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A equipe do Grupo de Teatro O Imaginário dirigido pelo Chicão Santos e Zaine Diniz através do prêmio “Interações Estéticas, Residências Artísticas” do Ministério da Cultura, está desenvolvendo trabalho no Ponto de Cultura Arte e Vida Rio Madeira/Assomar – Associação dos Produtores Rurais de Santa Catarina – Baixo Madeira. De acordo com os dirigentes do O Imaginário o objetivo é registrar através da oralidade e da memória da arte beradeira o universo femininos das mulheres seringueiras residentes às margens do Rio Madeira. Os projetos de residência consistem no deslocamento do artista para um contexto cultural diferente do seu, com o objetivo de desenvolver um processo de criação associado à troca de experiências, linguagens e conhecimentos. A proposta é que o Ponto de Cultura seja durante períodos, um espaço para a realização de troca e experimentação. “O Ponto de Cultura idealizado pela Rita Queiroz caiu como uma luva nesse programa do MinC que tivemos a oportunidade de ser contemplado através de Edital”.
“Interações estéticas” definem o conjunto de interações/experiências do artista com o Ponto de Cultura e do artista com as diferentes linguagens e realidades do campo da arte. Essas interações/experiências se realizam num processo colaborativo entre os artistas e os membros dos Pontos de Cultura.
Entre as mulheres residentes em Santa Catarina ou nascida na localidade que fica entre os distritos de São Carlos e Calama no baixo Madeira, nada melhor que a Rita Queiroz que através do Ponto de Cultura “Arte Vida Rio Madeira”, retorna a sua terra natal, proporcionando aos seus moradores a oportunidade de aprenderem a arte da pintura, tecelagem, bordado, crochê entre outras.
Rita Queiroz, 72 anos, artista plástica, que faz a ponte entre a mulher cabocla do passado e a mulher do presente na região do baixo madeira e da Amazônia. Com fala característica da cabocla do Rio Madeira, Rita Queiroz fala de sua infância, dos seus sonhos e da vida no Seringal Santa Catarina.
E N T R E V I S T A
Zk– Como era a vida no seringal Santa Catarina no passado?
Rita Queiroz – No meu tempo aqui, inclusive atualmente estamos perdendo nossos contadores de histórias e nossos hábitos e costumes, devido a essa “coisa” contemporânea que surgiu aqui que eles não entendem muito o que é. Com a chegada da televisão e dos meios de comunicação e essas coisas toda que eles vão se relacionando especialmente em Porto Velho, as pessoas que estão ai do meu tempo, na época, era um mundo completamente diferente por que era um mundo puro, não tinha essa pobreza, quero dizer não “pobreza de vida”, mas sim “pobreza espiritual” e essas coisas todas. As pessoas tinham educação que era passado de geração em geração que era a coisa mais bonita daqui. Porque os hábitos e costumes, as coisas vinham daqui, dali e a moral estava sempre em primeiro lugar, tinha aquela coisa muito rígida, outra coisa também é a mudança e a alteração das tradições.
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Zk– O que você quer dizer com alteração das tradições?
Rita Queiroz - O povo passou a ter vergonha de contar as histórias relacionadas às lendas, por exemplo, quando eles falam do Mapinguari não contam da mesma forma que era antigamente, mas sim começam a inventar novas histórias. O Mapinguari representa a lenda de maior medo da floresta, então eles ironizam. Falam da lenda, ironiza seu mito, no fundo eles falam do Mapinguari, entendem, pois povoa o subconsciente aquele medo que ficou em relação à lenda. Ainda tem coisa assim: os antigos perdem da memória porque com a idade a gente vai não que você tende a esquecer totalmente a sua origem, é que a própria memória fica fraca e esquece partes das coisas, tanto que eu mesma devido ter passado muito tempo fora, quando retornei e comecei a pintar toda a minha memória veio através do meu trabalho, a pintura, a escultura, a instalação, tudo o que eu fiz na vida. Só que era uma realidade que ficou no meu sonho, depois que eu botei o pé aqui de volta à realidade foi outra coisa, porque já não era mais a mesma realidade. Hoje melhorou um pouco a vida deles.
