Terça-feira, 1 de outubro de 2013 - 14h13
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]
Associa-se tradição a concepções antigas, como se fossem envelhecidas, sem utilidade e eficácia no presente, como meras heranças históricas. De fato, muitas tradições são amarelecidas pela cultura e se tornam tradicionalismos, com apego a dogmas sem condição de edificação social na modernidade política. Pois bem, com a tradição democrática, espera-se verificar exatamente o contrário, que as tradições atuem a fim de salvaguardar a essência da democracia inclusiva e participativa. Por esta tradição desfilam nomes (Benjamin Constant), povos (franceses e suíços) e instituições (Parlamento e pluralismo político). Mas, pode-se dividir a história política da democracia em duas partes:
· História Antiga: Grécia e Roma
· História Moderna: Thomas Paine, Federalista, Montesquieu, Rousseau.
I História Antiga
Iremos nos concentrar na história moderna, mas, sob o pensamento grego antigo, vimos florescer o instituto da democracia direta – mecanismo ainda aplicado de forma clara (plebiscito e referendo[2]) e de modo derivado (orçamento participativo). Desde Roma, com Cícero e a formação da ideia de salus publica, temos gestado organismos e mecanismos que nos impulsionam e exigem a máxima atenção na defesa e na promoção do Princípio Republicano, como instrumento de calço da democracia institucional.
II História Moderna
O que é a democracia moderna? Em que se apoia?
Como diz Sartori (1994), um cientista político conservador, a democracia política requer (a) espírito ou ethos público, solidariedade social e verdadeiro estilo de vida, além de (b) sentimento de equidade e igualdade social - como apreciação latente do próprio status.
Dessa forma, a democracia política é entendida como a determinação das finalidades públicas do Estado de forma soberana e popular, e em virtude da sociedade civil, isto é, trata-se de um estágio em que o cidadão comum delibera, controla e redefine as ações governamentais e o próprio desígnio do Estado - Sartori fala do controle popular das ações das autoridades, e não só dos líderes político-partidários. Note-se aqui que, Estado difere de governo: este como deliberação temporária de poder e aquele como estado permanente de organização do Poder Político. Ou com Sartori (1994): “Se o sistema principal, o sistema político global, não é um sistema político democrático, então a democracia social tem pouco valor [...] e a igualdade econômica pode não diferir da igualdade entre escravos” (p. 28).
E mais, lendo os modismos de reengenharia administrativa a partir da dialética das efemérides e da perenidade: “As coisas mais importantes vêm em primeiro lugar [...] Claro, ‘a importância do método político democrático consiste principalmente em seus subprodutos não-políticos’. Mas os ‘bens’ pressupõem a maquinaria, o método que os produz” (idem, p. 29).
E quem está na base de todos esses postulados da democracia liberal?
MONTESQUIEU (1689-1755)
A injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos.
Liberdade é o direito de fazer tudo o que a lei permite.
A principal lembrança em relação a Montesquieu – em seu O Espírito das Leis – é o apego à democratização do poder, notabilizando-se a separação e a tripartição dos poderes (como sistema de freios e contrapesos ao poder) e os demais mecanismos político-administrativos aditivados a fim de que se implementasse a autocontenção do poder. A regra da bilateralidade da norma jurídica, como requisito do Estado de Direito, a partir do século XIX (com Robert Von Mhol), é um derivado dessa propositura da política moderna.
A Constituição, portanto, seria um eficiente instrumento racional (o moderno contrato político e jurídico[3]) de organização e de estruturação das relações políticas mais conflituosas. Isto é, a origem da Constituição (Poder Constituinte) é o conflito político e não a pretensa harmonia social. Eis a análise que vimos, por exemplo, com Konrad Hesse (1991).
