não tinha ambição em ganhar muito dinheiro, aliás, naquele tempo, poucos ganhavam bom dinheiro no seringal.
Zk – Sabemos que nos seringais do Acre a figura da mulher era muito rara. E nos seringais de Jacy?
Miranda – Tempo depois começou a entrar mulher, mas, era aquele negócio. Seringueiro que tinha mulher e não fosse bom “toqueiro” o patrão tomava a mulher e dava pro outro seringueiro que era bom.
Zk – Outra história que a gente escuta, é que, o seringueiro que tirava saldo, o patrão mandava matar. É verdade isso?
Miranda – Estava contando essa história prum companheiro e ele parece que não acreditou, mas, era verdade sim. Seringueiro que tinha saldo, dificilmente conseguia chegar à cidade, é claro que no caso da empresa I.B Sabbá e de outras empresas, isso não acontecia. Essa prática era mais entre os chamados “Coronéis de Barranco” que se achavam os donos do mundo.
Zk – Como era o transporte da borracha do seringal até a estação do trem em Jacy Paraná?
Miranda – Naquele tempo o transporte era feito através de caiapó.
Zk – E o que é caiapó?
Miranda – É o seguinte a gente vai metendo a corda nos buracos que toda pela de borracha tem e vai enrolando, e vai metendo. Geralmente um caiapó tinha 100, 120 e até 150 pelas de borracha. Um seringueiro ou barqueiro montava em cima e ia tocando com um varejão. Era um verdadeiro sacrifício, a pessoa que ia em cima tocando o caiapó ficava com o pé todo inchado, espocava, era muito difícil.
Zk – Quantos dias duravam uma viagem de Rio Branco até Jacy de caiapo. Como o caiapeiro fazia para se alimentar?
Miranda – Era uns dez dias. Tinha o cozinheiro quem seguia o caiapo numa canoa que fazia a comida e saia distribuindo de rio abaixo. Tem que salientar que quando era tempo de entrega da borracha em Jacy muita caiapós desciam o rio, era comp. se fosse uma comitiva de gado no Mato Grosso. O caiapeirto chegava na “pascana” na boca da noite apoitava o caiapo, limpava o mato atava a rede dormia e de manhã pegava o caiapo e vinha embora.
Zk – Nas colocações de seringueiro aparecia onça?
Miranda – O cara quando vai pro mato vai disposto, vai correr o risco, então muitos deles a onça comeu. Conheci o “Marinho” na Linha do Camburão. Marinho é aquele que vigia as colocações. Ele levou uma mulher pra se casar com ele. Na linha onde ele trabalhava tinha muito índio, era o Rio Formoso de um lado e o Ribeirão do outro, aquele povo que ia cortar seringa, ficava no meio dos índios. Certa vez ele não voltou da estrada de seringa, nesse ínterim chegou o comboieiro (aquele que levava o rancho) e a mulher falou do acontecido, ele reuniu o pessoal do barracão de São Domingos foram procurar, quando chegaram, descobriram que com uma 15 seringueiras Marinha tinha sido morto pelos índios. Ele também cortou muito índio, mas, não resistiu. Era assim a vida do seringueiro, saia, mas, não sabia se voltava.
Zk – O senhor ouviu muita história sobre Curupira, Mapinguari, Matinta Pereira?
Miranda – No mato sempre acontece esse tipo de coisa. Ouvia os mais velhos contarem que o Curupira batia nos cachorros de noite aquela coisa eu mesmo nunca vi. Mapinguari também. Aliás, tinha uma estória que contavam que todo mês o Mapinguari passava no KM 101. A Matinta Pereira, isso eu digo, porque aconteceu comigo: Quando eu cortava lenha pra Estrada de Ferro ela passava, a gente se arrepiava todo é um passarinho que tem um mistério, quando ele passa a gente se sente mal. O povo que diz que entende das coisas, diz: “olha, amanhã tu vem tomar café comigo” e dizem que a primeira pessoa que chegar a sua casa de manhã é ela.
Zk – O senhor é casado?
Miranda – Casei em Jacy Paraná. Quando me casei não estava mais no seringal, estava trabalhando como garçom no hotel Jacy Paraná, foi quando chegou um italiano contratado pelo I.B Sabbá que veio pesquisar cassiterita que me chamou pra trabalhar com ele na pesquisa de cassiterita.
