Porto Velho a cidade, e não o município, para muitos historiadores, completa 100 anos no próximo dia 4 de julho.
Na realidade, os historiadores que defendem o 4 de julho se baseiam num conto publicado no livro "Reminiscência da Madmamrly e Outras Mais" do escritor e ex-ferroviário Hugo Ferreira que cita, às páginas 23 e 24, que no inicio da construção, ali, onde hoje funciona a ENARO e que também foi conhecido como Serviço de Navegação do Madeira – SNM, nas proximidades do Museu, foi pregado no dia 4 de julho de 1907, um PREGO DE PRATA simbolicamente, dando inicio a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré e em conseqüência, inaugurando a cidade de Porto Velho.
Acontece que uma outra gama de pesquisadores, discorda da data, ou melhor, do ano. É o caso do nosso entrevistado de hoje Antônio Cândido da Silva, um humaitaense nascido em janeiro de 1941 que desde os três anos de idade (1945), mora em Porto Velho. Poeta, historiador e acima de tudo pesquisador da nossa história, Antônio Cândido contesta a data de 4 de julho de 1907, por achar que entre a chegada dos americanos em Santo Antônio, no dia 23 de junho de 1907 até o dia 4 de julho do mesmo ano, "é totalmente impossível que se tenha começado aqui em Porto Velho, no dia 4 de julho de 1907, a construção da ferrovia". Justamente por essa análise, foi que escolhemos o Cândido para iniciar essa série de entrevista que deve contar a partir de hoje, e sempre na edição de domingo da nossa coluna, com depoimentos de historiadores e pessoas que pesquisam e estudam a história de Porto Velho.
É o Zekatraca de volta, depois de merecidas férias. É o Zekatraca que está festejando 20 anos defendendo a cultura de Rondônia. Desses 20 anos da existência do personagem que começou no Jornal "A Tribuna", 14 são no Diário da Amazônia.
Aproveitamos para agradecer aos amigos, colaboradores e em especial, aos leitores que fazem da nossa coluna a preferida. Obrigado!
E N T R E V I S T A
Zk – Vamos começar com a seguinte pergunta! Porto Velho está completando realmente cem anos em 2007?
Antônio Cândido – Bem! Pelos documentos que tenho em mãos e pela lógica, pela razão, por tudo que se pode verificar, é totalmente impossível que se tenha começado aqui em Porto Velho, no dia 4 de julho de 1907, a construção da ferrovia, conforme opinião de alguns escritores, historiadores, jornalistas etc. & tal, que defendem essa idéia.
Zk – Vamos justificar essa sua tese?
Antônio Cândido - Nós temos documentos aqui, assinado e publicado pelo próprio Joaquim Catambri que foi quem ganhou a concorrência para a construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré que diz o seguinte: Os americanos chegaram aqui no dia 23 de junho de 1907, para o dia 4 de julho faltavam 12 dias apenas, ele fala que foram verificar todas as cachoeiras por onde ia passar a ferrovia, depois disso, que ele veio escolher o local para ancorar os navios, porque Santo Antônio não oferecia ancoradouros na parte do verão. Depois de tudo isso, ele chegou a conclusão de que havia um problema intransponível que era o Tratado de Petrópolis que dizia taxativamente que o inicio da Estrada de Ferro Madeira Mamoré seria em Santo Antônio.
Zk – Você quer chegar aonde com esse relato?
Antônio Cândido – Se analisarmos que, foi preciso fazer tudo isso, vamos verificar que este espaço de tempo de apenas 12 dias, era humanamente impossível que se tivesse conseguido começado a Madeira Mamoré no dia 4 de julho, mesmo porque não daria tempo nem de fazer o desmatamento, medição e tudo mais. Levando em consideração ainda, que o pessoal estava localizado em Santo Antônio e não em Porto Velho e que todo esse trabalho levava tempo. Depois, vamos verificar no documento do Catambri que foi preciso um acordo internacional pra que houvesse essa autorização para se mudar o que estava escrito no Tratado de Petrópolis.
Zk – Esse documento foi assinado quando?
Antônio Cândido – Somente no dia 16 de janeiro de 1908 através da Ordem de Serviço n° 2, foi que o Ministro de Viação e Obras Públicas autorizou a Madeira Mamoré, a começar sua construção em Porto Velho, ou seja, sete quilômetros abaixo da Santo Antônio. De posse dessa documentação verificamos que trazer isso para o dia 4 de julho de 1907 é tolice. Alguns alegam que os americanos tinham o costume de inaugurar coisas no dia 4 de julho, por se tratar da data da independência dos Estados Unidos. Vamos verificar em toda a história da construção, que o único relato de inauguração que houve no dia 4 de julho, foi a do Church através da P & T Collins, foi àquela história de quando a máquina entrou na curva há três quilômetros depois, tombou, isso em Santo Antônio. Verificamos que o primeiro trecho da Estrada de Ferro que é o de Porto Velho até Jacy, não foi inaugurado nessa data, o trecho até Abunã também não, eles terminaram a ferrovia no dia 30 de abril e só foram inaugurar no dia 1° de agosto de 1912. Quer dizer, eles passaram pelo 4 de julho e só foram inaugurar em agosto.