Contratualismo
Então, no ato de contratar com outros homens, abrindo mão da liberdade natural, não nos pomos a ferro, como ato deliberado de abandono da razão, e sim buscamos uma forma mais legítima de organizar a sociedade e o poder: “As palavras escravidão e direito são contraditórias, excluem-se mutuamente” (Rousseau, 1987, p. 29). O contrato é uma aposta social que os cidadãos fazem em seu Estado: “Haverá sempre grande diferença entre subjugar uma multidão e reger uma sociedade” (Rousseau, 1987, p. 30).
Esta ideia de legitimidade contratual é profundamente moderna e contemporânea, no sentido de ser capitalista, pois os contratos a partir de então seriam estabelecidos entre duas partes idôneas, autônomas (com objeto lícito) e com certa segurança jurídica de que um dos envolvidos não obteria vantagens indevidas sobre os demais: as chamadas cláusulas draconianas ou lenoninas, aliás, como as que foram estabelecidas no Fausto. Então, podemos dizer que Rousseau queira ver estabelecidas as bases do contrato legítimo (privado ou público):
Vê-se, por essa fórmula, que o ato de associação compreende um compromisso recíproco entre o público e os particulares, e que cada indivíduo, contratando, por assim dizer, consigo mesmo, se compromete numa dupla relação: como membro do soberano em relação aos particulares, e como membro do Estado em relação ao soberano [...] Desde o momento em que essa multidão se encontra assim reunida em um corpo, não se pode ofender um dos membros sem atacar o corpo, nem, ainda menos, ofender o corpo sem que os membros se ressintam. Eis como o dever e o interesse obrigam igualmente as duas partes contratantes a se auxiliarem mutuamente... (Rousseau, 1987, pp. 34-35)[4].
Outra passagem retrata a pressão da vontade geral:
A fim de que o pacto social não represente, pois, um formulário vão, compreende ele tacitamente este compromisso, o único que poderá dar força aos outros: aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo um corpo, o que não significa senão que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência pessoal. Essa condição constitui o artifício e o jogo de toda a máquina política, e é a única a legitimar os compromissos civis, os quais, sem isso, se tornariam absurdos, tirânicos e sujeitos aos maiores abusos (Rousseau, 1987, p. 36).
Isto fará de Rousseau também um precursor do pensamento social moderno: “para termos uma sociedade, não basta que se agrupem os homens, sendo necessário que os liames entre eles estabelecidos se tornem deles independentes e a eles venham a impor-se coercitivamente”. (Machado, 1987, p. 30).
Estado de Direito e democracia
A democracia se fortalece com o Estado de Direito, porque a lei pune os privilégios e se estende com as garantias – estas, por sua vez, fortalecem a liberdade e a igualdade entre os cidadãos. Logo, o Estado de Direito que se bate pela liberdade política e pela igualdade jurídica fortalece sobremaneira a democracia.
Com esses dados podemos reformular a questão clássica: todo Estado de Direito é um Estado Constitucional? Há inúmeros pontos discordantes, mas há alguns de assemelhamento, como a simetria que estabelecemos entre seus princípios ou postulados. Se tomarmos que o Estado Constitucional tem por base o Iluminismo, o contratualismo e o individualismo, então, não será difícil para relacionarmos tais princípios ao Estado de Direito.
O individualismo do Estado Constitucional está para a prevalência dos direitos individuais, proposto no Estado de Direito, assim como o contratualismo (Locke, Rousseau) está para a separação de poderes, em Montesquieu (também um contratualista). Aliás, é da vigência do contrato social que deve ser formulado o Estado que sirva à sociedade, diferentemente do Estado Absolutista (Leviatã) que se combatia desde então.
ROUSSEAU (1712-1778)
Em Rousseau, o contrato social é previsto para superar o pacto social e sua fragilidade, como se vê claramente na necessidade de se instaurar um poder legítimo. No nascimento do direito, já assinalava a necessidade da vigência do Princípio da Igualdade (+ isegoria + Liberdade Negativa[5]). Por isso, ainda imersos no contexto do direito natural, podemos dizer que a alteridade é o único sentimento capaz de motivar sistematicamente a todos; mas, a alteridade ocorre melhor em Estados pequenos onde se vivifica mais correntemente a commonwealth[6]. Em suma, esta é a concepção de direitos subjetivos de Rousseau, cuja negação implica em negar a vida e a dignidade de todos os envolvidos. Apoiá-la significa enfrentar a tirania e a intolerância em qualquer uma de suas manifestações.
