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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

A divisão social do trabalho na configuração do Estado Moderno


Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]

            Na passagem da centralização do Poder Político para a fase de expansão do poder econômico, colonialismo, tanto o direito quanto o Estado passaram a receber incrementos em sua finalidade. Já havia ocorrido a acumulação primitiva[2], em que Estado e direito serviram à expropriação do camponês, do colono, do servo e se iniciava o momento em que o capital precisava de oxigênio para garantir sua projeção e hegemonia na Europa. A conversão da economia em força centrífuga garantiria que os Estados olhassem para além-mar, mas, internamente, o antigo servo se converteria em trabalhador urbano, servindo da primeira mão de obra do capitalismo nascente. O adensamento cultural, neste caso em especial, teria um desdobramento jurídico.

Letramento Jurídico no Renascimento

Ao mesmo tempo em que o Estado Moderno vinha tecendo sua centralização, as forças econômicas procuravam respirar além-mar com a expansão ultramarina (força centrífuga, expansiva, do Capitalismo Mercantil). O enriquecimento interno seria essencial ao desdobramento da miscelânea de poderes na unidade do Estado-Nação e isto se faria com base na acumulação primitiva: primeiramente pela obrigação imposta pelas leis de cercamento (ou cerceamento); externamente pelo estabelecimento de rotas de navegação e pela descoberta, e sucessiva colonização de novos continentes: a aculturação levaria ao assenhoramento. O exército permanente e a burocracia de caráter contínuo garantiriam a administração financeira do Estado. Esta articulação, sob a análise materialista do período de fortalecimento do Estado Moderno resultaria em conclusões diversas (e adversas para determinadas classes sociais envolvidas):

O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência (Marx, 2003, p. 05).

 

            O Letramento Jurídico que se construiria no Estado Moderno deveria reconhecer o poder central e suas características: relação de sujeição de caráter unitário; ordem jurídica única; poder estatal centralizado. A mudança na supremacia papal tem o ponto culminante na outorga da bula Unam sanctam, de Bonifácio VIII, em 1302. Esta reforma trouxe como consequência a emancipação política quase definitiva do poder político em relação à Igreja. Neste momento histórico, Dante Alighieri (2006, pp. 35-36) escrevia sua Monarquia e ali já principiava a razão como mote renascentista.

            A razão se aplicaria à política, como forma extrema de organização, controle do poder centralizado. No século XIV, as corporações estamentais converteram-se em grupos internacionais (do clero, dos Cavaleiros e dos burgueses), rompendo-se as amarras políticas territoriais. A expressão Estado se converteu em unidades de poderes contínuos e organizados, com apenas um exército permanente, uma hierarquia de funcionários, uma única ordem jurídica unitária, impondo aos súditos o dever geral de obediência. A consequência imediata da concentração dos instrumentos de mando e de corpos militares, burocráticos, políticos e econômicos é a formação de uma unidade de ação política (fenômeno que surge no norte da Itália); surgindo assim o monismo de poder, relativamente estático, diferencia-se de modo característico do Estado da Idade Moderna. O instrumento mais eficaz à independência e à unidade do poder central foi a hierarquia das autoridades[3].

            O Renascimento operou-se por uma centralização de poder (e expansão econômica) a partir da Itália, e aí se pode falar, então, de Estado Moderno. No início da Idade Moderna, o Estado teve que se encarregar de tarefas que antes cabiam à família, à Igreja ou às instituições locais. A necessidade de um poder maior exigia novas técnicas de adaptação à modernidade. Eram matérias e técnicas relacionadas à comunicação de modo geral (a partir de Gutemberg, no século XV) ou, mais especificamente, à administração da Justiça e à cultura nacional. Um Estado que não se adaptasse às revolucionárias inovações tecnológicas, estaria condenado à decadência. As técnicas, especialmente com o refinamento da burocracia, trouxeram a unificação de procedimentos técnicos (também culturais) porque o Estado passava a alcançar uniformemente a todos os seus cidadãos (erga omnes).

