Segunda-feira, 30 de abril de 2012 - 06h58
Há exatamente cem anos, era assentado o último dormente da Estrada de Ferro Madeira Mamoré, no ponto final em Guajará Mirim, 30 de abril de 1912. “Entre entusiasmados discursos, autoridades presentes saudavam o término da construção dos 364 km de via férrea, um prego de ouro foi simbolicamente batido no último dormente” , Matias Mendes no livro “Pioneiros”. Terminava ali após várias décadas, o sacrifício dos produtores de borracha e outros produtos brasileiros e bolivianos, de arriscarem vidas subindo e descendo as cachoeiras existentes no trecho dos rios Madeira e Mamoré entre Santo Antônio e Guajará Mirim.
A festa do centenário em comemoração a esse grande feito, acontece hoje 30, em Guajará cidade que ficou conhecida como a Pérola do Mamoré. Ao longo desses cem anos de existência, a Estrada de Ferro Madeira recebeu vários codinomes, entre eles: Ferrovia do Diabo, A Estrada dos Trilhos de Ouro, aquela que cada dormente representa uma vida, Ferrovia de Deus e assim por diante.
O que pretendemos com essa matéria, é chamar a atenção de quem de direito, para o potencial turístico que representa “A Sucata da Estrada de Ferro Madeira Mamoré”, de como poderemos transformar em geração de renda e emprego o que ainda resta da lendária ferrovia.
Não precisamos ir muito longe para confirmarmos o que citamos acima, basta ir à Praça da Madeira Mamoré aos finais de semana, para ver o quanto as pessoas gostam de apreciar, tocar, fotografar enfim, de registrar de alguma maneira, os vagões, litorinas, prédios da estação, armazéns, o plano inclinado e as locomotivas. É comum encontramos crianças e adultos se equilibrando em cima dos trilhos assim como casais namorando dentro dos vagões. A oficina é outra atração turística, pois ali podemos ver tornos, fresas e outras máquinas que fabricavam as peças de reposição das locomotivas e de todas as composições da Ferrovia, sem falar na exposição de ferramentas, fotografias, e apetrechos utilizados pela administração no que denominam de “Museu da EFMM” existente no galpão nº 1. Infelizmente esse “Museu” ninguém sabe explicar, só abre aos domingos à tarde.
Estamos apenas falando do potencial turístico existente no que passaram a chamar de “Complexo da Madeira Mamoré” em Porto Velho, que é composto pelo prédio da estação, os galpões nº 1, 2 e 3, a rontuda, a oficina, o anfiteatro e a casa onde funcionou o famoso plano inclinado.
Sucata – Atração turística que vale ouro
Para quem gosta de praticar o turismo de trilha, podemos indicar a caminhada pelos trilhos e dormentes entre a estação em Porto Velho até a Vila de Santo Antônio. Nesse trecho o turista vai se deparar com o maior crime já cometido contra o patrimônio histórico de Rondônia e brasileiro. Ali estão jogadas locomotivas, guindastes, vagões de carga e passageiros, vagões de lastro e tantas outras peças, que durante sessenta anos transportaram cargas e passageiros da Bolívia, Guajará Mirim, Vila Murtinho, Colônia do Iata, Abunã, Mutum Paraná, Jacy Paraná, e Porto Velho.
Essa sucata se bem explorada, com certeza vai gerar divisas e emprego, basta a prefeitura de Porto Velho ou o governo estadual mandar limpar, tirar o mato que cobre todo o acervo, pintar nas cores originais e colocar a disposição dos turistas guias especializados em Madeira Mamoré além, é claro, de colocar o trem trafegando pelo menos de Porto Velho a Santo Antônio.
Vimos que a linha férrea nesse trecho, com poucos reparos e a retirada das residências que ficam muito perto dos trilhos, pode dar condições para o tráfego da composição com turistas.
Guajara Mirim & Iata, Vila Murtinho etc.
