Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

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Gente de Opinião

Silvio Santos

MANOEL MIRANDA DE SOUZA


Clássicos da MPB a preço de banana

Se você preferir entrar no Mercado Central de Porto Velho pelo portão da rua Henrique Dias e se for apreciador de música de qualidade, vai ficar feliz, pois a poucos metros do portão, está localizado o Box nº 12, de propriedade de Manoel Miranda Souza ou apenas Miranda como gosta de ser chamado, onde a especialidade é a venda e compra de discos vinil, os famosos LPs. Como Miranda gosta de música boa, sempre está escutando um Noca do Acordeon um Luiz Gonzaga, e os clássicos chorinhos, "Isso não quer dizer que o interessado não encontre o melhor do brega aqui com a gente". Realmente, em se falando de música considerada brega, ele tem os clássicos de Bartô Galeno, Abílio Farias, Waldik Soriano e tantos outros. Raridade, raridade mesmo, são os discos de Jackson do Pandeiro. Ary Lobo, Os Três do Nordeste e Trio Nordestino, além de Miltinho, Zé Roberto e toda a coleção do Roberto Carlos em disco vinil. Olha, se você não for determinado, esquece dos seus afazeres que parar no Box do Miranda no Mercado Central, tantas são as músicas boas que ele tem na sua privilegiada discoteca. "Eles chamam isso de sebo, eu chamo de ponto cultural, já que disco é cultura e aqui você encontra o que existe de melhor em música gravada". Um dos discos que podemos considerar como sendo o mais antigo existente no Box é do Francisco Alves o Rei da Voz. Além da coleção de LPs, Miranda também fabrica caixa de som da mais alta qualidade. "Criei essas caixas de som que são fabricadas em madeira de primeira para preservar a qualidade do som". As caixas confeccionadas pelo Miranda estão expostas na entrada do Box e custam 1.500 reais. Se você estiver disposto, além de escutar música boa, ouvir estórias dos cantores e de suas músicas, aí pode esquecer do tempo, Miranda sabe de muita coisa, Fã ardoroso de Noca do Acordeon, um dos nosso melhores acordeonistas. "Talvez porque andei tocando sanfona, admiro o Noca, um sanfoneiro que até hoje, ninguém, nem mesmo Dominguinhos conseguiu tirar o som que ele tirava da sanfona", ele se perde falando sobre a obra do Noca. Luiz Gonzaga é outro cuja história é conhecida na ponta da língua pelo Miranda. "Ary Lobo um paraense que cantava que era uma maravilha e ninguém mais ouve falar, mas aqui tá o disco dele, aliás, os discos". E assim, passamos uma manhã e um pedaço da tarde com o Manoel Miranda, a conversa e o som estavam tão bons, que esquecemos a hora do almoço, coisa que esperamos você não esqueça, lendo o papo que batemos e reproduzimos nessa entrevista.

ENTREVISTA

Zk – Qual o disco mais antigo que você tem aqui?

Miranda – Olha, não sei nem te dizer realmente qual é o mais antigo, porém, tenho disco gravado em 1958, 1960. Tenho até disco de Francisco Alves o famoso Chico Viola.

Zk – Na realidade quantos discos de vinil você tem nessa coleção?

Miranda – Tenho uma faixa de 4 mil

Zk – Como foi que você decidiu trabalhar com disco de vinil?

Miranda – É uma estória muito bonita. Eu trabalhei com disco antes da chegada do CD aqui nesse ponto do Mercado Central durante 10 anos, depois parei por dez anos, botei mercearia, aí quando foi em 2004 fevereiro/março, tava aqui sem nada no Box e pensei assim, vou começar a vender disco usado, comprar e vender, porque acho que ainda tem gente que gosta.

Zk – Pensado isso, qual o próximo passo?

Miranda – Comprei 90 discos de um rapaz, aí comecei, hoje tenho uma faixa de quatro mil discos. To fazendo aquilo que gosto e conheço. Trabalho com mercearia, mas não gosto.

Zk – Você disse que passou a trabalhar com venda de disco. Já era disco usado?

Miranda – Não! Trabalhava com as gravadoras, quer dizer, mandava buscar os lançamentos das gravadoras e comercializava. Foram dez anos vendendo disco de vinil aqui mesmo nesse Box.