Para o próprio Rousseau, a ideia de Justiça ou de reconhecimento era parte integrante do direito natural, sendo marcada na consciência dos homens (por Deus e, depois, pelo nascimento como ser racional[7]). Rousseau entendia que a formação da “personalidade moral” só se complementaria com o reconhecimento e o respeito à dignidade daquela pessoa. A justiça, portanto, era-lhe um constructo:
...que ninguém seja prejudicado em sua vida, liberdade, posses ou personalidade moral, seja por deliberada má vontade, ou por negligência ou indiferença. A “personalidade moral”, no entender de Rousseau, é a necessidade humana fundamental para cada pessoa de ser reconhecida e respeitada por outros como alguém que importa e que tem valor e dignidade sem depender de ninguém (Dent, 1996, p. 149).
Assim, legitimidade e alteridade se complementam. A Justiça Social, por exemplo, requer evidentemente a distribuição econômica e a possibilidade de participação do indivíduo no Estado:
Obter justiça para todas e cada pessoa numa sociedade, em todos esses aspectos, é a finalidade primordial da associação civil, do estabelecimento do estado civil. Rousseau pensa que a VONTADE GERAL é o meio pelo qual a justiça é obtida do modo mais abrangente para todas as pessoas, não só por causa dos princípios que daí resultarão (as leis), mas também por causa da maneira de funcionamento da vontade geral, em que cada pessoa participa como membro competente do CORPO SOBERANO (Dent, 1996, p. 149 – grifos nossos).
O indivíduo é requerido como um membro legislativo do corpo soberano, em que deve prevalecer o princípio da dignidade: “Um dos interesses primordiais de Rousseau é mostrar que não existe conflito básico entre as exigências de justiça e o próprio bem de cada indivíduo” (Dent, 1996, p. 149).A Justiça Social[8], quando alcançada, traz o sentimento republicano de volta e pacienta o povo.
THOMAS PAINE (1737-1794)
Além desses, Thomas Paine em seu Os direitos do homem(1989) será leitura obrigatória, bem como a linha da desobediência civil interposta por Thoreau na Defesa de John Brow (1966). Paine combateu na Revolução Americana e depois na Revolução Francesa. Seu lema pessoal era: “Onde não há liberdade, aí está meu país”. Ainda dizia: “A Lei é o Rei”. Historicamente, pelo pano de fundo, há a inicial Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, lastro da Revolução Francesa de 1789. Portanto, algumas das principais tentativas de enfocar a igualdade e a isonomia datam do Iluminismo (“humanizar o direito”).
BENJAMIN CONSTANT (1767 - 1830)
Político francês de origem suíça, Benjamin Constant sistematizou em livro a Liberdade dos Antigos Comparada com a dos Modernos. Depois, já em direção ao Iluminismo e por sua inspiração, passou-se a tutelar a liberdade de forma negativa (Lafer, 1988). Portanto, temos aí uma clara defesa do cidadão contra formas políticas tirânicas do Leviatã. Neste debate trazido por Lafer é interessante reter a ideia de que a exceção, em sua própria confirmação, e para que se respeite o “princípio democrático” (Canotilho, s/d), deve ser inevitável, “justificável” (para que possa ser exclarecida ao público), limitada no tempo e restrita no alcance:
Numa democracia o sigilo como exceção à regra geral de publicidade requer justificação [...] A justificação para o sigilo em função do tema da segurança da sociedade e do Estado que limita, como mencionado, a liberdade de participação na esfera pública, tem como base um juízo de valor sobre oportunidade ou não oportunidade da divulgação de documentos, à luz da conformidade ou não conformidade em relação a um fim visado. Neste contexto o sigilo é uma atualização das diversas vertentes da teoria da razão de estado (Lafer, 26/11/2004).
