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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

Componentes ou Elementos do Estado


Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]


Define-se o Estado como o Poder Político organizado em torno, basicamente, de três elementos: povo, território, soberania. Em todo caso, de modo sumário, pode-se dizer que o Estado é formado por elementos de duas categorias de natureza diferente:

  1. Elementos Objetivos
  2. Elemento Humano (Povo)
  3. Elemento Físico (Território)
  4. Elemento Subjetivo(Soberania)

 

Mas, por que tratamos de estruturas essenciais ou estudamos elementos básicos de formação do Estado, como componentes obrigatórios na análise do cientista político e do jurista?

Essas “estruturas” são destacadas, ao invés de outras, por duas razões: a) especificamente para diferenciar a formação política alcançada com a instituição do Estado de outros modelos de organização – ainda que politizados, mas que não adotem os componentes estatais; b) porque todos os Estados desde então apresentaram esses elementos comuns.

A partir da análise desses elementos de formação do Estado, por exemplo, diferencia-se a instituição que concentra o Poder Político (Estado) de outras comunidades políticas, como as comunidades de natureza ou primitivas, os clãs, as lideranças tribais, os conselhos de anciãos, em que, apesar de eminente e até intensa atividade política, não se conhece exatamente a concentração do Poder Político[2]. Pelos mesmos motivos distingue-se o Estado de todas as formas “politizadas” mas não estatais, algumas até mesmo ilícitas (como o crime organizado) ou de natureza revolucionária, a exemplo das Forças Aramadas Revolucionárias da Colômbia – FARCs.

Neste sentido, como exemplos da necessária avaliação da concentração do Poder Político, podemos tomar como exemplo o enorme esforço de Gengis Khan para organizar seu povo e conseguir a concentração do Poder Político, em torno de uma liderança soberana. O líder, que levaria à unificação da Mongólia, invocava o dever supremo à nação como característica bem definida nos grandes construtores de Estados: “Se o meu corpo morre, deixa o meu corpo morrer, mas não deixe morrer o meu país” (frase atribuída a Gengis Khan).

O próprio Maquiavel debateu-se arduamente para ver a Itália unificada, depois Hobbes, em luta para não sucumbir à guerra civil na Inglaterra. Por isso, delimitou-se historicamente que os elementos distintivos do Estado são em número de três: povo, território, soberania. Para uma análise institucional e jurídica mais estendida ou complementar à análise histórica, entretanto, devemos pensar que seus elementos são:

  • Concentração do Poder Político
  • Adensamento cultural
  • Povo
  • Território
  • Soberania (interna e externa)
  • Poder de Império
  • Delimitação jurídica (elementos jurídicos) do Estado (Poder Público)
  • Finalidade (jurídica)

 

Em suma, formado por elementos objetivos e subjetivos, materiais e históricos, o Estado é uma instituição que se diferencia das demais fabricações humanas porque tem na organização do poder uma meta infalível. Como já vimos, sem povo, território e soberania não há Estado, ainda que possa ser pujante a política (como em comunidades tribais), a conquista territorial e a manutenção do poder (a exemplo das formações mafiosas).

Entre tantas outras divergências jurídicas, morais, sociológicas e políticas, os elementos de formação do Estado são uma constante na formação política, inicialmente no Ocidente, a partir do Renascimento e da constituição do Estado-Nação, e depois espalhando-se por todo o globo terrestre. Não há hoje no mundo Estado que não reconheça, inclusive constitucionalmente, a exigência desses elementos como essenciais à administração do Poder Político em seu território e sob a retaguarda do povo. Por isso, deve-se analisar os elementos de formação do Estado separadamente e em maior profundidade.

Estado Moderno e poder organizado

            Antes, contudo, cabe retomar parte da história de formação do próprio Estado Moderno. Em resposta ao processo de expansão do capital no continente europeu, manifestando-se pela necessidade de haver uma unificação do poder, com maior centralização e concentração de forças, o Estado foi firmado como este guia a fim de que os interesses de classe estivessem mais equilibrados. O Estado centralizado, no contexto do século XV, era atinente aos propósitos do absolutismo. O rei, como salvaguarda da soberania, não poderia sofrer restrições sob pena de o poder central não se ver mais como poder concreto.