Zk – Diante do exposto. Em sua opinião qual a data que devemos festeja realmente o nascimento da cidade de Porto Velho?
Antônio Cândido - História, não adiante você dizer que contaram ou que falaram, história tem que ser comprovada. Não existe comprovação, a não ser, o Hugo Ferreira que diz que foi batido um prego de prata no dia 4 de julho de 1907 como marco do inicio da construção da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. Ele não afirma, diz que disseram pra ele, que alguém fez uma carta pra ele dizendo que houve um prego de ouro em Guajará Mirim no término da construção e que havia acontecido o mesmo em Porto Velho só que com um prego de prata. Então, não existe nada de concreto que se diga que o lançamento do inicio da ferrovia no dia 4 de julho de 1907.
Zk – Independente da data do inicio da construção, a quem devemos reverenciar como o criador da cidade de Porto Velho, Farquar ou Catrambi?
Antônio Cândido – Bom! Com relação a data, eu acredito que diante dos documentos que tenho, porque não conheço outro que fale em 4 de julho, acredito que o ideal, o certo, até prova em contrário, acredito que o dia da Ordem de Serviço n° 2 dia 6 de janeiro de 1908, seria a data ideal para se festejar o nascimento da cidade. Por quê? Porque existe um documento histórico dizendo que a partir daquela data se podia construir.
Zk – E o mérito da criação da cidade vai pra quem?
Antônio Cândido – Com relação ao Farquar seria meio difícil', quando ele chegou aqui, Porto Velho já estava iniciado pelo Catrambi embora a gente saiba que extra oficialmente era ele quem governava a coisa toda.
Zk – Alguns historiadores escrevem que Farquar projetou Porto Velho no Rio de Janeiro é verdade?
Antônio Cândido – Uns dizem que Farquar é o pai de Porto Velho. Esse negócio de projetou Porto Velho não existe também, aliás dizem que ele projetou a cidade não no Rio de Janeiro, mas, nos Estados Unidos. Na realidade o que veio projetado de lá foram as casas. Se você observar a construção de Porto Velho naquela época, não tinha alinhamento, você vê que a Casa 6 ficava em cima da Rua Henrique Dias hoje, o Clube Internacional ficou na posição certa porque fizeram a Sete de Setembro em sua função da localização do clube que dizer, não tinha esse alinhamento, essa perfeição essa coisa não.
Zk – Qual bairro podemos considerar como sendo o primeiro bairro de Porto Velho, o Triângulo a Baixa da União ou o Alto do Bode?
Antônio Cândido – Eu acredito que tenha sido mesmo o Alto do Bode. Acontece que os barbadianos contratados pelos americanos, foram o único povo que trouxe família e por que eles traziam família? Porque eles já tinham trabalhado nas Antilhas com os barbadianos, e pelo fato de falarem a mesma língua se davam muito bem e também porque as mulheres dos barbadianos trabalhavam como domésticas, trabalhavam na lavanderia, então eles se entendiam. Como eles tinham família criaram o que ficou conhecido como Alto do Bode.
Zk – Alguns historiadores só consideram como sendo Porto Velho a parte que ficava da linha divisória pra cima. Isso ta correto?
Antônio Cândido – Acontece que a área da Estrada de Ferro liberada para os americanos, era de 5 quilômetros de cada lado. Você vai imaginar que começa num ponto primordial que hoje seria ali por onde é o Porto oi que quer dizer que ia até perto do Sítio Santa Marta que era depois da Candelária e seguia 5 quilômetros em direção ao Leste que se fosse hoje talvez fosse até a Avenida Guaporé. Era uma extensão muito grande é por isso, que só encostava no porto, quem eles permitiam. Por que, porque a linha passava do IB Sabba até a Candelária, pegava o Rio Madeira todinho aqui na frente. Quando Santo Antônio começou a ser abandonada e o povo veio pra cá, eles tiveram que tomar providencias, como não podiam mais expulsar o povo eles construíram a tal linha divisória que se fosse hoje era a Avenida Presidente Dutra, mas a cidade era um todo, tudo era Porto Velho.
Zk – Por falar em nome. Porto Velho é uma homenagem ao tal Velho Pimentel ou ao Porto dos Militares?
Antônio Cândido – Olha, na edição n° 1 do Jornal Alto Madeira de 15 de abril de 1917 existe uma publicação histórica "Porto Velho a origem do seu nome". Já na edição da Revista Para Agrícola uma revista paraense, que foi publicado em janeiro de 1946, vamos encontrar o seguinte: "A origem do nome de Porto Velho": O alto Madeira publicou em sua edição inaugural de 15 de abril de 1917 o seguinte artigo de seu colaborador engenheiro Silva Campos historiador baiano que exercia naquela época o cargo de engenheiro chefe da Estrada de Ferro Madeira Mamoré". Resumindo a história que ele escreveu. "Em função da guerra do Paraguai, D. Pedro II temendo que a Bolívia invadisse o Brasil, mandou que se instalasse, pontos militares na fronteira do Mato Grosso com a Bolívia.