Nesta linha de argumentação, Lafer retomará uma distinção oportuna entre “segredos do Estado” (arcana imperii) e “segredos de governo” (arcana dominationis): “Valho-me desta distinção de Clapmar, no início do século XVII, para apontar que o sigilo argüido por conta da segurança do Estado e da sociedade pode ser abusivamente utilizado e converter-se apenas num método voltado para a dominação” (Lafer, 26/11/2004). Por fim, cita Bobbio (1986) quando critica o exercício crescente do criptogoverno.
Lafer também irá reafirmar que o “direito de mentir” (sob os auspícios da Razão de Estado) está identificado com o argumento da “necessidade política”: a necessidade de ocultar, segredar, esconder para preservar o poder. Com isto, é óbvio, não ocorre um adensamento democrático capaz de gerar confiança entre os cidadãos e destes em relação ao Estado.
A luta pelo reconhecimento da democracia, portanto, está em conter/inibir ao máximo tanto os arcana imperii quanto os arcana dominationis — além de aclarar o quanto seja possível a “opacidade do poder” (e debelar toda e qualquer tendência tirânica em defesa da “segurança nacional”).
Este seria o caminho de construção do exato oposto da tirania, em que vicejam “pessoas injustas”. Pois bem, cometemos injustiças fazendo aos outros males fundamentais, por ação ou omissão. Por outro lado, a alteridade é o único sentimento capaz de motivar sistematicamente a todos; mas, a alteridade ocorre melhor em Estados pequenos onde se vivifica mais correntemente a commonwealth (reunião, comunhão de Estados – ou sociedade civil multilateral).
FEDERALISTA (século XVIII)
Sob a batuta de James Madison, Thomas Jefferson, Alexander Hamilton, John Jay, George Washington, a Revolução Americana gerou um dos pilares da moderna tradição democrática.A formação do moderno Estado Constitucional, neste viés estadunidense, assegura que a união dos Estados independentes (Confederação) deverá pactuar pelo controle da soberania no poder central, com ressalvas e garantias à autonomia interna dos entes políticos (Federação). Vedando-se, assim, o direito de sedição. No entanto, como se trata de Estado forjado em revolução de independência, asseguraram constitucionalmente o direito de insurreição.
Do Renascimento ao Iluminismo
Outro autor dos mais vibrantes com a nova sociedade é Voltaire (1694-1778): tinha um estilo crítico e irônico, escreveu profusamente, além de ser filósofo, poeta, dramaturgo e político. Mais pela escrita do que pela militância política, esteve preso várias vezes — um de seus clássicos é Tratado sobre a tolerância. Em resumo:
· Infame: tudo que se opunha ao “progresso das Luzes” e à “busca da felicidade”. Era um monstro como Medusa[10].
· Fanatismo: “febre violenta”, uma “gangrena do espírito”.
Ø O fanatismo levou às guerras religiosas, às fogueiras da Inquisição e à morte em nome de Deus.
Ø O fanatismo é detestável porque leva à intolerância e à divergência, e isso gera “menoridade do espírito”.
Fanatismo é para a superstição o que o delírio é para a febre, o que é a raiva para a cólera [...] Há fanáticos de sangue-frio: são os juízes que condenam à morte aqueles cujo único crime é não pensar como eles [...] Quando uma vez o fanatismo tendo gangrenado um cérebro, a doença é quase incurável [...] Não há outro remédio contra essa doença epidêmica senão o espírito filosófico que, progressivamente difundido, adoça enfim a índole dos homens, prevenindo os acessos do mal [...] As leis e a religião não bastam contra a peste das almas [...] Que responder a um homem que vos diz que prefere obedecer a Deus a obedecer aos homens e que, consequentemente, está certo de merecer o céu se vos degolar? [...] De ordinário, são os velhacos que conduzem os fanáticos e que lhes põem o punhal nas mãos [...] Só houve uma religião no mundo que não foi abalada pelo fanatismo, é a dos letrados da China (Voltaire, 2002, pp. 218-219 - grifos nossos).