Em Guajará Mirim existe um movimento que a cada dia cresce mais, no sentido de sensibilizar o governo estadual a recuperar o trecho da Estrada de Ferro Madeira Mamoré que vai até o Iata. Nesse trecho o turista vai apreciar as belezas da serra dos Parecis ou Pacaás, além de conhecer a vila que por muitos anos, abasteceu de cereais, verduras e legumes as cidades de Guajará Mirim e Porto Velho.
Ao contrário de Porto Velho, Guajará Mirim não tem o cemitério das locomotivas e composições da Ferrovia, ali se conserva o prédio onde funcionou a estação e o escritório da administração da Estrada de Ferro. É nesse prédio onde hoje funciona o Museu com peças da nossa fauna e flora e é claro, fotografias e peças da Madeira Mamoré, em virtude de ficar na passagem para o Porto das catraias (embarcações que transportam passageiros até a cidade de Guayaramerim-Bolívia), o museu do qual faz parte uma locomotiva, é bastante visitado pelos turistas, o que está faltando, é justamente um guia especializado na história da Estrada de Ferro para orientar os visitantes.
Além desse trecho, temos a Estação de Vila Murtinho que fica no município de Nova Mamoré. A estação de Vila Murtinho era a que mais dava lucro a empresa Madeira Mamoré, pois era ali que embarcavam os produtos oriundos do Departamento do Beni na Bolívia. Vale lembrar que é justamente em frente a Vila Murtinho que se encontram os rios Mamoré e Beni e desse encontro, nasce o Rio Madeira.
Abunã também é potencial turístico que precisa ser explorado, pois além da Estação da Madeira Mamoré é por lá que Rondônia tem acesso via terrestre, ao estado do Acre, é uma região rica na produção de castanha brasileira.
Jacy Paraná, talvez seja a cidade mais promissora das que nasceram ao longo dos trilhos da Madeira Mamoré, pois, em virtude da construção das Usinas Hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio a Vila se transformou numa cidade promissora. Turisticamente falando, além da famosa ponte de Jacy, temos as ruínas da estação da Estrada de Ferro e a Caixa D’água que fica a aproximadamente 1 kg do centro da Vila, além do Rio Jacy considerado bom produtor de pescado.
História - A saga da construção da EFMM
Graças ao tratado de Petrópolis, assinado no dia 17 de novembro de 1903, a Estrada de Ferro Madeira Mamoré foi construída. “Os Estados Unidos do Brasil obrigam-se a construir em território brasileiro, por si ou por empresa particular, uma ferrovia desde o porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até Guajará Mirim no Mamoré, com um ramal que passando por Vila Murtinho ou outro ponto próximo (Estado de Mato Grosso), chegue a Vila Bela (Bolívia), na confluência do Beni e do Mamoré. Dessa ferrovia, que o Brasil se esforçará por concluir no prazo de quatro anos, usarão ambos os países com direito às mesmas franquias e tarifas” Cláusula VII do Tratado de Petrópolis
Tudo isso aconteceu em virtude do litígio entre Brasil e Bolívia em torno das terras que hoje formam o estado do Acre.
Na realidade, a idéia de se construir uma estrada de ferro para facilitar o escoamento da produção de borracha brasileira e boliviana que era feita no trecho encachoeirado dos rios Madeira e Mamoré, surgiu no ano de 1861, através do general boliviano Quentin Quevedo e do engenheiro brasileiro João Martins da Silva Coutinho que percorreram o rio Madeira. “A eles, pois, cabe a prioridade da sugestão de uma ferrovia que substituísse o trecho das cachoeiras do Alto Madeira” escreve Manoel Rodrigues Ferreira às páginas 63 do livro “A Ferrovia do Diabo”.
Esse sonho só começou a ser realizado em 1907, quando o empresário americano Percival Farquar após uma manobra que envolvia o engenheiro brasileiro Joaquim Catrambi ganhou a concorrência da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré.
