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Silvio Santos

Opinião: Ecos do Madeira



Paulinho Rodrigues analisa os problemas causados pelo banzeiro do Rio Madeira

O artigo que publicamos abaixo, de autoria do advogado Paulinho Rodrigues umGente de Opinião estudioso dos fenômenos naturais e as conseqüências prejudiciais provocadas pela ação do homem, contra a natureza, como é o caso do que está acontecendo com as barrancas do Rio Madeira, após a abertura de parte das comportas, de uma das usinas, que estão sendo construídas em seu leito. Vale salientar que Paulinho Rodrigues quando escreveu o artigo que segue, ainda não havia acontecido a paralisação das operações de embarque, no Porto Caiari “Erroneamente chamado de Porto Graneleiro”. Acompanhe as observações de Paulinho Rodrigues:


 

Ecos do Madeira

Paulinho Rodrigues (*)

Seguindo seus meandros e contornando obstáculos naturais, o murmulhar quente das virações fluviais do originário Caiari, além de sons, carrega em seu caminho as mais diversas vocações que produzem eco, quais sejam; madeiras, silte argiloso orgânico, cristais aciculares em suspensão, bacias de evolução, ouro de aluvião, mucururús, canaranas, esperanças, vidas, encantados, mitos, lendas, e, severas conseqüências para quem lhe agride. De parca literatura a seu respeito, sabemos que se trata de Rio de formação recente (tendo se originado no período cenozóico inferior, que dista da era atual cerca de sessenta milhões de anos), e, sendo jovem, por seus arroubos, se torna quase indomável, principalmente quando pouco se conhece dele. Seus filhos talhados na força das suas cachoeiras, desde a mais tenra idade, aprenderam com os ancestrais a tirar do Rio o sustento para o cotidiano. Observando suas correntezas com sons peculiares em cada ponto do seu curso, aprendemos a respeitá-lo, afirmando cada vez mais a máxima de que “...água não tem cabelo...”. Sempre foi para nós, um misto de admiração e medo, mas sobre tudo respeito.


Sons horripilantes da “Boca da Onça”

O incomparável Oceanógrafo Jaques Custeaux, quando estudou estas paragens comentou: “...eu mergulho por baixo da calota polar em expansão, mas não mergulho nas águas do Madeira...”. Acreditamos, por ser um cientista renomado, que o fato de não mergulhar nestas águas, se dava muito menos pela lenda, e muito mais por respeito ao Rio ou talvez por desconhecer um de seus mais temidos habitantes, oreal teleósteo siluriforme (Brachyplatistoma Filamentosum), a Piraíba, que de longe, jamais pode ser comparada ao voraz, porém saboroso Tucunaré (CichlaocellarisSchn.), do Rio Tapajós. Nossa memória remota no faz lembrar, o esforço dos caboclos pescadores do Uruapiara (Baixo Madeira), para retirar o “bicho” d’água, que fisgado em garatéia alinhada com resistente groseira, produzia um som estertorado e sufocante, que desde criança até hoje, está gravado em nossas células de memória. Já adolescente em companhia do renomado Topógrafo Antonio Moreira da Silva, conhecemos os sons horripilantes da “Boca da Onça”, na então Cachoeira do Jirau. O barulho produzido naquele grotão, era ensurdecedor típico dos “gulosos”, que em seus finais redemoinhos com sonoro “caracol”, engoliam para o fundo das águas (onde se localizam os “encantados” habitados por feras reais ou por entidades que demologicamente povoam o nosso imaginário), tudo que descia de “bubulha” (bubuia), ou que se encontrava submerso próximo da superfície. Nos banzeiros e pontas d’água, a correnteza também fazia o barranco chorar, ao tempo em que nas áreas de várzea, era depositado o rico silte argiloso orgânico, sendo húmus profícuo para a lavoura ribeirinha de subsistência. Nesses baixios e faixas marginais de leve inclinação ao longo do Madeira, o legítimo amazônida plantava e colhia (macaxeira, melancia, gerimum caboclo, maxixe, quiabo, repolho, couve, alface, cuentro e cebolinha), ouvindo o pulsar vivo das virações do Caiari.
 

