Segunda-feira, 6 de setembro de 2010 - 07h09
Nessas nossas andanças em busca de histórias e estórias sobre os encantados da floresta e dos rios amazônicos, jamais ouvimos casos que se passaram com a pessoa com quem conversamos. Todos, até conversarmos com o senhor Raimundo Lima que também é conhecido pelas barrancas do rio Madeira como Raimundo Cangati, diziam que determinada história ouviram de um tio, do avô de um senhor mais velho etc. Jamais o “causo” se passava com a pessoa com quem conversávamos.
Esse tabu foi quebrado, durante a viagem que fizemos a convite do Jurandir Costa através do Projeto Cineamazônia Itinerância aos Distritos de São Carlos, Nazaré e Calama todos no baixo rio Madeira. Na tarde de quarta feira dia 25 de agosto, no Porto de Calama o Comandante Ribeiro proprietário do Barco “Nossa Senhora Aparecida II” na hora da merenda, ao saber do meu interesse por histórias dos encantados, principalmente sobre Botos, me disse: “Pergunta do Raimundo sobre como os Botos viraram a canoa dele e se “entoaram” na mulher dele!” Raimundo Lima era o prático do barco no qual estávamos viajando. Virei pro seu Raimundo e quis saber sobre aquela história que o Ribeiro estava falando e então ele começou a contar. Pedi um tempo para ir buscar meu gravador, pois queria gravar uma história sobre Botos contada por quem realmente a viveu.
A cada palavra a cada frase que seu Raimundo dizia ficávamos mais “encantados” com a narrativa. “Matei um Boto e fiquei sabendo depois que aquele Boto era uma pessoa encantada”. Segundo Raimundo Lima a partir de então, não podia viajar pelo rio Madeira sem que os Botos não o perseguisse, até que conseguiram virar sua canoa. “Só escapei porque estava perto da beira e as pessoas viram e me salvaram”. A conversa ficou mais interessante quando ele nos disse que a filha do Boto que ele havia matado no Lago Cuniã, “encarnou” em sua mulher e queria levá-la de qualquer maneira para o fundo do rio. “Minha mulher ficou doida, amarrei ela numa rede e com uma força descomunal, ela rasgou tudo e queria porque queria correr para o fundo do rio”. As histórias foram fluindo naturalmente, até chegar na que os pescadores salvaram uma Bota que já estava exausta de tanto transar.
Pois então vamos acompanhar os fatos que se passaram com o Comandante Raimundo Lima um prático que navega pelo rio Madeira há mais de cinqüenta anos.
São histórias que ele jura de pés juntos, que são verdadeiras.
E N T R E V I S T A
Zk – O senhor é de onde?
Raimundo Lima – Sou registrado como filho de Humaitá, porém nasci no Ceará. O certo é que me considero amazonense de Humaitá.
Zk – Desde quando o senhor conhece os canais navegáveis do Rio Madeira?
Raimundo Lima – Dos nove (9) anos em diante, comecei a viajar pelo Rio Madeira. Dei uma parada porque fui trabalhar como agricultor, depois fui morar em Porto Velho e voltei a trabalhar em embarcação.
Zk – Em Porto Velho além de embarcadiço, o senhor trabalhou em que?
Raimundo Lima – Trabalhei em olaria fazendo tijolo, fui calunga de caminhão e então passei a trabalhar na Ceron, isso em 1972. Na Ceron fui contratado como operador de máquina pesada.
Zk – E no Serviço de Navegação do Madeira?
Raimundo Lima – Aí já foi quando Rondônia passou a estado. Acontece que pedi as contas da Ceron porque eles queriam que eu fosse trabalhar em Ji Paraná e naquele tempo, a BR-364 não tinha nem asfalto, depois tinha um problema com um engenheiro e então preferi pedi as contas. Depois ainda trabalhei como segurança num banco e numa empresa distribuidora e só então fui trabalhar no Serviço de Navegação do Madeira – SNM.
Zk – Você foi contrato pelo SNM como que?
Raimundo Lima – Como marinheiro fluvial. Quando comecei a trabalhar no Serviço de Navegação o superintendente era o seu João Elias, aí veio o Augustinho Rivero. Já no governo do Jerônimo Santana criaram a Enaro e nós continuamos lá.
Zk – O SNM atendia os ribeirinhos de que maneira?
Raimundo Lima – Tinha a Lancha do Beradão que transportava os produtos e os produtores de Nazaré até Porto Velho, parando em todas as localidades da beira do Madeira nesse trecho. A Lancha do Beradão como era conhecida, saí de Porto Velho quinta feira, rumo a Nazaré e de lá vinha parando em toda localidade até chegar em Porto Velho por volta do meio dia de sexta feira.
