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Gente de Opinião

Silvio Santos

Josemar Francisco Brandão


A literatura de Cordel de Doca Brandão
Josemar Francisco Brandão - Gente de OpiniãoUma das mais apreciadas formas de se contar história, é justamente a literatura de cordel, literatura que no nordeste e sudeste do Brasil é encontrada em praças, feiras, reuniões familiares, saraus. O cordel é tão respeitado que no Rio de Janeiro existe a Academia Brasileira de Literatura de Cordel. Usar versos para descrever uma situação é comum entre os poetas nordestinos, basta lembrar que o grande expoente desse estilo literato foi e é o cearense Patativa do Assaré. Em Rondônia esse estilo de literatura é muito pouco divulgado, mesmo na capital Porto Velho, onde a população em sua maioria é descendente de nordestinos. Mesmo assim, o professor Josemar Francisco Brandão que é mais conhecido como Doca Brandão, vem trabalhando há alguns anos com a literatura de cordel em suas aulas. "Tudo começou quando meus alunos de um colégio lá de Pernambuco gostaram de uma aula que dei em quadrinhas". Hoje com vários livros no estilo Cordel Temático que segundo Doca Brandão, é o estilo de Cordel que se propõe a divulgar fatos históricos e do folclore para fins didáticos. "Temos a história do Brasil para vestibular"; "Rondon"; "Lenda do Boto"; "lenda do Mapinguari" e a história da cidade perdida de "Paititi", além de outros". O que falta, segundo Brandão, é uma política voltada para a divulgação da literatura de cordel. "Todos esse títulos só é impresso se alguém se interessa por uma certa quantidade, aí foi a gráfica e contrato apenas a impressão daquela quantidade de folhetos". A produção literária de Doca Brandão é das melhores e vale a pena ser conferida. Nessa entrevista você vai ter um breve contato com essa produção, espero que goste e encomende alguns exemplares do nosso poeta cordelista Doca Brandão

E N T R E V I S T A

Zk – Você veio para Rondônia quando?
Doca Brandão – Estou em Porto Velho desde 1989, vim pra cá concursado, fiz meu curso de história na Universidade Federal de Pernambuco, trabalhei lá, durante 18 anos e depois vim pra cá.

Zk – Você disse que veio concursado. Pra trabalhar aonde?
Doca Brandão – Fui contratado pelo governo do estado de Rondônia. Minha trajetória no estado começou em Ji-Paraná, depois fui pra Cacoal; Ministro Andreazza; Pimenta Bueno e por último Porto Velho.

Zk – Lá em Pernambuco você já trabalhava com literatura de Cordel?
Doca Brandão – Devo dizer que sou de Recife. Em 1982 entrei numa vanguarda de poesia chamada Poesia Marginal. Abri o jornalzinho chamado "Palco Aberto" junto com o Zizo e a gente distribuía pelos bares de Olinda, pelo centro de Recife, Centros Culturais enfim,. Depois entrei na questão de cordel, a pedido de alunos.

Zk – Alunos?
Doca Brandão – Acontece que fui convidado para trabalhar no curso Mauéu que é especialista em Escolas Militares, AMAM; ESA entre outros e os alunos gostavam porque nas minhas provas, inventava umas quadrinhas e puxava uma questão com aquelas quadrinhas, então eles gostaram e me pediram pra fazer um trabalho de história do Brasil em Cordel, então fiz a primeira tentativa e os alunos gostaram, então passei a usar o cordel em minha aulas.

Zk – Você lembra a primeira quadra sobre a história do Brasil?
Doca Brandão – Foi mais ou menos assim: A história do Brasil na importância do mundo/Foi tecida em muita força/Um processo muito profundo/Antes de Pedro I Depois de Pedro II.

Zk – E o cordel popular?
Doca Brandão – Fiquei mesmo no cordel temático, dentro da história, voltado para os cursos para o Vestibular. Já aqui em Porto Velho passei a trabalhar os temas sobre a história de Rondônia que é super interessante. Por exemplo Marechal Rondon, depois veio a história do Brasil para o Vestibular. Tudo que cai no vestibular aqui em Rondônia, procurei colocar no Cordel; A expedição Dequech

Zk – A exposição Dequech fala sobre o que?
Doca Brandão – É a lenda das Minas de Urucumacuan em Pimenta Bueno. Na verdade o Marechal Rondon em 1933 toma posse das Minas de Urucumacuan e em 1941 ele organiza uma expedição e quem vai ser o chefe é o Víctor Dequech um engenheiro de minas que estava com 27 anos. Dequech foi pra Pimenta Bueno onde passa dois anos procurando as Minas de Urucumacuan mas não encontra. No relatório que ele fez para o DNPM diz que não existe a tal mina.