Ecos ilustrativos

Não podemos esquecer de que ali pelo Alto do Bode, Morro do Querosene e adjacências, retumbavam os sons da Nação Corre Campo, oriundos da Baixa da União, que juntamente com as Toadas de Galêgo, Cabo Fumaça, Ventania e Mariano, entoavam rumo às barrancas do Rio, indo além da imaginação... “... Oi quando estou cantando boi / e a morena vem olhar... (bis)... Oi urra meu boi na campina / oi canta a sereia no mar... (bis). Ao longo do trecho encachoeirado, a montante da nossa Capital, a partir do Tratado de Petrópolis, foi construída a lendária “Ferrovia do Diabo”, a Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Com efeito, durante quase um século, os sons e ruídos da “Maria Fumaça”, ecoaram de Porto Velho a Guajará Mirim e vice-versa. Não é demasiado lembrar, que até hoje (quando ouvimos a sirene que marcava o tempo, aposta no galpão central da Praça EFMM), o ar se enche de histórias e este som nos remota há tempos áureos de saudosas recordações. Não podemos esquecer dos sons dos navios Augusto Montenegro, Lauro Sodré, Lôbo D’almada e Leopoldo Peres. Samburucú e Santa Bárbara, em suas efemérides, também ecoavam por estas paragens, fundindo seus batuques, com os primitivos rituais silvícolas... “Periqito” e seu “Triângulo não Morreu”, Pobres do Caiari, Bola Sete, Diplomatas, Bloco da Cobra, Waldemar Cachorro e o “Rei das Selvas”, com seus ritimados sons, deram origem ao que vemos e ouvimos hoje durante a quadra momesca. Sons com outro ritmo importado do nordeste, eram produzidos por Panela sem Tampa, Macaxeiral Roxo, Arrasta pé da Juventude e Arrasta pé no Cariri, em autênticas quadrilhas juninas. Na semana da independência, as bandas marciais e fanfarras davam garboso tom, quando os Colégios Dom Bosco (liderado pelo Pe. Filinto Santiago), Castelo Branco e Maria Auxiliadora, faziam o cascalho tremer na Avenida Pinheiro Machado.
 

O banzeiro e o Porto Caiari

O remanso na ponta d’água, logo após o pátio da EFMM, em frente ao Mirante III (Arigolândia), desapareceu recentemente, dando lugar a um banzeiro constante. Como nunca antes registrado, imita o fenômeno de “terras caídas”, engolindo canaranas, pés de embaúbas e taperebás. Com efeito, as operações no Porto Caiari (erroneamente chamado de Porto Graneleiro), serão prejudicadas, indo desde o comprometimento do arrimo e talude que sustenta a rampa fixada à bóia do “Dolphin”, que dá acesso aos módulos do cais flutuante, passando pelo assoreamento dos berços de atracação até o sistema roll-onroll-off, onde nem mesmo os mais experientes amazônidas usando o “morto” (sistema vertical de fixação de cabos em terra e paralelo ao rio), serão capazes de estabilizar e realizar atracações como dantes eram; os banzeiros a jusante da Cachoeira de Sto. Antonio, outrora inexistentes, hoje, em tese, se constituem em produtores de prejuízo cumuladamente manifesto. No “Aquatrans IV” de 2002, ocorrido em Belém (PA), retificamos a velocidade das águas do Madeira imediatamente após Sto. Antonio até a Ilha dos Mutuns, que variava entre 5 a 3 nós no período sazonal mais alto (março/abril). Tal correnteza se manifestava “lisa” e sem banzeiros, a não ser durante os ventorais. Agora, sem tempo (tá fazendo um tempo!!! – lembram?), e sem ventorais, as águas tem movimentos e banzeiros com forte erosão e consequências imprevisíveis.

Em tese, o Madeira não foi observado; os caboclos não foram ouvidos e a cultura local muito menos; a observação empírica que pode dar base ao artigo científico, nos parece, não foi catalogada; b a n z e i r o s e fenômeno de terras caídas, possivelmente, não integravam a filologia dos arquitetos e gestores do projeto barrageiro.