A primeira estaca, aquela que deu inicio a construção da Estrada de Ferro, foi fincada no dia 23 de junho de 1907 em Santo Antonio e o prego (de ouro), que fixou seu último dormente foi batido no dia 30 de abril de 1912, porém, a inauguração propriamente dita, só aconteceu no dia 1º de agosto daquele ano com os trens trafegando entre Porto Velho e Guajara Mirim, na extensão total de 364 km.
O dia que a Maria Fumaça parou
Corria o ano de 1972 e o zum zum de que a Estrada de Ferro Madeira Mamoré seria desativada por completo, chegara ao Café Santos, ponto de encontro dos portovelhenses, que ficava na esquina das ruas Sete de Setembro e Prudente de Moraes.
Ao iniciar o mês de julho as rádios e os jornais impressos começaram a divulgar uma nota da administração da Estrada de Ferro Madeira Mamoré convidando a população para a solenidade de encerramento das atividades da Estrada de Ferro que aconteceria no dia 10 de julho as 19h00.
Exatamente as 19h30 do dia 10 de julho de 1972, as locomotivas que estavam no pátio da Estrada de Ferro em Porto Velho tocaram seus apitos durante cinco “longos” minutos. Foram 60 (sessenta) anos percorrendo os 366 km de extensão da ferrovia, que levou o progresso para dezenas de localidades e transportou toneladas e toneladas de borracha, castanha e tantos outros produtos produzidos tanto pelos brasileiros como pelos bolivianos. Pois é, no dia 10 de julho de 1972 a Maria Fumaça parou. Parou mas, não foi totalmente desativada.
Os números da Madeira Mamoré
Segundo estatísticas, trabalharam na construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré 22 Mil operários, recrutados em portos de vinte e cinco países e até em prisões. Eram portugueses, espanhóis, italianos, russos, cubanos, mexicanos, porto-riquenhos, libaneses, sírios, índios, norte americanos, nordestinos brasileiros, antilhanos, granadenses, tobaguenses, barbadianos, noruegueses, poloneses, chineses e indianos. (Francisco Matias no livro Pioneiros).
Manoel Rodrigues publica em “A Ferrovia do Diabo”, que no final da construção a Companhia divulgou o número de óbitos durante os anos de 1907 e 1912: 1.552. Esse número refere-se apenas aos que foram a óbito no Hospital da Candelária. Os que morreram, mas não eram empregados, não são computados, como também não constam os que morreram nas viagens de volta depois de abandonarem Santo Antônio e Porto Velho. “Podemos assim multiplicar o total acima por 4 o que daria 6.208 óbitos” escreve Manoel Rodrigues.
O governo brasileiro pagou pela construção da ferrovia 62.194:374$366 contos de réis.
A reativação
Várias foram às tentativas de reativação de trechos da ferrovia, porém, todas fracassaram. O que achamos é que essas tentativas não deram certo por que não foram cuidadosamente planejadas.
Vinha um governo e dizia, vamos reativar o trecho tal da Estrada de Ferro, convocava os antigos ferroviários para darem um jeito de colocar a máquina (locomotiva), para funcionar. Eles atendiam a convocação e o trem voltava a correr pelos trilos por algumas semanas ou meses e logo paravam. Chegaram até a Vila do Teotônio, porém terminou por ficar fazendo o trecho de Porto Velho a Santo Antônio, fato que também não deu certo.
Em Guajará por alguns anos aconteceu a viagem até o Iata, mas, por falta de planejamento também parou.
Hoje pelo menos em Porto Velho, a prefeitura em parceria com a empresa Santo Antonio Energia está restaurando o girador, a rotunda e o galpão onde funcionou a oficina, já foram restaurados os armazens nº 1 e 2 faltando apenas do nº 3.
Em Guajará Mirim, o governo estadual está restaurando o Museu que funciona no prédio da antiga estação.
O sonho de todos os rondonienses em especial, os que residem em Porto Velho e Guajará Mirim, é ver o trem voltar a correr pelos “Trilos de Ouro” da Estrada de Ferro Madeira Mamoré a “Ferrovia de Deus”.
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