Quarta-feira, 10 de junho de 2015 - 18h05
Conhecida em Brasília como Bancada BBB (boi, bala, bíblia), aglutina deputados que representam interesses do agronegócio, da indústria do armamento e de igrejas ou seitas evangélicas. Este é o quadro constituinte do poder e do direito no Brasil, em 2015.
Bancada ou barricada, importa que sua premissa é a exceção (criar meios e leis que assegurem a exclusão mais completa dos já-excluídos). Garantir, por exemplo, que os direitos de propriedade sejam mantidos contra os não-proprietários.
Mais ou menos como fazia o Federalista (fundadores) ao liquidar os mecanismos de “freios e contrapesos” do poder central, na formação do Estado Federal nos EUA. Tanto lá, quanto cá, a democracia é para poucos; porque não há democracia com miséria humana e muito menos se há falta de controle do poder.
Ao revés disso tudo, seria excelente se tivéssemos uma democracia horizontal, linear, sem a necessidade da aplicação de contramedidas restaurativas, compensatórias, inclusivas e discriminatórias positivamente (chamado de discrímen jurídico). Seria ideal porque não haveria distorções sociais, institucionais, econômicas e jurídicas que atuassem como impossibilidade fática da “igualdade de condições”.
Todos seriam iguais na medida do seu “possível”: a todos seria assegurado o necessário – de acordo com suas necessidades elementares – e de todos seria cobrado, de acordo com suas potencialidades. Essa é a premissa do socialismo, da igualdade real protocolizada na história pelo pensador alemão Karl Marx.
Essa matriz está insculpida na Constituição Federal de 1988, a contar do famoso Preâmbulo e seguindo pelos artigos 1º, 3º, 5º, 6º, 7º e muitos outros. A CF/88 é liberal e socialista, assegurou direitos civis e direitos sociais. É mais programática – como tarefa a ser cumprida pelo Estado – do que pragmática (se pensássemos que bastaria seguir a risca tudo o que a Constituição prescreve).
Porém, esse platô de igualdade é irreal no Brasil. Pode-se dizer que seja surreal no que restou do Welfare State (e mesmo agora em desconstrução na Espanha, por exemplo), mas é absolutamente irreal para nós brasileiros(as).
Tanto lá na Europa, quanto aqui (ainda mais desbragadamente) vicejam a misoginia, o machismo, o racismo, o classismo e o elitismo verde-oliva de franca conotação fascista. Daí as vaias ao Hino Espanhol – uma herança maldita do franquismo.
A história é presente
Ou seja, da mesma forma como a luta pelos direitos civis foi essencial – desde a Inglaterra do Rei João Sem Terra, em 1215 –, hoje, o feminismo que se arvora pela segurança e prestação dos direitos fundamentais (leia-se a mínima isonomia e equidade) é uma ponta de lança diante da cultura da exceção.
E, por tudo isso, em luta acesa pela desconstrução de uma lógica opressiva (coronelista), defende-se todas as lutas de minorias; impondo-se como parte da luta de classes e que pode contar com os recursos da “discriminação positiva”, por meio de cotas especiais e/ou mecanismos de compensação social/racial.
Afinal, toda luta política é luta de classes: de um lado, mulheres agredidas, estupradas e mortas por seus parceiros; de outro, homens brancos, ricos, de alto nível em escolaridade e funcionalidade ativa no poder.
No bojo dessa história, vemos que não se reparte o quinhão do poder sem luta efetiva. Pois, o direito vivo vem de lágrimas, suor e sangue; pode-se dizer, ontologicamente, que sem luta armada não há direito vivo.
Quanto à exceção (incluir regras que assegurem a exclusão o mais definitivamente possível), lembremos sempre do gladiador Spartacus em rebelião de massas contra a figura do “dictator” romano; estando este assegurado de poderes totais para decretar a vida e a morte.
No passado do mundo antigo e no presente do capital globalizado, as elites e os grupos de poder só conhecem o direito de exceção. No presente (e no futuro próximo) só haverá direito com ampla participação e mobilização.