Zk – Pesquisaram aonde?
Miranda – Começamos pelo garimpo de Massagana, Cachoeirinha, São Lourenço, na época da força da cassiterita do Alexande Balarês, Moacir Motta que era o dono do seringal, mas, quem mandava lá era o Alexandre Balarês. Aliás, o Moacir Motta se associou com o I.B. Sabbá e ficou muito rico.
Zk – Quando deixou a pesquisa veio morar em Porto Velho?
Miranda – Voltei pra Jacy Paraná e fui trabalhar na agricultura, plantando de tudo, criando galinha, fazendo farinha. Aquela região dava muito bem milho e feijão de praia. Depois vim para Porto Velho trabalhar com o Tufy Matny num sítio que ele tinha na Estrada do Japonês. Naquela época tinha agricultura ali, pois os japoneses plantavam especialmente verdura. Hoje é o conjunto Guaporé, Rio Candeias por ali.
Zk – E festa em Jacy, tinha?
Miranda – A maior festa que aconteceu em Jacy naquele tempo foi a do meu casamento, acontece que o Genésio que era dono do hotel foi padrinho e o delegado que era meu amigo, mandou funcionar o gerador de luz a noite todinha o Cirilo que estava presente disse: “Foi a melhor festa que teve em Jacy Paraná”. O Netinho sanfoneiro antigo de Porto Velho tocou a noite toda.
Zk – Politicamente falando o senhor é filiado a algum partido?
Miranda – Sou um dos fundadores do PMDB juntamente com dona Nazaré que também era de Jacy Paraná. Não faço parte de nada MS, sou filiado. Eu sempre gostei de participar da política desde o tempo do Rondon. Sou do tempo de Pele Curta e Cutuba. Naquele problema que teve na Lauro Sodré/Gonçalves Dias eu tava lá no comício do Renato Medeiros. Eu era fanático por política. Hoje não, as pessoas chegam ao poder e esquecem da gente.
Zk – O senhor é aposentado por qual empresa?
Miranda – Sou aposentado como funcionário municipal, mas tenho minha propriedade rural até hoje. Entrei na prefeitura quando o Valadares era prefeito, foi o Amadeu Machado que conseguiu o emprego pra mim na prefeitura.
Zk – Quando o senhor veio de vez para Porto Velho?
Miranda – Foi na época da revolução em 1964, fui trabalhar no Bel Monte ali onde hoje é o Parque Ecológico da prefeitura.
Zk – O senhor morou na BR-364?
Miranda – Morei ali onde é a Escola Paulo Leal, morei mais de ano lá. Sai porque era muito longe e como não tinha transporte, a gente tinha que vir a pé para Porto Velho.
Zk – E hoje?
Miranda – Há mais de 20 anos, sou presidente do Sindicato do Produtor Rural de Porto Velho.
Zk – Como está o Sindicato?
Miranda – Já foi bem melhor, porque os governadores respeitavam. Hoje não, eles não dão valor ao nosso trabalho e quando chega o tempo de eleição vêm nos procurar. Nosso trabalho sindical precisa ser valorizado.
Zk – Sindicato Rural oferece o que aos associados?
Miranda – Sempre oferecemos aos associados, assistência médica, dentária além de sempre estarmos cobrando das autoridades, melhorias e assistência ao nosso agricultor. Aposentadoria do agricultor auxilia maternidade. Salário maternidade todo dia tem gente aqui, as meninas arranjam os meninos na colônia e vem para comprovar que nasceu lá no mato. São quase 300 associados.
Zk – Para encerrar, deixe uma mensagem aos políticos de Rondônia?
Miranda – Quero dizer aos políticos que voltem seus pensamentos de corpo e alma para o homem do campo, para o agricultor que é o esteio dessa nação. Muitas vezes falam: a saúde a educação, mas o aluno o professor não vai pra sala de aula sem se alimentar. Tudo vem do campo, até o banquinho que a gente senta vem do campo. Então tem que olhar com carinho esse povo que só é lembrado em tempo de eleição. Vai morar lá, vai sentir na pele quanto sofre o ribeirinho
Fonte: Sílvio Santos
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