Para este fim, foram desenvolvidas algumas instituições e modulações sociais e culturais: 1) unificação da língua e exigência de uma moeda comum (símbolos nacionais); 2) formação de uma burocracia profissional, com destaque para a administração racional do poder central; 3) organização de um poder militar capaz de reunir as forças públicas; 4) centralização política e monopólio legislativo; 5) oficialização de comunicados e informes gerais, institucionais, a fim de que houvesse uma maior regulamentação/regularização (a normatização leva à normalização); 6) definição de um sistema tributário como requisito para manter a arrecadação regular de fundos necessários à manutenção do Estado e de seu aparato organizacional.

            De modo decisivo, impositivo em 1648, o Tratado de Westfália colocaria fim à Guerra dos Trinta Anos, demarcando pela primeira vez o território como elemento de regulação da soberania dos Estados. O tratado regulamentou a organização política alemã e determinou limites territoriais especialmente para França, Alemanha e Suíça. O que, certamente, permite-nos ver como se estruturam o que podemos denominar de elementos políticos de formação do Estado. Em síntese, pode-se definir o Estado como a unificação e centralização do Poder Político. Entendendo-se o poder, basicamente, como resultante de variáveis ou características de afirmação. Portanto, como fundamento do Estado, o poder é:

  1. Relação
  2. Posse
  3. Dominação
  4. Organização
  5. Potência (virtus)
  6. Capacidade (potência em movimento)
  7. Instrumento (meio para ...)
  8. Finalidade: a) poder social; b) valor egoísta
  9. Estrutura: órgãos, instituições
  10. Hierarquia
  11. Disciplina
  12. Coerção (erga omnes)

 

O poder, em uma frase, é o resultado da ação política. Porém, o que significa esta frase aparentemente tão óbvia?

Elementos políticos de formação do Estado

Por definição, o Estado é uma instituição totalizadora, completa e fechada: “Caracterizado essencialmente pela ordenação jurídica e política da sociedade, o Estado constitui o regime de associação humana mais amplo e completo de todos os que se conhecem na história da humanidade” (Borja, 1998, p. 394 – tradução livre). Neste sentido, reagindo como um “todo”, como totalidade política e institucional, o Estado não deve admitir dissidências, dissensões e por ser um sistema fechado não se encontra aberto para questionamentos. A ideia de ser uma instituição completa indica que se trata de uma instituição que, teoricamente, não precisaria de reparos substanciais, mas apenas de manutenção, havendo permanência da base e de seus principais implementos.

Como instituição totalizante o Estado asseguraria sua própria sobrevivência com a imposição de toda a força política e moral que conseguisse encontrar (faria valer a regra de que “os fins justificam os meios”). À necessidade de se empregar esses recursos denominou-se de Razão de Estado e ao estofo jurídico que o protege legalmente dos demais Estados, deu-se o nome de soberania, como poder absoluto sobre seu povo, em determinado território.

Para um jurista conservador e pragmático como Austin, não se trata de justificar qualquer forma arbitrária de sustentação do poder, mas sua noção de soberania política (una e ilimitada[3]juridicamente) pode ter sugerido a muitos tal presunção do poder. De forma resumida, seu pensamento revelou que:

O soberano [...] deve possuir dois atributos essenciais, a saber, indivisibilidade e ilimitabilidade [...] O soberano deve ser uma unidade [...] Além disso, não poderiam haver limitações à soberania, pois tais limitações só resultariam da obediência a um poder externo [...] ou seriam auto-impostas, em cujo caso só poderiam corresponder a limitações morais e não legais e, portanto, como matéria de direito positivo, poderiam sempre ser ignoradas [...] Pois Austin afirma que todas as chamadas “leis” constitucionais que tratam da estrutura do poder soberano não são realmente legais, pois quem é soberano será determinado, em última instância, pelo fato de obediência. Ele também afirma que quaisquer tentativas de restrições impostas pelo Parlamento ao poder legislativo, seja qual for a força moral de que possam se revestir, são realmente inoperantes no direito estrito. Isso significaria, por exemplo, que uma cláusula num estatuto, segundo a qual uma emenda só deve ser efetuada por um procedimento especial – como, por exemplo, por uma maioria de dois terços, ou com a sanção de um referendo, ou com o consentimento de algum outro órgão – não é realmente lei, mas, no máximo, o que Austin chama “moralidade positiva” (Lloyd, 2000, p. 220-221 – grifos nossos).

 

Portanto, o elemento político mais distintivo do Estado é a capacidade de organização do poder, inicialmente enquanto organização social – um tipo de poder social em que a diversidade e a hierarquização poderiam ser incipientes – e, posteriormente, ainda mais no Estado Moderno e sob a forma própria do Poder Político, quando se passou a entender o Poder Político também como organização social, mas sobretudo como forma de dominação. Esta dominação política substituiria, inclusive, outras formas de dominação, como a religiosa (mágica) ou apenas tradicional e carismática.