Portanto, toda forma de luta política compensa e, por isso, uma etapa ainda decisiva é a luta pelo direito real de equidade e de isonomia – como fundantes dos direitos fundamentais.
Princípios e direitos
Não há ordem prioritária entre direitos fundamentais individuais e direitos fundamentais sociais, posto que estão equiparados e isentos de algum possível “conflito de princípios”. Nenhum interesse pode se sobrepor aos direitos fundamentais.
Com isto, asseguram-se os direitos civis e os direitos denominados “individuais-homogêneos” (idosos, deficientes físicos), assim como os direitos trabalhistas: considerados individuais com forte conotação coletiva – no sentido de direito público.
Basta vermos o exemplo do direito de greve: é um direito dos trabalhadores (como indivíduo e como categoria), mas que se exerce, politicamente, na praça pública. Isto é, o direito de greve é um direito individual, coletivo ou será político? O Direito do Trabalho reúne essas três “dimensões” da epistemologia jurídica (Ciência do Direito).
Na mesma esteira das conquistas suadas e brigadas estão os direitos fundamentais sociais – saúde, educação, segurança – e os direitos coletivos e difusos: meio ambiente.
A poluição produzida pelo lixo residencial-industrial (esgoto in natura e uso crescente da energia fóssil), produzida em São Paulo, afeta todo o Brasil; tanto quanto o desmatamento da Amazônia é um risco mundial e de implicações épicas.
Todas as formas de conscientização da responsabilidade ambiental e as práticas variadas de preservação da flora e da fauna estão intimamente ligadas. E este é o papel mais importante da educação no século XXI: ensinar a preservar a natureza (ética social) para que a vida humana seja possível.
Na mesma tônica, aplicando-se o Princípio da Prevenção, garantimos o desenvolvimento econômico-social com a manutenção das reservas naturais. Prevenir, neste caso, sempre será melhor do que remediar. O Princípio da precaução ainda nos avisa para irmos devagar, porque o pote é de barro.
Direitos humanos
Este “complexo conjunto dos direitos humanos” fortalece o sentido de que o direito transcende a coerção. Afinal, Direito é ensinamento e reconhecimento. Quando acreditamos, cumprimos o direito com livre e espontânea vontade (temor reverencial) e não porque temos medo: o receio da punição, o temor às penas e às multas resultam da coerção direta.
Agimos assim praticando o bom senso, reconhecendo e incutindo em hábitos e práticas a coerção indireta justa, razoável e equilibrada com os valores humanos mais nobres: interação social. O prêmio maior (direito premial) seria a garantia da vida humana com dignidade.
Mas, nem todos são iguais e precisam de um “direito desigual” (mais acobertador) para que sua desigualdade real seja transformada em “diferença”. Quando todos forem apenas diferentes em suas potencialidades, natureza étnica e cultural, não haverá desigualdade social e econômica.
Direitos especiais
Para que haja apenas diferenças e não desigualdade, portanto, o direito se reveste de “condições especiais”. Denomina-se de direitos especiais porque se aplicam, especialmente, a grupos de indivíduos que – em função de suas condições de existência especiais – necessitam de maior proteção legal.
Igualmente especiais, pode-se tratar assim, são os direitos de gênero, raciais, da criança e do adolescente e outros, porque se recobrem de garantias para sua efetivação. De modo direto e simples: um direito especial para que vive sob condições especiais.
As cotas ou ações afirmativas, demarcadas por reserva de vagas, têm esta função corretiva diante da profunda desigualdade tangida ao longo do tempo entre os grupos, as camadas, os setores e as classes sociais.
Seja em decorrência da história (o impacto da lógica da escravidão no racismo atual), seja em virtude da brutalização sem consciência global (homofobia), importa destacar que os grupos humanos não podem ser segregados.
Isto é o que motiva a “intercorrência jurídica”, a mudança no foco do direito a ser assegurado, sobretudo, em favor da seguridade e do aprofundamento do Princípio da Dignidade Humana.