Com isto, estaria ordenada a hierarquia de modo regular, segundo competências administrativas delimitadas, com funcionários especializados, mas ainda nomeados por um superior, sendo economicamente dependentes: a meritocracia não estava neste palco. Entretanto, esses funcionários deveriam voltar-se de modo contínuo à preocupação central com o público, cooperando desta forma com a formação consciente da unidade nacional. Também graças à hierarquização vertical e horizontal do serviço público, a organização pode defender-se por todo o território: abarcando seus habitantes num só poder e domínio regular (universalizante, generalizante, coercitivo e fortalecido pela exterioridade), com outros ritos sócio-políticos, com certa previsibilidade e de consequências mais presumíveis, planejando (com estratégia e táticas apuradas) e planificando ações relevantes e/ou essenciais à edificação do Estado-Nação. O Estado-Nação só seria independente, militar e politicamente se fosse capaz de produzir com autonomia uma unidade jurídica universalizante. O passado recente estamental havia demonstrado uma extraordinária debilidade e desagregação jurídica, com a grave consequência de acarretar uma, igualmente, grave e insuportável insegurança jurídica.

Por outro lado, sob o Estado-Nação, a colaboração da burocracia do serviço público, segundo o princípio da divisão do trabalho social[4]e da especialização de tarefas, elevaria os níveis de eficácia e de eficiência. Este seria um dos últimos constructos de ação técnica e política do Estado-Nação e já suportada por uma ordenação e ordem jurídica racional e programada. Portanto, já estamos bem mais próximos da modernidade e, com o que, ainda mudaria a natureza jurídica do chamado ordenamento jurídico moderno. Esta série de mudanças seria reforma ou revolução?

Neste instante, o direito passaria a responder plenamente ao desenvolvimento do capital, sendo reflexo da divisão social do trabalho. Com empréstimo da análise da sociologia clássica, percebe-se que o Estado construiu uma legalidade adaptada à divisão social de classes. Esta base legal, por sua vez, teria um substrato ético.

A ética protestante do trabalho, portanto, assentava-se em dois pilares: a) como ideologia influenciava o proletariado nascente, para que trabalhasse com afinco e nobreza (o trabalho como atividade-fim, como valor quanto a fins); b) como idolatria vestiria os desejos dos capitalistas para investir e fazer crescer, como provedores que guardariam de forma ascética o produto do trabalho alheio e, o principal, sem que isto se confundisse com a usura. À Igreja Católica caberia o voto de pobreza, pois aqui o lucro atrairia investimentos na produção, mais postos de trabalho, prosperidade social e isso, é óbvio, não poderia ser pecado venial. A acumulação de capitais passaria a ser a tônica, pois, daria glórias às obras do Senhor: o trabalho dignificava, tanto quanto o empregador-acumulador seria doravante o provedor de todos[5]. A superioridade moral da vida vinha atrelada, portanto, à capacidade de se sustentar com os salários (que vem de sal, do suor do próprio rosto) resultantes do próprio esforço e sendo auferido, é claro, pela capacidade individual de (in)sucesso[6].

Da divisão social que serve ao Estado Cientificista

O aprimoramento da crescente divisão social do trabalho decorre da racionalização do processo de produção. Em suma, é o capitalismo dependente da divisão social do trabalho, como sua fonte de energia e impulsão, isto é, sem divisão social do trabalho de pouco adiantariam os esforços intelectuais e ideológicos propostos ao Estado Cientificista. Para Émile Durkheim, a modernidade representa a fase mais desenvolvida da divisão social do trabalho em que se articulam, ajustando-se às necessidades diversas da produção industrial, o trabalho manual e o intelectual, na forma da função homogeneizadora e da função diferenciadora. O papel do Estado seria, portanto, o de regular os contratos estabelecidos e garantir seu cumprimento.

