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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

A divisão espacial do poder político


Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]

            O tema não traz uma implicação imediata à realidade brasileira, ainda que a Federação esteja estampada no nome do país: República Federativa do Brasil. Em todo caso, como convite, após a leitura, é preciso aplicar este conhecimento ao nosso contexto político-administrativo. É importante lembrar que o Poder Político implica em toda forma coletiva de organização do poder, como forma e mecanismo de organização e de controle social, a exemplo dos colegiados tribais (de anciãos) e o próprio Estado soberano. Também precisamos distinguir entre formas de geração dos Estados (desmembramento, anexação pacífica ou violenta), tipologia estatal (Estado Laico, Estado Moderno) e a classificação e distribuição espacial do poder.

            Uma vez que já se apresentou conceitualmente a melhor observação acerca do Poder Político, como organização política com vistas a exercer o controle e o exercício pleno (monopólio) do poder, quer seja em grupos de lideranças ou colegiados (grupos tribais), quer seja sob o Estado soberano, resta sabermos o que se entende por classificação espacial do Poder Político. A primeira distinção a se fazer sobre a disposição espacial do Poder Político unificado é entre Estado Unitário (simples) e Estado Composto (Estados Unidos[2]).

I.       UNITÁRIO: há absoluta centralização do exercício do Poder Político; concentra-se a tomada de decisões; há descentralização administrativa em baixo relevo, mas não se desdobra a capacidade organizativa do próprio poder. Pois, a autoridade administrativa decorre do poder central. Neste sentido, o Poder Legislativo é exclusivo. Como exemplos, temos o Uruguai, o Chile, o Paraguai e Portugal.

II.    COMPOSTO: trata-se da união ou associação de vários Estados ou entes político-administrativos sob a direção de um único poder diretivo. Entretanto, há uma variedade de formas assumidas:

1.      UNIÃO PESSOAL: conservando sua soberania, dois ou mais Estados unem-se sob um único governo. Simon Bolívar foi presidente simultaneamente da Bolívia, da Colômbia e do Peru. No século XX, como reflexo do Imperialismo, há a União Congo-Bélgica[3] (1885-1908). Ex-Zaire, atual República Democrática do Congo[4] (imerso no trauma da guerra civil entre Tutsis e Hutus), o assim chamado Congo-Belga esteve sob a possessão pessoal de Leopoldo II da Bélgica, até 1908.

2.      UNIÃO REAL: dois ou mais Estados guardam autonomia e soberania internas, mas se unem para ter uma representação diplomática unificada, comum, a exemplo do ocorrido entre Áustria e Hungria (1867-1919).

3.      UNIÃO INCORPORADA: há fusão de dois ou mais Estados visando a formação de um único ente político, como na união entre Escócia, Inglaterra e Irlanda para se obter o Reino Unido da Grã-Bretanha (Araújo, 2006).

4.      CONFEDERAÇÃO: associação de vários Estados com soberania no plano interno e autonomia no externo (é claro que é vedada qualquer aliança com inimigos de algum dos entes políticos participantes). Unem-se em pactos para certos fins, como os EUA (1781-1787) e a ConFederação Helvética (1815-1848). Dentre as confederações, vale destacar em mais detalhes, outras FORMAS ATÍPICAS DE ESTADO:

·         ConFederação Helvética: A Suíça (capital Berna) é um Estado Federal desde 1848. Oficialmente ConFederação Suíça, trata-se de uma república federal de 26 Estados (Cantões). Ao longo do século XIX a ConFederação Helvética progrediu para se tornar uma democracia. Semelhante a outras “federações”, a Suíça tem duas câmaras parlamentares (Senado e Câmara Federal), um governo federal e um tribunal de Justiça Suprema. A hierarquida do Poder Político é assim observada: em primeiro lugar está o sistema Federal; em segundo, o cantonal; em terceiro, o sistema comunal. O Governo Central vela pelas relações políticas com o exterior, a economia nacional, as Forças Armadas. O poder cantonal tem aparato policial, sistema de saúde e educação independentes. Já o Governo é exercido por um Conselho Federal (poder executivo, eleito indiretamente) pelo Conselho Nacional e Conselho dos Estados (Parlamento Suíço). A Carta Federal de 1291 é o documento de fundação da ConFederação Helvética.