Zk – O que os agricultores ribeirinhos traziam na lancha do Beradão?
Raimundo Lima – Vinha de tudo, porco, galinha, pato, banana, farinha, caça que naquele tempo era permitido, gente doente, peixe, mandioca e muitos outros produtos como frutas, melancia, biribá etc.
Zk - E as viagens para o Rio Machado?
Raimundo Lima – Essas aconteciam de 15 em 15 dias e o batelão vinha carregado de farinha, peixe, borracha que era o motivo da viagem e muitos outros produtos. A lancha ia até Tabajara. Na realidade a lancha ficava a baixo da Cachoeira 2 de Novembro e o pessoal embarcava nos caminhões da Serejipa e ia ou vinha de Tabajara para pegar a lancha.
Zk – Vamos dar um tempo nessas viagens na Lanchas do SNM para falar dos encantados do rio madeira! É verdade que o senhor foi perseguido pelos Botos?
Raimundo Lima – Acontece que fiquei desempregado e fui trabalhar tirando sova no beradão, isso quando eu ainda era solteiro,
Zk – O comandante Ribeiro me disse que o senhor certa vez matou um Boto e então passou a ser perseguido. Quer contar como foi que isso aconteceu?
Raimundo Lima – Estava participando de uma pescaria na boca do lago Cuniã com um companheiro, quando os Botos começaram a boiar em grande quantidade, boiavam e pulavam naquela algazarra própria dos Botos. Foi quando meu companheiro de pescaria achou por bem atirar nos bichos para matar. Acontece que depois de gastar algumas balas ele não acertou nenhum Boto, então disse, peraí que vou te mostrar como é que se atira nesses bichos. Peguei a espingarda e fiquei esperando um Boto boiar, quando ele surgiu na flor d’água atirei, foi só uma.
Zk – O que aconteceu?
Raimundo Lima – Aconteceu que era um Boto Vermelho (cor de rosa), e os demais botos, nadaram no rumo dele levando para a beira do lago, era aquela zuada tipo lamento, um negócio que me deixou arrepiado, nunca tinha visto aquilo em toda minha vivencia de beira de rio. Parecia gente querendo salvar uma pessoa. Não teve jeito o Boto morreu.
Zk – E a perseguição a sua pessoa?
Raimundo Lima – Passou um bocado de tempo, eles sempre me perseguindo, querendo alagar minha canoa até que conseguiram.
Zk – Como foi que aconteceu isso?
Raimundo Lima – Um dia ia atravessando de Porto Velho para São Sebastião que fica do outro lado do rio e no meio da viagem, eles entraram por debaixo da minha canoa e viraram e ainda ficaram pulando por cima. Fui salvo porque o pessoal que estava na beira do rio viu aquilo e foi me salvar.
Zk – E o caso com sua mulher?
Raimundo Lima – Depois disso, passou um bocado de tempo, me casei. Então eles (os Botos) para se vingar de mim encarnaram nela
Zk – Que história é essa de encarnação?
Raimundo Lima – Certo dia cheguei em casa e ela estava “atuada” (possuída), querendo de qualquer maneira correr no rumo do rio Madeira. Ela tinha muita força, cheguei a amarrá-la na rede e não teve jeito, ela rasgou a rede toda e conseguiu se livrar e queria porque queria correr para a beira do rio. Isso aconteceu várias vezes.
Zk - E como foi que o senhor ficou sabendo que eram os Botos que estavam fazendo aquilo?
Raimundo Lima – Depois de muitos dias lutando com ela, me aconselharam a levá-la num curandeiro. Foi o que fiz.
Zk – E aí?
Raimundo Lima – Aí foi que quando chegamos na casa do curandeiro, ele então perguntou por que ela estava fazendo aquilo comigo.
Zk – O que aconteceu?
Raimundo Lima – Aconteceu que ela disse que eu não deveria ter judiado de Boto, que aquele Boto que eu havia matado era encantado, quer dizer era gente. Disse mais que só se deve matar o que a gente come e que eu só estava vivo porque sabia me defender.
Zk – Isso era o Boto falando através da sua mulher?
Raimundo Lima – Era uma mulher encarnada na minha mulher, que dizia ser filha dele. Teve uma hora que ela ficou muito braba e gritava que eu era um assassino, criminosos que tinha matado o pai dela, o negócio estava muito perigoso pro meu lado, fiquei realmente com medo.
Zk – Quem era esse Curandeiro?
Raimundo Lima – O interessante foi que quando cheguei na casa dele com minha mulher, ele disse que sabia que eu iria lá naquela manhã.
Zk – Esse curandeiro morava aonde?
Raimundo Lima – Ele morava na Boca da Brasileira (uma localidade que fica no Baixo Rio Madeira nas proximidades de São Carlos) seu nome era João Januario.