Zk – Sempre aqui no Mercado Central?

Miranda – Também botei loja na rua Amazonas e no bairro do Roque onde fui roubado, os ladrões me levaram tudo.

Zk – A loja no Roque era no tempo do garimpo?

Miranda – Foi depois, já era 1989 o garimpo tinha parado e as casas noturnas já tinham sido fechadas.

Zk – Você chegou aqui em que ano?

Miranda – Cheguei em 1973 só que não trabalhei em garimpo não. Meu negócio era trabalhar no comércio, trabalhei com bar.

Zk – Com bar?

Miranda – No tempo do Mercado Velho eu tinha um bar aqui dentro. Aí veio o prefeito Carpintero e demoliu o mercado para construir outro prédio no lugar, então o Antônio Gordo fez negócio num bar pra mim lá em frente ao Mercadinho do KM-1, isso foi em 76/77, quando foi em 1978 comecei a trabalhar com disco.

Zk – Na realidade como foi o início do seu trabalho com disco?

Miranda – Me lembro até hoje que comprei 200 discos da Loja Arrastão do Joseval, meu compadre e muito meu amigo. Depois abri crédito nas gravadoras, instalei uma empresa e pronto, foram dez anos vendendo disco de todos os gêneros musicais.

Zk – Quais os cantores que faziam sucesso na época?

Miranda – Waldik Soriano, Agnaldo Timóteo, Nelson Gonçalves, Zé Roberto, Núbia Lafaiete e muito outros considerados românticos e bregas; Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Os Três do Nordeste, Noca do Acordeon que pouca gente conhece. Uma vez chegou uma senhora e me disse que tinha jogado seus discos de vinil fora. Não me contive e chamei a atenção dela. Minha senhora amanhã seu neto vai querer saber o que era um disco de vinil e a senhora não vai poder explicar. Ele tem o direito de saber, e a senhora tem o dever de explicar, isso aqui é uma cultura, isso não pode morrer. Nossa cultura é muito pouca. Vi no Raul Gil uma criança de 8 anos de idade cantando uma canção de Altemar Dutra, ora, quem ensinou essa criança? Aí chega cada velho aqui, e me recrimina por estar com esse negócio. "Você é um imbecil, isso aqui é coisa do passado, não vale nada". De repente uma criança de 8 anos, foi lá e cantou música de Altemar. Imbecil é quem não valoriza nossa cultura.

Zk – Nós estamos batendo esse papo faz horas e você ainda não se identificou para os leitores?

Miranda – Meu nome é Manoel Miranda de Souza mais conhecido como Miranda. Sou do Ceará, morei em Manaus de 68 a 73, saí de Serra Grande no Ceará com 24 anos de idade. Um ano depois que saí da minha terra cheguei a Manaus, trabalhei em roça no Maranhão, Piauí. Depois de Manaus vim pra Rondônia onde estou até hoje. Rondônia é uma terra maravilhosa, tanto que aqui me casei, tenho duas filhas, tem muitos que vêm lá de fora aventurar a vida aqui e fala que lá fora é rico, porque não ficou lá. Muitos cearenses eu "bato" na cara dele, não é bater com a mão não, é repreender sobre isso. Ora o cara veio conhecer alguma coisa aqui e vem com essa conversa de que lá era rico. Gente sem vergonha tem em todo canto, eu não aceito ninguém falar mal daqui. Minhas filhas são daqui, minha mulher, apesar de sermos separados, é uma pessoa maravilhosa é filha daqui, pessoa de vergonha na cara. Me considero um rondoniano.

Zk – Quando você chegou em Porto Velho foi logo trabalhar com bar?

Miranda - Quando cheguei aqui fui trabalhar fazendo cerca para o Elcio, naquele tempo ele era rico, ali onde hoje é Cemetron era tudo dele, trabalhei um bom tempo com a turma dele. Depois o Germano tinha um bar aqui nesse Mercado que ainda não era o Mercado Central, ele foi a Manaus e por lá deram boas referências minhas pra ele, ao retornar, ele me procurou e me contratou para gerenciar o bar, fiquei um ano gerenciando o bar do Germano. Depois, ali onde hoje é a Tecelagem Avenida era um posto de gasolina e uma lanchonete do Fernando e fui trabalhar lá como empregado da lanchonete, fiquei por dez meses.