· Hoje seria um intelectual engajado (talvez na luta pelo reconhecimento). Entretanto, é claro que se coloca como liberal em busca do Iluminismo.
Também há Fourier (1768-1830): um autor admirado e considerado o precursor do socialismo, buscava a perfeição da “sociedade civilizada”, com “equilíbrio social” e “repartição proporcional da riqueza”. Sua obra traçou um mundo imenso e burlesco, sem se preocupar notadamente com as “provas irrefutáveis” ou com “verificações de verossimilhança”. Tinha uma “perspectiva física” fabulosa, era metódico, meticuloso, lógico e audaz. No mundo utópico que preconizou, estava estabelecida a prática da verdade e da Justiça, como via da “fortuna social”. Neste novo regime societário proposto estaria o “novo mundo” ou o “mundo em sentido reto[11]”. Só essa transformação social seria capaz de conduzir a um estado civilizado (ou “Estado Civilizatório”: a exemplo de Bacon), como meio da perfectibilidade e do destino humano.
Outros expoentes em áreas diversas seriam: Moliére (1622-1673):além de ator, é considerado o grande mestre da comédia satírica.A partir da revitalização das formas tradicionais da comédia, produziu num novo estilo, confrontando os contrários: a verdade oposta à falsidade, a inteligência rivalizando com o pedantismo. Esse estilo ainda se completaria com uma aguda percepção do absurdo da vida cotidiana.
Saint-Just (1767-1793): grande leitor de Rousseau, sonhava com uma democracia igualitária sem pobres nem ricos, no âmbito de uma República virtuosa: "A paz, a abundância, a virtude pública, a vitória, tudo está no rigor das leis". Fora das leis, tudo é estéril e morto. No entanto, foi eleito membro do Comitê de Saúde Pública. Desenvolveu as bases teóricas do governo revolucionário e fez a apologia do Terror. Morto aos 26 anos teria tempo de publicar um livro impressionante, O Espírito da Revolução, em que apresentou suas ideias para uma Constituição revolucionária francesa. Entre outras coisas, tratou da educação: “A França ainda não promulgou leis sobre a educação no momento em que escrevo, mas provavelmente nós as veremos sair do corpo dos direitos do homem. Tenho pois apenas uma palavra a dizer: a educação na França deve ensinar a modéstia, a política e a guerra” (1989, p. 65). Ora, se a lei existe para que não se tenha guerra (ou não se faça “justiça com as próprias mãos”), por que a educação a ensinaria? Para que o povo pudesse se defender dos príncipes tiranos.
Mais alguns, como: Condorcet (1743-1794) que era Matemático, filósofo e ainda que pertencente à nobreza, foi fortemente marcado pelos ideais em favor da liberdade econômica, da tolerância religiosa, das reformas legais e educacionais e contra a escravidão. Escreveu sobre política e se engajou na Revolução Francesa, além de ser considerado o fundador do sistema educacional francês.
Cesare Beccaria(1738-1793): seu trabalho, suas teses foram fundamentadas no princípio de que as políticas públicas devem procurar o maior bem para o maior número de indivíduos. Condenou as práticas bárbaras de seu tempo: o uso comum da tortura e da instrução processual secreta, o capricho e a corrupção dos juízes, as punições brutais e degradantes. O objetivo do sistema penal, argumentou, deve ser encontrar penalidades severas o bastante somente para conseguir as finalidades específicas de segurança e ordem; qualquer coisa além disso é tirania. A eficácia da justiça criminal depende principalmente da certeza da punição, mais que de sua severidade. As penas devem ser proporcionais à importância da ofensa.