Zk – Depois disso pararam de lhe perseguir?
Raimundo Lima – Deixaram minha mulher sossegada, mas continuaram me perseguindo.
Zk – De que maneira?
Raimundo Lima – Certa vez lá na casa do curandeiro, aquela mulher filha do Boto encarnada em outra mulher, disse que eu ainda iria sofrer uma dor igual a que ela estava sentindo.
Zk – A ameaça foi concluída de que jeito?
Raimundo Lima – Acontece que minha mãe adoeceu e ela a filha do Boto se entoou numa outra mulher e me disse aquelas palavras que falei, que eu iria pagar com a mesma dor. O resultado foi que ela disse que iria levar a minha mãe e realmente levou.
Zk – O que foi que o senhor fez para que os Botos parassem de lhe perseguir?
Raimundo Lima – Depois disso participei de uma sessão na casa do Curandeiro na qual ela se manifestou e eu pedi que deixassem de me perseguir, prometi que nunca mais iria mexer com os Botos e assim desde então vivo em paz, navegando pelo rio Madeira dia e noite, noite e dia a nada me acontece.
Zk – Vamos deixar essa história de encantamento de lado. Quanto tempo faz que o senhor atua como prático, dirigindo barco pelo rio Madeira?
Raimundo Lima – Rapaz, só no governo, no SNM e depois na Enaro, trabalhei 36 anos. Me aposentei e continuei trabalhando em empresas particulares, sempre na profissão de prático.
Zk – O rio Madeira é difícil. Seu canal navegável muda muito?
Raimundo Lima – Para você fazer idéia, se o prático passar 30 dias sem viajar, não consegue mais dirigir um barco sozinho, tem que ter um colega ao seu lado orientando, pois o canal do Madeira muda constantemente no verão.
Zk – Como é que vocês práticos sabem o local exato por onde está dando passagem?
Raimundo Lima – A experiência! Só com muita experiência, com muitos anos navegando a gente passa a conhecer ou, a saber, por onde o rio está navegável.
Zk – Dá para o senhor fazer uma comparação pra gente?
Raimundo Lima – Por exemplo: Quando o rebojo da água é longo é porque aquele local está fundo. Quando o rebojo está ligeiro é porque ali é muito raso.
Zk - Voltando a história dos encantados. O senhor já viu uma cobra realmente grande?
Raimundo Lima – Vi uma. Foi lá na Prainha. A gente estava pescando, éramos em seis canoas quando de repente a bicha boiou bem perto da gente. Grossura dela era mais ou menos do diâmetro de um tambor de 200 litros.
Zk – E a história da Bota que ficou enrolada na malhadeira?
Raimundo Lima – Essa deixou a gente realmente de cabelo em pé! A Bota ficou enrolada na nossa malhadeira e morreu. Depois de desprendermos ela da malhadeira, a deixamos na praia de barriga pra cima. Para a gente ela estava realmente morta. Quando amanheceu ela não estava mais lá, o que nos deixou mais impressionados foi que não tinha rasto na areia. Deduzimos que os Botos a levaram para o fundo do rio.
Zk - E como foi à história da Bota que vocês salvaram dos outros Botos?
Raimundo Lima – Essa não aconteceu comigo não, ouvi essa história de um morador lá do Distrito de Nazaré. Ele disse que estavam pescando na boca do lago Cuniã quando viram aquela algazarra de botos, foram lá e viram uma Bota com o corpo todo sangrando e muitos botos por perto. Acontece que ela estava no cio e os Botos machos a cercaram, ela já estava exausta de tanto transar, e eles continuavam querendo mais e por isso, batiam nela. Quando os pescadores chegaram a Bota se refugiou embaixo da canoa deles e ali ficou até que os Botos foram embora. Quando ela percebeu que estava livre, saiu debaixo da canoa, numa disparada, nanando no sentido contrário ao deles.
Zk – Para encerrar. Vamos fazer uma escala. Quantas horas num barco como o N.S. Aparecida II se gasta entre Porto Velho e São Carlos; Nazaré; Calama e Manaus?
Raimundo Lima – Para São Carlos São Quatro horas e para Manaus Cinco Dias tem deles que tira em quatro no inverno. Para Nazaré são mais ou menos sete horas e para Calama 15 horas. Tudo isso de baixada.
Zk – Quantos anos o senhor tem e quando pretende parar de navegar como prático do rio Madeira?
Raimundo Lima – Estou beirando os 74 anos de idade e enquanto Deus me der condições de enxergar os rebojos, de ver a lista da praia e achar os canais desse rio Madeira, vou continuar dirigindo barco.
Fonte: Sílvio Santos - zekatracasantos@gmail.com
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