Zk – Li alguma coisa a respeito das Minas de Urucumacuan e inclusive há quem diga que as coordenadas existentes no registro do cartório estão erradas. Você sabe alguma coisa a respeito disso?
Doca Brandão – Ou o Dequech escondeu informações, eu acredito que não, porque ele esteve aqui há dois anos atrás – ele está com 89 anos e mora em Belo Horizonte - ele é dono da Geo-Tec aqui de Ariquemes, ele me disse que realmente as Minas de Urucumacuan não existem. Tem uma versão que diz que o Rondon, pelo mapa do manifesto do descoberto das Minas de Ouro Urucumacuan tenha escondido as coordenadas, ou seja, as coordenadas que ele colocou no mapa não são corretas, inclusive questionei com Dequech se Urucumacuan não é a Reserva Roosevelt e ele me garantiu que não, porque Roosevelt é Diamante e Urucumacuan é Ouro.

Zk – Suas rimas são feitas de que maneira?
Doca Brandão – Faço de duas maneiras, em sextilhas que é o verso de seis e em quadrinhas também, que são versos de quatro que é chamado verso de pé quebrado, mas, tudo rimando, facilitando a leitura de uma forma prazerosa ou até mesmo engraçada. As vezes tem rima que você rir pra caramba, porque tem que ser aquela mesma, não tem outra.

Zk – Declama uma dessas quadrinhas ou sextilhas pra gente?
Doca Brandão – Tem uma aqui sobre o impeachment de Color e a entrada do Itamar: impeachment para Color que saiu sem reclamar/Em seu lugar empossaram o mineiro Itamar/Que querendo pintar o sete, do sonegador fez a busca/O povo quer ser topeta e ele quer a volta do fusca.

Zk – E a lenda do Boto onde você foi buscar?
Doca Brandão – A maioria dos trabalhos que fiz, me vali do Centro de Documentação do Governo Estadual, Ali é uma praia, onde tem muito documento importante. E o Boto, saí atrás de compêndios de livros sobre o folclore e lendas, achei três versões sobre o Boto, as três com a mesma vertente que é aquele rapaz bonito que se transforma e em Boto. A que mais gostei, diz que ele veio do Pólo Norte cansado de água fria e queria um pouco de águia quente e veio parar na Amazônia, aqui encontrou um primo que o levou pra fazenda e no dia que ele chegou tinha uma festa de São João, lá ele começou a fumar cigarro de Tauari, se embriagou e quando foi lá pra meia noite ele se transformou em Boto e levou a donzela mais bonita que tinha ali, filha de um amigo do primo dele e o primo ficou preocupado, se levou a filha do meu amigo vai levar minha filha também, Ficaram de olho mas não teve jeito e o Boto acabou se tornando um dom Juan do norte.

Zk – Como é que você faz. Vende os livros?
Doca Brandão – Essa é a parte mais difícil porque Porto Velho não tem uma política voltada para a valorização da Literatura de Cordel, pra você ter uma idéia, até agora só consegui patrocínio para um cordel foi "Rondon, o grande pacificar" pela Secel na gestão de Antônio Ocampo. Mas tem outros como, História do Brasil; História Regional; eu já fui atrás de patrocínio e não consegui é difícil o povo não acredita. O cordel é uma leitura de fácil entendimento. Pra quem não sabe o cordel tem uma academia. Academia Brasileira de Literatura de Cordel no Rio de Janeiro, a Internet está cheia de Blog sobre cordel e aqui em Porto Velho não existe uma política voltada para essa literatura.

Zk – Porto, Saudosa Porto?
Doca Brandão – É um cordel fala sobre a história de Porto Velho, já fui atrás da Fundação, já fui atrás de pessoas. Aqui eu coloco os bairros antigos, fala da Porto Velho antiga de 1917 pra cá, os terreiros de umbanda, cito nome de pai de santo de mãe de santo, os bares, os cafés, cinemas, falo e pessoas, é super interessante.

Zk – Na próxima semana, ou seja, entre os dias 23 e 25 acontece um seminário sobre o centenário da cidade de Porto Velho. Qual sua opinião sobre a origem do nome Porto Velho?
Doca Brandão – É Porto dos Militares na verdade e tem aquela versão do Porto dói Velho Pimentel. A história permite que haja duas ou três versões. Se o povo acredita que Porto Velho iniciou através do Ponto do Velho e depois se tornou Porto do Velho o povo ta certo também. Agora, se tem registro que havia realmente um Porto do Velho, Ponto do Velho e set em registro documental de que aqui existiu um Porto dos Militares que apareça esse documento. Enquanto não aprece fica essa polêmica. A gente tem que creditar as duas, porque uma é do povo.