Para Durkheim, a competição capitalista não é o elemento central da ordem industrial emergente, e algumas das características sobre as quais Marx pusera grande ênfase, ele via como marginais e transitórias. O caráter de rápida transformação da vida social moderna não deriva essencialmente do capitalismo, mas do impulso energizante de uma complexa divisão de trabalho, aproveitando a produção para as necessidades humanas através da exploração industrial da natureza. Vivemos numa ordem que não é capitalista, mas industrial (Giddens, 1991, p. 20).

 

Também inspirado no liberalismo (princípio da liberdade “Minha liberdade começa onde termina a sua”), Durkheim irá associar liberdade a um conjunto de regras. Para ser mais preciso, mais moderno, poder-se-ia dizer: “só se é livre no direito”. É interessante notar que, tal qual Marx, Durkheim falará de uma autoridade moral superior da coletividade: “De fato, uma regra não é apenas uma maneira habitual de agir; é, antes de mais nada, uma maneira de agir obrigatória, isto é, que escapa ,em certa medida, do arbítrio individual [...] pois a única personalidade moral que está acima das personalidades particulares é a formada pela coletividade” (Durkheim,1999, p. X).

Esta coletividade, sob o capitalismo e a modernidade, deveria imprimir coesão e regularidade (“solidariedade orgânica”). Para Durkheim, a divisão do trabalho é evolutiva (desenvolve-se a solidariedade moderna), quando para Marx é opressiva e alienante. De toda forma, para ambos, a grande indústria é o polo dessa forma de definir a modernidade.

Por sua vez, a grande indústria surgiria como parte dos conflitos da “sociedade moderna” que se abria a partir da Idade Média. Como nos indica Durkheim, no período da Idade Média, o direito ao trabalho era resguardado um tanto quanto diferente do próprio curso do capitalismo moderno: “Assim, os patrões eram proibidos de frustra-lo de seu direito ao trabalho”, fazendo-se assistir por seus vizinhos ou mesmo por suas esposas” (Durkheim, 1999, p. XX). É óbvio que Durkheim via o direito ao trabalho, mais não percebia a luta de classes em torno da espoliação do trabalho.

Outro dado interessante na modernidade de Durkheim era o papel destacado às corporações profissionais, como mediadoras da relação social e, neste sentido, é fácil perceber que a modernidade demora muito a recuperar a ideia de “probidade profissional” (basicamente, no século XIX). O direito administrativo Francês é um marco. Entretanto, para Durkheim, as corporações na Idade Média já anunciaram a chegada da Burguesia ou terceiro estado: De fato, durante muito tempo Burguês e “gente de ofício eram uma só coisa” (Durkheim, 1999, p. XXVIII).

Também irá dizer que, na Alemanha, Burguês e citadino eram sinônimos. O direito urbano era o direito do lucro: “Por isso as palavras forensesou mercatores serviam para designar indiferentemente os habitantes das cidades, e o jus civile ou direito urbano é frequentemente chamado de jus fori ou direito do mercado” (Durkheim, 1999, p. XXVIII). No fundo, para Durkheim, a modernidade que saia dessa relação com as corporações, soava-lhe, como só poderia ser, corporativa (Durkheim, 1999, p. XX). Mas, para Durkheim, corporação e grande indústria estão em litígio no início, pois a primeira ainda primava pela reserva de mercado. Contudo, depois em pleno curso capitalista (mesmo antes da Revolução Francesa), as corporações já partiram para a dimensão territorial, com alcance Nacional — é preciso lembrar que, por força da força da laicização, já se formara o Estado-Nação, como matriz do próprio Estado Moderno.

O Estado é capaz de regular a luta de classes?

O Estado Moderno, sob esta perspectiva, nasceu colecionando os conflitos e a luta política entre as classes fundamentais (burguesia e proletariado). Refletindo o século XIX – mas que vale para fases iniciais – Durkheim designou de direito contratual, o direito que deveria reger a divisão social do trabalho:

...é fácil determinar qual é o papel do direito restitutivo a que essa solidariedade corresponde: é o conjunto dos direitos reais. Ora, da própria definição que dele foi dada, resulta que o direito de propriedade é seu tipo mais perfeito [...] A relação entre a divisão do trabalho e o direito contratual não é menos acentuada. De fato, o contrato é, por excelência, a expressão jurídica da cooperação [...] Ora, essa reciprocidade só é possível onde há cooperação, e esta, por sua vez, não existe sem a divisão do trabalho (Durkheim, 1999, pp. 92-100 – grifos nossos).