·         ConFederação americana: este período da história dos EUA (1783-1815) caracteriza-se pela independência e união das treze colônias para formar um Estado livre. A derrota foi reconhecida pelo Reino Unido em 1783. Até 1787, quando redigiram a Constituição americana, formavam um ConFederação (à espera de se assumirem efetivamente como Estado). A Carta de Direitos foi aprovada em seguida e George Washington foi o primeiro presidente, em 1789.

·         ConFederação hispânica: Na Carta da Jamaica de 1815, Simón Bolívar lançou as bases para se formar uma conFederação hispano-americana. No romance O General em seu Labirinto – retrato melancólico de alguém açodado pelo desterro –, G. G. Márquez traçou os últimos tempos de Bolívar. 

·         Os Emirados Árabes Unidos (EAU) formam uma conFederação de Estados de grande autonomia, situada no sudeste da Península Arábica (Golfo Pérsico). Chamados emirados, os sete Estados que a compõem, são: Abu Dhabi, Dubai, Sharjah, Ajman, Umm al-Quwain, Ras al-Khaimah e Fujairah. A capital é Abu Dhabi (segunda maior cidade). Lutando contra o domínio português e britânico, em 1853, os Xeques da Trégua assinaram um tratado de "trégua marítima perpétua", com o Reino Unido. Em 1930 iniciaram as primeiras investigações petrolíferas e em 1962 foi exportado o primeiro carregamento direito de Abu Dhabi. Os sete Xeques da Trégua, junto ao Bahrain e ao Qatar, tentaram formar uma união de emirados árabes. Nesta fase, Bahrain e Qatar tornaram-se independentes, respectivamente, em agosto e setembro de 1971. Até então, os sete estados ainda não haviam declarado suas independências, mas firmaram sua soberania juntos. Abu Dhabi e Dubai formaram uma união provisória, entre os dois emirados, prepararam uma Constituição, e em seguida chamaram os mandantes dos outros cinco emirados para firmarem um acordo geral. Nesta data, os emirados independentes passariam a Emirados Árabes Unidos.

·         Reino Unido: O Reino Unida da Grã-Bretanha é um país insular soberano. Trata-se de uma união política formada de quatro nações: Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales.

5.      FEDERAÇÃO: é uma união ou associação de Estados que mantém unificada a soberania no plano externo, mas com doses diferenciadas de autonomia interna (comparativamente, entre Brasil e EUA, por exemplo). De todo modo, os Estados-membros têm seus poderes, direitos e deveres prescritos e delimitados por uma Constituição Federal. Entre 1871-1918 alguns Estados do Império Alemão (Baviera, Saxe) possuíam o direito de legação ativo e passivo[5]. Até hoje os Cantões suíços podem estabelecer relações comerciais com outros Estados soberanos.

6.      O ESTADO FEDERALainda pode ser formado por agregação (EUA, Alemanha, Suíça) e desagregação ou segregação, quando um Estado Unitário resolve se descentralizar (ex-Iugoslávia). Sua estrutura de disposição administrativa pode ser 1) Dual, com a separação rígida de competências (no sistema bicameral, por exemplo) ou 2) Corporativo, em que há competência comum ou concorrente. Nesta forma especial de disposição espacial do Poder Político, ainda há referência quanto a ser 1. Simétrico (EUA), com homogeneidade cultural e desenvolvimento equilibrado entre seus entes ou 2. Assimétrico (Suíça/Canadá), apontando-se grande diversidade de língua e cultura. Há uma estrutura orgânica do poder (os Estados membros aparecem como um simples reflexo do poder central) e de integração (pela integração nacional prevalece a preponderância do Governo Central). No caso brasileiro há que se ressaltar o fator de equilibração do poder (em harmonia, os entes federados devem reforçar as instituições). A tríplice estrutura do Estado brasileiro (União/Estados/Municípios) facilita a administração de território tão vasto. O Estado Federal brasileiro ainda prevê: a) Descentralização Político-administrativa: A CF/88 prevê núcleos de poder político, concedendo autonomia para os referidos entes políticos; b) Repartição de competências: garantindo a autonomia entre os Estados-membros (entes federados), assegura-se o equilíbrio da Federação; c) Constituição rígida como base jurídica: a Constituição rígida de 1988 garantiu a distribuição de competências entre os entes autônomos. Por fim, há que se destacar que inexiste o direito de secessão. Trata-se do princípio da indissolubilidade do vínculo federativo (art. 34, I da CF/88), além de que o art. 60 § 4º, I determina que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado (por ser cláusula pétrea). A soberania do Estado Federal prevê que os Estados-membros, a partir do momento em que passam a ingressar na Federação, perdem a soberania, passando a ser autônomos. Em nosso caso, determinou o constituinte que a forma estatal fosse de uma República Federativa do Brasil. O Estado soberano é o que mantém autonomia interna, com independência e soberania externa.