Zk – Pêra aí. Existem historiadores que dizem que o Quartel foi instalado em São Carlos do Jamari, agora você diz que foi em Santo Antônio. Quer esclarecer melhor essa confusão?
Antônio Cândido – São Carlos não tinha militar. To pesquisando umas Leis do tempo do Império e já descobri a Lei que autorizou o estado do Mato Grosso a criar as Guardas Nacionais na época da guerra, ela diz pra criar, mas, não diz aonde criar, naturalmente deixou a cargo do governo de Mato Grosso a localização desses pontos militares. Voltando ao assunto, então o nosso Silva Campos diz que foi feito um ponto militar em Santo Antônio e que em função das doenças eles desceram uma vez e depois uma segunda vez, localizando-se onde mais tarde se construiu a sede, o inicio da Madeira Mamoré. Em momento nenhum ele fala em ninguém mais, só fala no ponto militar. Ele diz que o nome de Porto Velho é em função do ponto militar de Santo Antônio que desceu pra cá. Ele diz que nessa época, não fala em nenhum morador e nós verificamos também na carta dó Catrambi que de Porto Velho só se conhecia o barranco com a pujança de sua mata... Mas, não fala em nenhum morador. O Silva Campos também, diz que a origem do nome de Porto Velho é em função do ponto dos militares. Esse é o primeiro documento, digamos assim é a certidão de batismo de Porto Velho porque foi publicado em 1917 cinco anos depois de se inaugurar da Estrada de Ferro e um ano depois de se criar o município.
Zk – E os termos, Ponto do Velho, Porto do Velho, Ponto Velho das Caçadas?
Antônio Cândido – Você não vai ver em nenhum documento antigo a situação, do Velho. É Ponto Velho; Porto Velho etc. Em nenhum momento você vai encontrar o termo Porto do Velho. Acontece que Pointo e Porto tinham o mesmo significado na época.
Zk – E o Velho Pimentel surge a partir de quando?
Antônio Cândido – O Julio Nogueira não fala em nenhum Velho Pimentel o Hugo Ferreira que chegou aqui em 1911 também não fala em Velho Pimentel. Nós só vamos ouvir falar de Velho Pimentel a partir de 1950 com o Antônio Catanhende mesmo assim, se você for pegar o Catanhende ele diz que o estava dizendo servia apenas de incentivo para novas pesquisas. Disseram pra ele que existiu o Velho Pimentel. O Vitor Hugo diz o seguinte: "Pra ser sincero, não encontrei ninguém que tenha conhecido o Velho Pimentel".
Zk – Mas, o Vitor Hugo defende que se preserve o mito a lenda, assim como se preserva a história ou a,lenda de Rômulo e Remo que originaram o nome da cidade de Roma na Itália?
Antônio Cândido – Lenda é lenda e história é história.
Zk – O que é necessário fazer, para se desfazer o que se vem ensinando nas escolas desde muito tempo, dando conta da existência do Velho Pimentel?
Antônio Cândido – Eu já propus isso na Academias de Letras junto aos meus colegas, já conversei com historiadores. Gente! Vamos criar uma comissão com pessoas sem paixão, que queiram discutir o assunto, que entendam do assunto para que esse assunto seja debatido e se crie a história real da origem de Porto Velho. Acontece que todo mundo chega aqui e se diz historiador. O camarada chega e diz Ah eu cheguei aqui há vinte anos, sou um dos pioneiros. Que pioneiro rapaz, 20 anos não é pioneiro de nada. Então o professor que vem de fora (a maioria dos nosso professores vêm de fora), chega e diz, eu sou professor de História tenho que ensinar a história regional, aí vai pesquisar no Amizael, Esron, Catanhede e todo mundo fala no Velho Pimentel e passa para os seus alunos e o negócio vai ficando como está, com a história mal contada.
Zk – Vamos falar do seu próximo livro. Qual o título e quando vai ser lançado?
Antônio Cândido – Provavelmente vai ser lançado no mês de abril, através da Editora da UNIR a EDUFRO. O título é "Enganos da Nossa História" que é um livro muito rico em pesquisas e documentos.
Zk – Além desse, tem outros livros no prelo?
Antônio Cândido – A ser publicado, Diarui que é a historia da extinção dos Caripunas; Lídia Xavier (a história do 1° suicídio em Porto Velho); O Porão dos Condenados (sobre a revolta da Chibata); Cotacocês (a história dos japoneses em Vila Amazônia lá em Parintins) e tenho o de poesia que é o Passarela de Emoções.
Zk – E o poeta Antônio Cândido, no ápice do romantismo que envolve a poesia, como é que fica nessa história do Velho Pimentel?
Antônio Cândido – Apesar do romantismo que envolve a lenda do Velho Pimentel, prefiro ficar com o lado histórico da coisa.