 

Durkheim refere-se a Descartes: “A filosofia cartesiana impõe-se como a nova filosofia, inaugurando o pensamento moderno” (Rosenfield, 2005, p. 16). Porém, se esta dúvida não é de ordem moral, é porque também não se aplica às raízes, vale dizer, não se questiona nem mesmo a modernidade que lhe deu forma, nem o capitalismo que lhe deu a forja: “Essa dúvida, aliás, não é perigosa, pois não tem por objeto a realidade moral, que não está em questão, mas sim a explicação que uma reflexão incompetente e mal informada proporciona desta” (Durkheim, 1999, XLIX). Em seguida, irá declarar-se amplamente racionalista quanto ao “moderno método da investigação científica”: “Para submeter à ciência uma ordem de fatos, não basta observa-los com cuidado, descrevê-los, classificá-los; mas, o que é muito mais difícil, é preciso, além disso, segundo o método de Descartes, encontrar o meio pelo qual são científicos, isto, é descobrir neles algum elemento objetivo que comporte uma determinação exata e, se possível, a medida. Nós nos esforçamos por satisfazer a essa condição de toda ciência” (Durkheim, 1999, p. XLIX). Diferentemente de Marx, para Durkheim, a divisão do trabalho social (sob o capital) é indubitável, um caminho natural, necessário, sem volta. A divisão do trabalho é uma lei e o próprio desenvolvimento social se incumbirá de fazer-se cumpri-la. As especializações profissionais seriam mero resultado desse processo (Durkheim, 1999, p. 02).

Neste sentido, Weber também havia diagnosticado que os intelectuais já não têm mais total controle sobre suas bibliotecas — criticando a análise de Marx acerca da “divisão do trabalho social”. Durkheim também não vê a divisão do trabalho no aspecto estritamente econômico, mas como se fora realmente o curso natural da vida ou a necessidade da imposição de um método científico: positivismo. Mas como fundamentação desse mesmo método, no início, valem todos os argumentos possíveis, inclui-se certo biologismo: “...a lei da divisão do trabalho se aplica tanto aos organismos como às sociedades; pode-se inclusive dizer que um organismo ocupa uma posição tanto mais elevada na escala animal quanto mais as suas funções forem especializadas...um fenômeno de biologia geral” (Durkheim, 1999, p. 03). De qualquer modo, a divisão do trabalho é o mote do capitalismo e da sociedade moderna — apenas “um fenômeno de biologia geral”. Durkheim também será um confesso admirador da delimitação das áreas do saber, a estrita especialização: “O homem de bem de outrora já não é, para nós, senão um diletante, e recusamos ao diletantismo todo e qualquer valor moral; vimos, antes, a perfeição no homem competente que procura, não ser completo, mas produzir, que tem uma tarefa delimitada e que a ela se dedica, que faz seu serviço, traça seu caminho” (Durkheim, 1999, p. 05).

 

Bibliografia

DANTE, Aliguieri. Monarquia. São Paulo : Ícone, 2006.

DURKHEIM, Émile. Lições de sociologia: a Moral, o Direito e o Estado. São Paulo : T. A. Queiroz : Ed. da Universidade de São Paulo, 1983.

______ Sociologia, Educação e Moral. Porto-Portugal : Rés, 1984.

______ Sociologia. 4ª ed. São Paulo : Ática, 1988.

______ Socialismo. Rio de Janeiro : Relume-Dumará, 1993.

______ Da divisão do trabalho social. 2ª ed. São Paulo : Martins Fontes, 1999.

______ As regras do método sociológico. 2ª ed. São Paulo : Martins Fontes, 1999b.

______ Ética e sociologia da moral. São Paulo : Landy, 2003.

DURKHEIM, Émile. A educação como processo socializador: função homogeneizadora e função diferenciadora. IN : Foracchi, Marialice M. (org). Educação e Sociedade. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1979.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo : Editora da Universidade Estadual Paulista, 1991.

LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o governo civil e outros escritos. Petrópolis-RJ : Vozes, 1994.

MARLOWE, Christopher. A história trágica do Dr. Fausto. São Paulo : Hedra, 2006.

MARX, Karl. Prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política. 3ª ed. São Paulo : Martins Fontes: 2003, pp. 03-08.

MERRIAN, Charles E. Prólogo a la ciencia politica. México : Fondo de Cultura, 1986.



[1]Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.

[2]Curioso lembrar que romancistas vitorianos já retomavam a cultura popular como forma de crítica à realidade social e econômica que se avolumava na cumulação primitiva do capital europeu. Aí nasceria o mito de Fausto e o direito ao capital. Marlowe (1564-1595), no seu Fausto, parte de um texto alemão precedente, de contos e fábulas sobre adeptos de seitas ocultas. Surge, portanto, no imaginário da Idade Média inglesa e em meio à acumulação primitiva que reforçaria as despensas do Renascimento e do capitalismo originário. Foi um dos maiores dramaturgos sob o reinado de Elizabeth I. O contexto da peça recai sobre o diabólico pacto de sangue com o capital (retomado por Balzac e Goethe). Em um suposto retrato de Marlowe, quando estaria com 21 anos, lê-se uma instigante inscrição, um tanto profética: “O que me alimenta, me destrói”. O pecado do capital é a condição humana que se põe na acumulação primitiva, às vésperas do Estado Moderno: “Se negamos ter pecado, a nós próprios nos enganamos e nenhuma verdade existe em nós” (Marlowe, 2006, p. 39). O estado do capital vai macular a alma de fausto: “Que mundo inteiro de prazer e lucro, de grão poder, onipotência e honra, ‘Stá prometido ao estudioso artífice!” (Marlowe, 2006, p. 40). Depois de receber os dois anjos, Bom e Mau, Fausto os desafia a trazer o capital para contratar mercenários: “Espíritos trarão quanto eu deseje? [...] Direi que à Índia voem pelo ouro [...] Contar segredos de estrangeiros reis [...] Fundos terei para recrutar soldados” (Marlowe, 2006, p. 41). A Razão de Estado não conhece a moral da nacionalidade.

[3]Na base de um Estado Racional que vinha nascendo, também já apontava no horizonte, a soberania. Mas, a soberania, desde o início, viria atormentada de paradoxos: a atração de forças antagônicas (centrípeta e centrífuga) e a presença/exigência natural de um mínimo de autonomia: “Um dos paradoxos da política consiste em que tem de ter soberania, porém, por sua vez, essa soberania tem que estar sujeita à crítica e à apelação intelectual e moral [...] Depende da prudência dos estadistas evitar situações em que os cidadãos tenham que eleger entre obedecer a Deus ou aos homens, preferir a morte ou a perda da liberdade, converter a traição em heroísmo patriótico, confundindo a prioridade de seus valores” (Merrian, 1986, p. 111 – grifos nossos).

[4]Ou seria mais acertado dizer-se divisão social do trabalho?

[5]Uma visão romanceada desse processo benemérito que está por trás do empreendedor pode ser vista no livro Os Miseráveis, de Victor Hugo, na personagem de Jean Valjan.

[6]Este seria o claro recado do liberalismo clássico, no famoso §27 do Segundo Tratado sobre o Governo Civil: “Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o colocou e deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe pertence, por isso o tornando sua propriedade [...] Ao remover este objeto do estado comum em que a natureza o colocou, através do seu trabalho adiciona-lhe algo que excluiu o direito comum dos outros homens [...] Sendo este trabalho uma propriedade inquestionável do trabalhador, nenhum homem, exceto ele, pode ter o direito ao que o trabalho lhe acrescentou, pelo menos quando o que resta é suficiente aos outros, em quantidade e em qualidade” (Locke, 1994, p. 98).

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