Zk – Esse estilo de cordel que você escreve da pra musicar?
Doca Brandão – Claro que dá, se eu soubesse tocar violão ou viola teria musicado todos eles. Inclusive quem quiser musicar eu tenho muito pano pra´s mangas. Erudito, popular o que ele quiser. Dentro da questão erudita que tem muito ver com cordel, tem a música Harmorial que foi um movimento trazido por Ariano Suassuna e Marcos Pereira na década de setenta, tentando resgatar músicas do século 18 e século 19 do Sertão Nordestino e recriaram instrumentos como Marimbau, Rabeca e um instrumento que esqueci o nome que é muito tocado pelo cegos naquele aramezinho. Por isso o Ariano e o Marcos Pereira foram perseguidos pela Ditadura porque era música comunista e não era nada disso, era uma música erudita que existia no Nordeste brasileiro. Por conta disso o Marcos Pereira se suicida, mas antes de se suicidar fez uma grande pesquisa musical pelo Brasil inteiro e o Ariano levou adiante a questão da cultura harmorial que é cordel, xilogravura, a música a dança e o teatro dentro de uma temática voltada, praquela música do século 18/19 que era praticada no Nordeste.

Zk – Vamos há alguns versos dos seus cordéis. O que Rondônia tem para o turista visitar?
Doca Brandão – Rondônia tem uma reserva que resplandece amanhã/Com a biodiversidade que faz inveja a qualquer chã/Pois todo turista gosta do lago do Cuniã.

Zk – Porto, Saudosa Porto?
Doca Brandão – Porto Velho de oficinas, de pontes e pontilhões/Das belas locomotivas e abarrotados vagões/Dos grandes armazéns de carga o prédio da administração/O velho Banco da Borracha Porto Velho é pulsação/Os bairros de Porto Velho, nascidos da ousadia/Dos pobres do Alto Bode, dos ricos da Olaria/Favela, Céu e Suspiro, Mocambo da União/Querosene, Santa Bárbara, do Um, de todos irmãos.

Zk – O Tratado de Petrópolis?
Doca Brandão - Mas, o problema do Acre ainda continuava/Pois o seringalista da borracha precisava/Enquanto que na Bolívia Manoel Pando se irritava/Como forma de conter o seringueiro brasileiro/O governo da Bolívia transfere para o estrangeiro/A exploração da borracha pra gerar muito dinheiro/O Bolívia Sincate empresa ânglo americana/Trás força policial que veio com muita gana/Representando ameaça na fronteira soberana/Para não dar tempo a empresa de no Acre se instalar/Comerciante e seringueiro passa a se organizar/E chamam Plácido de Castro pra insurreição comandar. E assim vai até chegar na assinatura do Tratado de Petrópolis.

Zk – Uma do cordel sobre a história do Brasil para vestibular?
Doca Brandão – Para dar posse a João Goulart criou-se a frente legalista/Os militares tinham medo do perigo comunista/E com o plano trienal Jango mostrou ser artista/E cria a reforma de base calando os parlamentaristas. Os militares acharam João Goulart com muita ação/E deram o golpe militar que estarreceu a nação/O civil não mais assume/Foi tirado de cena, os generais fecham a UNE/Só deixam MDB e ARENA.

Zk – Tem outros cordéis no prelo?
Doca Brandão – Terminei a pouco tempo a História de Pimenta Bueno e a História da cidade perdida de Paititi.

Zk – Sobre Paititi?
Doca Brandão – Em 1972 o programa Fantástico mostrou uma matéria aonde arqueólogos americanos tinham fotografado e tinham descoberto a cidade perdida de Paititi situada entre Mato Grosso e Rondônia mais precisamente na Chapada dos Parecis. A Internet está cheia de livros sobre o assunto e Paititi já foi até tese de mestrado. Próximo ao rio Galera foram encontrados, bracelete de ouro, anéis, objetos de arte, cerâmica incaica, dando a entender que uma parte nobreza peruana, quando da invasão espanhola fugiu e foi se estabelecer, na futura cidade de Paititi onde houve uma integração com os índios e os quilombolas que habitavam por ali.

Zk – Que história é essa do Patativa do Assaré?
Doca Brandão – Na época da campanha de Color de Melo uma banca de doutores da Universidade Federal do Ceará desafiou Patativa do Assaré a tirar versos de cordel para o mote: "O Diabo das Alagoas", os doutores deram um mês e Patativa disse, não precisa de um mês, se os senhores quiserem faço agora.

Zk – E fez?
Doca Brandão – Fez assim: Estando desempregado o grão duque satanás/Teve uma idéia nociva horripilante e mordaz/Colocou numa caldeira, oito pipa de aguardente/Nove cobra envenenada/Um velho diabo demente/Sulfato de corrosivo, sulfeto de estriquinina/O coro de dez hiena, dez quilo de cocaína/Ragu de dez cachorro e quatro quilo de timbu/Tudo isso misturado numa caldeira a ferver/Tomou forma de gente como o diabo quis fazer/Satanás achando pouco, lambuzou merda de porco como se fosse caramelo/E a soltar pelo mundo/Batizou o vagabundo/Fernando Color de Melo

Zk – Quem quiser ouvir você falando sobre a literatura de cordel, faz o que?
Doca Brandão – Pela manhã estou no Centro de Documentação do governo de Rondônia que fica no prédio do relógio na Avenida Sete de Setembro com a Farquar ou então ligar para 9978-7723 ou 3222-6874 ou pelo e-mail docabrandão@iesb.com.br
Fonte: zekatraca@diariodaamazonia.com.br

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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