Zk – Você sempre fala, o Mercado Velho e o Mercado Novo ao se referir ao Mercado Central. Como era antes esse prédio?

Miranda – Antes era um galpão todo aberto, não tinha portas, quando o Carpintero assumiu a prefeitura em 1974 demoliu, passou três anos fechado ou reformando quando abriu já foi assim, só que em 1992 o Chiquilito fez outra reforma que a que permanece até hoje.

Zk – E quando foi que realmente você passou a ser concessionário de um Box no Mercado Central?

Miranda – Isso foi em 1977.

Zk – Fala sobre o bar em frente ao Mercadinho do KM-1?

Miranda – Apesar de ainda existir resquícios do garimpo de cassiterita, com muitos garimpeiros pela cidade, o meu bar ficou famoso por ser freqüentado por policiais militares. Acontece que na época chegou uma leva de pernambucanos para trabalhar na PM e eles passaram a freqüentar meu bar, o certo foi que passaram a chamar meu bar, de bar da PM.

Zk – Vamos voltar aos discos. As gravadoras costumam induzir os comerciantes a adquirir tal disco ou a escolha é livre?

Miranda – Não, eles não impõem nada, pelo menos no tempo que eu trabalhava com as gravadoras quem escolhia os discos era eu mesmo, os representantes vinham com os catálogos e eu escolhia o disco que achava que seria sucesso e que venderia mais. Tem até uma estória interessante a respeito disso.

Zk – Quer contar essa estória?

Miranda – Foi o seguinte: Quando a Roberta Miranda lançou seu primeiro disco, chegou aqui o representante da gravadora, o Zé Roberto e falou, Manoel essa cantora tá sendo lançada agora, veja as músicas, falei pra ele, esse disco não vai vender não, a música que a gente chama de carro chefe era "São tantas coisas", pedi apenas três discos. Para encurtar a conversa o disco da Roberta Miranda estourou foi o maior sucesso e eu fiquei lambendo os dedos por ter pedido apenas três LPs.

Zk – Qual a vantagem em comprar direto da gravadora e não no comércio local?

Miranda – A diferença de preço é pouca, acontece que você pedindo direto da gravadora vai arcar com as despesas de frete, o imposto já vem cobrado na nota essas coisas. Já comprando numa loja especializada como é o caso da Discolândia você paga um pouquinho a mais, mas, não tem a dor de cabeça de estar correndo pro' s bancos para pagar duplicata.

Zk – E o ECAD perturba?

Miranda – Perturba, é obrigação o vendedor de disco recolher o direito autoral, parece que hoje está mais ameno, no tempo que eu vendia disco novo quem era o representante era o Agostinho Leandro por sinal muito meu amigo. Hoje a mercadoria com a qual trabalho é mercadoria que já pagou todos seus impostos, é uma mercadoria considerada extinta, no caso são os discos de vinil os chamados LPs que não se fabrica mais. Agora se está tocando tem que pagar direito autoral.

Zk – Na sua opinião quem tem melhor qualidade de som, o CD ou o disco de vinil?

Miranda – Se você coloca o vinil num equipamento bom, a diferença de som é bem melhor que o som do CD. No vinil você percebe a divisão dos instrumentos com muita qualidade. O CD tem um som limpo, mas, é um som mais abafado, mais acumulado, isso pra quem conhece, digo isso porque conheço. Nos Estados Unidos, no Japão, na Inglaterra isso aqui tem o maior valor, tem gente que chega comigo e diz, Manoel vai embora, leva isso daqui, vai ganhar dinheiro por esse mundo afora, você tem uma mina de dinheiro. Para a gente viajar tem que ter dinheiro. Os DJs até hoje usam disco de vinil.

Zk – As gravadoras estão providenciando a volta do disco de vinil em virtude da pirataria. Você tem conhecimento disso?

Miranda – Vi numa revista que foi fabricado um toca disco que lê o disco (vinil) com a unidade ótica, ainda custa muito caro, mas, já é um passo. O Caetano Veloso tá lançando seu mais novo trabalho em CD e em vinil, isso porque nos Estados Unidos e na Europa os discos de vinil ainda são produzidos e vendidos nas casas especializadas, creio que o Brasil deve voltar a produzir disco de vinil dentro em breve, taí o Caetano Veloso.