Zk– Como era a saúde e o tratamento das pessoas no seringal?
Rita Queiroz – Era completamente diferente e muito natural. Mas também tinha as pessoas que conhecia a ciência da mata, sabia o remédio para isso e o remédio para aquilo e ainda tinha os “curamentos”, por exemplo, tive um ferimento, tenho a marca até hoje, brincando com minha irmã e ela me empurrou e eu caí num jirau, tava na época alagado e ali se criava porcos e ai inflamou, naquele tempo ainda não tinha antibiótico, a única maneira era ir atrás da “curandeira”, que existia na época, ela botou a boca no meu machucado e puxou o carnegão, depois botou o remédio da mata em cima, no outro dia estava sarado... Então tinha a ciência da água e a da mata.
Zk– Fala um pouco de sua história ou de suas histórias?
Rita Queiroz – A minha história... Nasci aqui no Seringal Santa Catarina, foi aqui que eu abri os olhos e me vi como gente, mas, meu pai era dono de vários pedaços de terra aqui por perto, Pombal, tinha o Bom Será, Viçosa... Minha mãe era mais nova do que ele, era uma cabocla daqui filha da mata e ela fazia tudo o que ele o “Coronel” mandava, o meu pai era um “Coronel de Barranco” e quando ele viu minha mãe se apaixonou por ela e acabou ficando. Eu nasci quando meu pai comprou O Seringal de Santa Catarina e eu fui criada aqui. Mas minha mãe me teve em Viçosa. Minha mãe era uma pessoa muito simples, uma pessoa com o coração muito bom. Era uma mulata muito bonita uma mistura de caboclo com negro.
Zk– Como eram Festejos de antigamente?
Rita Queiroz – Antigamente tinha as festas e eram muito bem organizadas, tinha um barracão para o festejo, tinha hora para começar e acabar e ainda, uma coisa importante, tinha policiais, na época de meu pai. Chegou também o rádio, não tinha esse som que tem hoje, era tudo feito com instrumentos caseiros. Nessa época eu tinha mais ou menos oito anos e me lembro muito bem, pois foi quando chegou a primeira geladeira a querosene.
Zk– Quem é a Rita Queiroz?
Rita Queiroz – Eu me considero uma pessoa com uma criatividade maior e com espírito elevado. Eu acredito muito nesse lado espiritual, pois descobri com o passar do tempo que nós não somos nada, simplesmente carne mais nada! Viemos da terra e voltaremos para a terra e outra coisa que sei que tudo que somos é da água, do fogo, da terra. Eu sou essa água, essa mata, essa terra e essa lua, a gente se torna natureza perfeita, natureza com saúde e com vida, com vitalidade. Então se você está em harmonia com essas coisas e vive mais com o seu espírito, o espírito lhe dá uma leveza de conhecer as coisas de conhecer mais as pessoas e de ter consciência que você está aqui para cumprir uma missão. Eu acredito que existem outros mundos tanto aqui em baixo como lá em cima e quando a pessoa cumpre a sua missão e quando é através da arte, ganha um outro sentido. Pois a arte é a ligação direta com seu espírito. Pois nós não criamos nada, nós só recriamos aquilo que está no espaço. Quando você faz uma escultura, uma letra e o resultado é bom é porque tem inspiração divina e quando tem a inspiração divina fica pronto, acabou. Fique atento... É só você observar essas pequenas coisas. Eu ao final de cada dia analiso o que fiz e o que deixei de fazer, aquilo que não presta eu jogo fora e aquilo que presta aproveito como experiência. A minha vida aqui é esta: fazer as coisas enquanto eu puder e lutar pela idéia principal de construir um barracão para botar mais gente para fazer coisas novas e criar um ambiente onde as pessoas possam trabalhar o seu lado artístico. E acho que todo mundo tem o mesmo direito de ter acesso às coisas boas, eu, por exemplo, como filha de seringalista, tive a oportunidade. Agora quero fazer com que as pessoas tenham a mesma condição de fazer pela arte a grande mudança, a arte modifica totalmente o pensamento, o espírito, a vida. Todo mundo independente onde mora, tem a mesma capacidade e a mesma criatividade.