Pietro Verri(1728-1797): foi discípulo de Beccaria e apresentou uma narrativa das barbáries do Estado. Mas iria mais adiante, apostando que se trata de um livro que luta por um quádruplo: razão, verdade, justiça, dignidade. Não há razão sem verdade, nem justiça sem dignidade (não é digno de fé quem não age pela verdade; não tem razão quem não é justo). É uma narração intensa, perturbadora, angustiante, lutando contra a barbárie praticada pela tortura, pelo uso da força bruta, pelo obscurantismo, pela mediocridade, pela ignomínia, pela estupidez e pela crendice. De outro modo, é uma aposta na razão, no conhecimento, na inteligência, na arte do desvelamento. Como é fácil de se notar, a democracia requer muito mais substrato do que a fórmula (ainda que necessária e óbvia) do “um cidadão, um voto”.
Bibliografia
HESSE, K. A força normativa da Constituição. Porto Alegre : Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
LAFER, C. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um Diálogo com o Pensamento de Hannah Arendt. São Paulo : Companhia das Letras, 1988.
_____ Público/Privado – suas configurações contemporâneas para a temática dos arquivos. Texto publicado em: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/noticias/nt_desarquivando6.html. Seminário realizado em 26/11/2004.
MACHADO, Lourival Gomes. Introdução e notas. IN : ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: ensaios sobre a origem das línguas. 4ª ed. Col. Os Pensadores. São Paulo : Nova Cultural, 1987.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: ensaios sobre a origem das línguas. 4ª ed. Col. Os Pensadores. São Paulo : Nova Cultural, 1987.
SAINT-JUST. O espírito da revolução e da Constituição na França. São Paulo : Editora da UNESP, 1989.
SARTORI, G. A teoria da democracia revisitada: o debate contemporâneo. São Paulo: Ática, 1994.
VOLTAIRE. Dicionário Filosófico. Editora Martin Claret, 2002.
[1] Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.
[2]Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
[3]Mesmo antes do Iluminismo, em meio aos percalços e avanços institucionais e científicos do Renascimento, Hugo Grotius (1583-1645) já indicava as bases contratuais da moderna racionalidade e que traria equilíbrio às relações sociais e comerciais: “VII. Quais os atos chamados contratos. De resto, todos os atos proporcionando utilidade aos outros, à exceção daqueles que são de pura beneficência, são chamados pelo nome de contratos. VIII. A igualdade é requerida nos contratos, primeiro com relação aos atos que precedem. A natureza manda observar a igualdade nos contratos até o ponto em que, da desigualdade deva surgir um direito em proveito daquele que obteve menos [...] X. A liberdade da vontade. Os contratantes não devem somente observar entre eles alguma igualdade do ponto de vista do conhecimento das coisas, mas ainda com relação ao uso de sua vontade” (2005, p. 572-592).
[4] Talvez, a maior diferença entre o Contrato Social de Rousseau e o Fato Social, de Durkheim, seja o fato de que para Rousseau há uma disposição em aceitar o que foi acordado e, assim, agir socialmente. Já para Durkheim, o pacto é imposto pela presença anterior, superior (hierarquicamente, por exemplo do Estado), exterior da sociedade em relação ao conjunto dos indivíduos. Então, neste caso, nem há a hipótese de algo ser acordado.
[5] “Não há crime, sem prévia cominação legal”.
[6] Comunidade Civil ou commonwealth: “Como a forma de governo depende da atribuição do poder supremo, ou seja, do Legislativo, é impossível conceber que um poder inferior possa prescrever a um superior, ou que um outro além do poder supremo faça as leis, a maneira de dispor o poder de fazer as leis determina a forma da comunidade civil” (Locke, 1994, p. 160).
[7] Pelo viés do racionalismo, todo homem que nasce em condições normais, recebe a mesma dosagem de possibilidades para se tornar um ser humano racional. A vida social cuidará do seu desenvolvimento, mas a potência é natural: “todo homem é potencialmente racional”. O mérito e a sorte (condições) farão a diferença.
[8]CF/88 - Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios...
[9]Diferente de escritura.
[10] Infame é o piolho, o que se move pela cabeça dos outros.
[11] Pode-se pensar que o destino reto é o próprio direito.
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de