Zk – E a questão da pirataria?

Miranda – Hoje qualquer pessoa, grava um CD, basta ter um computador ou um aparelho que grava CD, O CD facilita a pirataria já o vinil não. O mais que se fazia no tempo do vinil era uma fita cassete que não tinha qualidade. Sabe de uma coisa o que mais vende na pirataria é o retrato do cantor. Não adianta você gravar um CD ou fita e não colocar o retrato do artista que não vai vender nada, quem chama atenção é o retrato do artista e não a gravação. No meu caso existe uma lei que permite a gente fazer determinada quantidade de cópias porque se trata de um produto extinto. Crime é você gravar de CD pra CD botando o retrato do cantor na capa.

Zk – Você tem toda a coleção do Roberto Carlos?

Miranda – Olha, tenho 200 discos do Roberto Carlos, a produção dele esta na faixa de uns 40 discos incluindo os CDs e aqui nos temos duzentos LPs, todos os discos do Roberto você encontra aqui.

Zk – Depois do Roberto qual o cantor com maior número de LPs aqui no Box?

Miranda – Tem um pouco de tudo, forró domina, Luiz Gonzaga não tenho muito não, tenho um pouco do Velho Lua, mas tenho um que é jóia rara e que não vendo pra ninguém, é onde ele conta a história dele do dia que ele saiu de casa até a volta.

Zk – Conta parte dessa história?

Miranda – Quando o Luiz Gonzaga começou ele não cantava, apenas solava. Ele passou fome no Rio de Janeiro até encontrar uns estudantes que passaram a pagar a comida dele. Luiz não tocava forró. Um dia os estudantes perguntaram, Luiz Gonzaga por que você não toca uma coisa nossa? E vocês são de onde? De Araripe! Ô xente, vizinho de Pernambuco. Os estudantes fizeram um desafio, se daqui a quinze dias você não tocar uma coisa nossa, não pagamos mais sua refeição. Com 30 dias ele voltou no bar, os estudantes tavam lá bebendo e nem olharam pra ele e quando deu uma brecha assim, ele arrastou um forrozão, diz que o bar lotou tanto, ele pediu um pires, pediu uma bandeja e a turma enchendo de dinheiro. Foi nesse dia que a RCA o contratou, além de arranjar contrato em duas rádios, ele afirma que foi o melhor dia da vida dele. O Bob Jaime disse pro diretor da RCA, se você não colocar ele pra cantar vou levá-lo pra outra gravadora, por que uma pessoa com uma voz dessa não gravar cantando é um crime. Tudo isso ele conta nesse disco que eu por felicidade tenho.

Zk – Depois dessas declarações Miranda passou a nos mostrar alguns Lps que ele considera como raridade.

Miranda – Brasil nas Copas de 58, 62 e 70, gol dos arquivos da Rádio Tupi de São Paulo com Haroldo Fernandes e equipe; Os Três do Nordeste que cantam aquela música da Madeira-Mamoré, O Trio Nordestino com aquela "Porto Velho Bom Lugar", Silvinho, Waldik Soriano, Altermar Dutra, Nonato do Cavaquinho, o primeiro LP com a música "Cavaquinho Diferente"; Noca do Acordeom; Dominguinhos; Jacson do Pandeiro; Ary Lobo e tantos outras jóias raras do cancioneiro brasileiro.

Zk – Para encerrar. E os bregas?

Miranda – Não tem quem barre. Osvaldo Oliveira, Abílio Farias, Bartô Galeno é infalível.

Zk – Por quanto você vende um disco desses?

Miranda – Isso é baratinho, com 5 reais você leva uma raridade dessas.

Zk – Diz aqui o endereço do Box

Miranda – É Box n.º 12 do Mercado Central, fica aberto de segunda a Sábado, é expediente normal, abre 6h 7h da manhã e fecha às 18h e aos domingo fechamos ao meio dia. Sinto muito orgulho de ser um caboco feirante. Isso aqui é minha vida, se não vier pra cá, eu adoeço.

zekatraca@diariodaamazonia.com.br

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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