Por uma visão social do direito
Em todos esses casos, preserva-se o direito à vida, como bem jurídico indisponível. Por isso, também, a necessária Mutação Constitucional in mellius – “para melhor” – provoca uma nova forma de interpretação do direito.
A “nova” interpretação ou Hermenêutica Constitucional, antes limitada ao direito positivado (isto é, inscrito na lei), modifica-se e adquire a “efetividade social” (cumprir o direito) exigida pela hermenêutica social do direito.
Isto será tão mais necessário quanto maior for a urgência em se ampliar a interpretação “restritiva” que se lia em determinados direitos constitucionais. Por exemplo, são fundamentais tanto o direito de privacidade (o espaço residencial) e de intimidade (os bens pessoais, o sigilo de correspondência e de e-mails), quanto o direito à saúde e à educação.
Entretanto, nem sempre foi assim. Durante muito tempo, acreditou-se (juridicamente) que os direitos fundamentais eram apenas os direitos individuais: ir e vir, ampla defesa, habeas corpus. Motivados por inúmeras pressões jurídicas e políticas, os próprios tribunais de justiça passaram a estender a interpretação de fundamentais, aos direitos sociais e humanitários.
A redução da maioridade penal para 16,14 anos, por exemplo, acarretaria uma modificação in pejus – ou seja, “para pior” –, uma vez que ao invés de trazer mais garantias aos direitos das crianças e dos jovens, reserva-lhes a diminuição da própria “expectativa do direito”. Não se “espera” pode um direito que já subtraído pelo Estado.
Por sua vez, este refluxo humanizador faz decrescer o nível geral do processo civilizatório. A sociedade toda perde com a mitigação (restrição) ou violação dos direitos e a saída, obviamente, não está em vilipendiar o Estatuto da Criança e do Adolescente. Pelo contrário, temos de lhe dar substância.
Direitos políticos e luta política
Defender o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e os demais direitos dos jovens é uma luta política – e de profundo caráter civilizatório. Contudo, toda luta por direitos é uma luta política; quer se volte contra o Estado, quer seja dirigida contra privilégios de classes sociais. Então, toda luta pelo direito é uma luta em defesa da civilização. Só a barbárie reina onde não há direitos.
Por sua vez, todos esses direitos e nomenclaturas que determinam um grau específico no padrão civilizatório (quanto mais direitos efetivados, maior o nível de sociabilidade), dependem da luta política iniciada, exatamente, em busca da conquista dos direitos políticos.
O direito de voto (direito individual com extensa conotação pública), o sufrágio universal, a limitação ao poder central, o avanço nas formas de mobilização e de participação popular (referendo, plebiscito, iniciativa popular), e tantos outros, foram e são a segurança de que os demais direitos saiam do papel para a vida real das pessoas.
Muitos direitos políticos (públicos) ainda não foram implementados suficientemente no Brasil. Temos o Ombudsman – um tipo de Ouvidoria onde o cidadão faz suas queixas –, porém, é preciso avançar muito mais.
O recall judicial e o veto popular, utilizados nos EUA, poderiam ser adaptados à cultura política e jurídica brasileira. Nesta modalidade de recall (“chamar de volta”), o cidadão (em plebiscito) anula a decisão judicial que feria direitos sociais. No veto popular, também em plebiscito, impede-se que uma lei antipopular (uma “lei injusta”) entre em vigor. Toda lei é injusta quando cria privilégios para os poucos que já têm muito.
Em todo caso, se é fato que não mudaremos a realidade somente com o Direito, para melhor, ao menos que sirva como impedimento de retrocesso linear, para níveis ainda mais bárbaros. Também por esse motivo é fundamental a luta contra a mitigação dos direitos trabalhistas, apresentada nos vários projetos de terceirização e de precarização do mundo do trabalho.
E, como a esquerda não se manifesta só na revolução, nos tempos de exceção proclamada, defender direitos fundamentais é, exatamente, o fundamental. O feminismo, a luta dos trabalhadores, os embates nas redes sociais pela consciência do cidadão e da cidadã, e outras frentes, fazem isso.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de