Zk – Recentemente você expôs na Casa da Cultura e nessa exposição, tinha uma instalação que você chamou de escamação, mas, o negócio contava a história de uma rede que partiu com você dentro. Qual sua relação com a rede de dormir?
Rita Queiroz – A rede faz parte da minha cultura beradeira. Minha mãe me mimava na rede, embalei meus filhos na rede e até hoje. Aliás, hoje passo meu tempo maior numa rede, nem durma na cama mais. A rede pra mim é a companheira silenciosa, nela eu leio, durmo as vezes escrevo e me balanço; Foi justamente numa dessas balançadas que a rede se partiu e eu caí.
Zk – O que a rede teve a ver com a exposição “Andando pelas picadas”?
Rita Queiroz – Quando a rede partiu cai sentada no chão. Engraçado, dessa minha ficada no chão comecei a fazer uma viagem por dentro de mim mesma. De repente comecei a pensar longe, perto foi então que pintou a idéia de fazer um trabalho com a própria rede.
Zk – E os lençóis entraram na exposição por quê?
Rita Queiroz - Só que a idéia da rede amadureceu aí veio os lençóis com os quais me embrulhei por muito tempo. Esses lençóis eu guardava para fazer pano para limpar pincel. Sorte que ainda restaram cinco lençóis e comecei trabalhar neles e a esse trabalho dei o nome de escamação celular – Coisa que sai do corpo da gente. O trabalho foi desenvolvido na reciclagem de objetos pessoais.
Zk – Por falar em queda de rede, nossos pais e as pessoas mais antigas classificam a quede de rede com muito perigosa. Nessa sua queda não ficaram seqüelas?
Rita Queiroz – Não! Geralmente as quedas de rede provocam danos físicos, nesse caso não. Inclusive já tive vários tombos de rede. Uma vez a rede quebrou a corda. Agora, partir como partiu a rede dessa vez nunca tinha acontecido. Acho que esse acidente foi um aviso, tipo assim Rita ta na hora de parar com essa fase e começar outra. De repente aproveitei a queda e transformei em arte.
Zk– Para finalizar como é a sua relação com as águas barrentas do Rio Madeira?
Rita Queiroz – Então! Quando eu tinha sete anos de vida, meu pai que era muito vaidoso, sempre tivemos uma fazenda perto de Manaus, naquele tempo tinha um navio bonito que vinha de Belém, até isso foi modificado, pois hoje já não vem mais. O navio era bonito mesmo, com tudo! Camarote... E eu vinha com meu pai ele na frente e eu atrás. Minha mãe mandou fazer um robe e esse robe tinha uma flor enorme vermelha bordada à máquina e eu era encantada pela aquela flor, já na época eu era chique e não sabia. Meu pai me dava muitas jóias, botei um broche no robe e andava exibindo. Numa determinada ocasião eu tava encostada e olhando para o rio com a cabeça voltada para a água quando o broche abriu e caiu na água, eu fiquei apavorada e pensei: meu pai vai brigar comigo! Perdi uma coisa de muito valor. Tal foi minha surpresa quando meu pai me falou o seguinte: Se o rio lhe pediu o broche é por que tem um sentido... Toda vez que você voltar ao rio, ofereça uma coisa que esteja perto, junto do seu corpo. Então toda vez que me encontro com o Rio Madeira eu faço uma oferenda. Minha devoção com o rio é uma coisa inacreditável, pois as águas do Rio Madeira é diferente da água do mar, no mar você vê o horizonte, imagina que do outro lado tem um país estrangeiro, uma cultura diferente, a Europa... E já nas águas do rio você vê a profundeza e imagina o que tem lá... Têm os espíritos da água, os encantados!
Fonte: Sílvio Santos.
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