7.      ATIPICIDADES. 8. Estado semi-soberano: aquele que se submete ao império do direito internacional e tem parte de sua soberania restringida. 9. Estados de autonomia reduzida: têm reduzida capacidade gestão (capitis deminutio), em razão de outra nação protetora impor suas restrições. 10. Estados vassalos: com certa autonomia interna, dependem externamente do Estado monopolizador. Têm restrição de direitos internos (força armada, moeda própria); acompanha o Estado suserano nas guerras; os tratados ratificados devem ser aceitos pelo vassalo; paga-se um tributo periódico ao suserano. No Império Otomano foram vassalos a Albânia, a Sérvia e Montenegro. 11. Protetorado: normalmente, provém de um tratado, mas em 1914, entre Egito e Grã-Bretanha, não havia documento formal. O Estado protetor tem a obrigação de proteger o outro e exerce o direito de dirigir o protegido no plano externo. Há três tipos básicos: a) Internacional: protetor e protegido apresentam o mesmo padrão cultural e civilizatório; b) Colonial: o protegido se submete ao plano diretor e à cultura dominante do protetor; c) Semiprotetorado (Estados- clientes): Estados da América Central cederam direitos e poderes aos EUA para a gestão econômica e o devido pagamento de dívidas externas. Alguns desses efeitos, na orientação política e gestão ideológica, foram destacados pela URSS, no pós-Segunda Guerra Mundial. 11. Estados associados: apesar de libertos da autoridade de sua metrópole de origem, mantem-se atados sob certa coordenação em assuntos de soberania e autonomia, como Porto Rico (EUA) e Ilhas Cook (Nova Zelândia). Desde 1993, Andorra é país membro da ONU, mas sofre das querelas de poder francês. 12. Mini-Estados ou Estado exíguo: Vaticano, Mônaco, San Marino não têm direitos plenos – como o direito de guerrear –, mas asseguraram o ius tractuum.

Bibliografia

ARAÚJO, Luiz Ivani de Amorim. Teoria Geral do Estado. Forense, Rio de Janeiro, 2006.

MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. O general em seu labirinto. 9ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2007.



[1] Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.

[2] Não é à toa que se denominou de Estados Unidos da América.

[3]A Inglaterra não foi atacada pela Índia, nem a Bélgica pelo Congo, nem a Itália pela Etiópia, nem a França pela Argélia (que a França também não reconhecia como uma “colônia”) (Chomsky, 2002, pp. 11-12).

[4]Em confronto que teve início em 1988, foram mortos mais de 4 milhões de pessoas e ainda sofrem outros 3,5 milhões de refugiados. Oficialmente, a guerra terminou em 2003, mas o país ainda é palco de conflitos e tem uma crise humanitária das piores do mundo. Apesar de ser rico em diamantes, ouro e outros minerais preciosos, milhões de congoleses sofrem de doenças, fome e de uma terrível perseguição a partir do Leste do país (Kivu do Norte e Kivu do Sul). Em 1994, a vizinha Ruanda também conheceu o genocídio: mais de 1 milhão de tutsis foram assassinados pelos hutus. Depois, em 1996, o governo tutsi foi restabelecido e invadiu o Congo para atacar os hutus e isto (re)iniciou a guerra, envolvendo Ruanda, Angola, Uganda, Zimbábue e Namíbia. No Congo, mas pode-se dizer que em muitas outras partes do mundo, as táticas empregadas esgotam-se no uso/abusivo dos meios de exceção. O aliciamento de crianças com engodos e justificativas que mais parecem ameaças também são “armas ideológicas” usadas pela Razão de Estado.

[5] O direito de legação ativoimplica em enviar representante diplomático, bem como o direito de legação passivo(recebê-lo), é exercido por meio de observadores autônomos do Estado soberano.

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