Sem xenofobia ou ufanismo exagerado

Conclusão: “Alea jacta esta”. Com a ocupação de largas faixas marginais e aumento acentuado dos igapós, resultando gigantescos espelhos d’água, chuvas torrenciais e ventorais (a exemplo dos temporais setembrinos), em tese, poderão ocorrer nos mais improváveis períodos, justificando, inclusive, a perceptível e desordenada floração “fora de tempo”, de mangueiras, assa-peixe, caju etc.

Não poderíamos esquecer de citar as monções andinas com seus fundamentais Madre de Dios e Beni, Guaporé e Mamoré de cujas tributações fluviais, dependem as variações sazonais ao longo do Madeira. A barragem do curso natural desequilibra muitos sistemas provocando desastres de toda ordem e magnitude, a exemplo do ocorrido recentemente (março/abril) na BR 364, próximo do acesso ao Bairro Ulisses Guimarães, em Porto Velho, quando um bueiro não suportou a força das águas das chuvas, que represadas na caixa de empréstimo, romperam a BR naquele trecho. Assistimos uma pequena “amostra grátis” do caos originário dos sons de um quase insignificante igarapé. Imaginemos então, a fúria do Madeira...

Sem xenofobia ou ufanismo exagerado, precisamos manter viva a nossa memória, caso contrário, estaremos fadados ao achatamento pela ausência de políticas públicas continuadas que venham norteara manutenção da nossa história, nos livrando das ações implacáveis que distorcem princípios, sem falar na responsabilidade e desenvolvimento social, dos valores morais e espirituais, dos fatos, lugares, coisas e pessoas, que formam o complexo dos padrões comportamentais desta terra, ainda vivos em nossos quintais.

Sei que deixamos de registrar muitos outros sons, e, certamente Sílvio (Zé), Monteiro, Basinho, Zoghbi, Geraldo (o Cruz), e Tatá poderão dizer;... Este texto é uma real poética do romântico imaginário popular de Rondônia... Para nós, também é sinédoque entre o passado recente e os ruidosos sons de hoje. Não haverá decibelímetro capaz de mensurar as vibrações sonométricas pós barragem, mesmo porque os banzeiros não produzem, em tese, fenômenos acústicos, pois não possuem material elástico; mas os banzeiros, são quase elásticos, em movimentos oscilatórios de vai e vem... Os banzeiros são quase silenciosos, murmulhadores... Registramos estes ecos (parafraseando Geraldo - o Vandré), para não dizer que “... não falei de flores...”, ou melhor, para não dizer que não falamos das respostas do Rio Madeira, e aquelas que ainda poderão vir...há variantes...

 

Conclusão

Náufragos de outras viagens, não podem simplesmente lançar suas âncoras neste velho porto de esperanças, teorizando na tentativa de nos enfiar de goela abaixo, tudo que é “bom” para outros lugares do planeta. Seguem movimentos sazonais, em tese, insustentáveis, e que muitas vezes nada tem a ver com o lugar, erigindo obstáculos sob o extravagante argumento de promover o progresso. É preciso cantar nossa aldeia, crer na semente, sem importar modelos ou movimentos sem critérios, seja lá de onde for o interesse, o gestor ou a tecnologia. É preciso produzir com solidez pautada em perspectivas de desenvolvimento com sustentabilidade. “...Sto. Antonio do Madeira / a primeira Capital / Ilumina meus Caminhos / Livra-nos de todo mal...”, diz a canção. Os nativos produtores de símbolos codificados não são espectadores, são atores. Aqui, não queremos ser uma espécie de “apóstolo do apocalipse”; tampouco emitir juízo de valor, mormente à geologia ou hidrologia; não há tal pretensão... No entanto, todavia, porém, é preciso trazer à lume, que a voz dos brasileiros destas “...fronteiras de nossa pátria..”,não pode minguar. A nossa demológica etnologia, não pode ser subtraída ou sufocada, precisa ser ouvida, propalada... E a exemplo do Rio Madeira, dar suas respostas, ecoar...

*Paulinho Rodrigues é
Rondoniense de Porto Velho

 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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