            Por Poder Político se entende tecnicamente o “domínio das formas e das modalidades de governo”. De modo mais amplo, no entanto, assim como a família (o 1º grupo de socialização), o Estado desempenhará um papel fundamental na socialização; desde a própria preservação das demais instituições até a inserção dos indivíduos adultos, em idade de maioridade moral e política, nas principais atividades de cunho político (Azambuja, 2001). Neste sentido, o Estado, como poder organizado, é a realização da sociedade política.

Contudo, nesta transformação evolutiva, civilizatória, a fase seguinte consistiria em impor restrições ao Poder Político, exatamente como este fizera em relação às mitologias do próprio poder. O direito que provoca um efeito constrangedor ao ímpeto de mera subjugação do povo, em tese, é um elemento de autoproteção social contra o Estado. Mesmo sob a forma do Poder Político, que já subentende uma organização regular, sistêmica da atividade política, o poder passaria por limites interpostos com mais rigor.

Com a interposição de elementos jurídicos ao modelo inicial do Estado (Poder Político) os cidadãos passaram a conhecer dos direitos, ao contrário de quando eram subjugados e só obedeciam a deveres instituídos por outros (Bobbio, 2000).

Organização funcional do Poder Político

            Por fim, na delimitação deste tópico geral de formação do Estado, pode-se dizer que desde o início, o Estado Moderno se modelou por duas condições básicas: centralização do poder político e organização profissional das forças e capacidades necessárias à Administração Pública. E é este sentido de forte organização que é ressaltado por Konrad Hesse (1998) e Hermann Heller.            Divergindo do clássico Jellinek (2000), Heller (1998) vê na organização um elemento significativo, central do Estado, absolutamente não-subjetivo, configurando-se a seguinte estrutura funcional: a ordenação/organização de um povo, em determinado território, ressalta a necessidade de haver organização própria do poder, na forma de órgãos públicos.

            De acordo com sua definição:

O Estado se considera como um grupo territorial de dominação: o Estado se diferencia de todos os outros grupos territoriais de dominação por seu caráter de unidade soberana de ação e decisão. O Estado está acima de todas as demais unidades de poder que existem em seu território pelo fato de que os órgãos estatais “capacitados” podem reclamar, com êxito normal, a aplicação a eles exclusivamente reservada do poder coativo, e também porque estão em condições de executar suas decisões frente aos que se oponham a elas, com o uso de todo o poder físico coativo disponível na organização estatal e de maneira unitária [...] O Estado é soberano unicamente porque pode dotar sua organização de uma validez peculiar frente a todas as demais ordenações sociais, vale dizer, porque pode atuar sobre os homens que com seus atos lhe dão uma realidade muito distinta do que fazem as demais organizações [...] O Estado não é uma ordem normativa; tampouco é o “povo”; não está formado por homens, senão por atividades humanas [...] O Estado, enfim, tampouco pode ser identificado com os órgãos que atualizam sua unidade de decisão e de ação [...] Por tal motivo, a organização estatal é aquele status renovado constantemente pelos seus membros, ao que se juntam organizadores e organizados[4]. A unidade real do Estado cobra existência unicamente pelo fato de que um governo disponha de modo unitário sobre as atividades unidas, necessárias para a autoafirmação do Estado (Heller, 1998, p. 301 – grifos nossos).

 

            Assim, Heller contrapõe-se a Jellinek, negando-se a identificar as pessoas que possuem poder com o próprio Estado: “Desde há muito tempo as chamadas teorias realistas do Estado querem reduzi-lo às pessoas que detém o poder e cuja realidade física é tangível, identificando-o, pois, com os órgãos de dominação” (Heller, 1998, p. 302).

Portanto, se o poder é relação, pode-se dizer que o Estado é organização.

Bibliografia

BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. (Organizado por Michelangelo Bovero). Rio de Janeiro : Campus, 2000.

LLOYD, Denis. A ideia de lei. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

HELLER, Hermann. Teoría del Estado. 2ª ed. México : Fondo de Cultura Económica, 1998.

HESSE, Konrad. Lei Fundamental da República Federal da Alemanha. Tradução publicada pelo Departamento da Imprensa e Informação do Governo da República Federal da Alemanha, 1998.

JELLINEK, Georg. Teoria General del Estado. México : Fondo de Cultura Económica, 2000.

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado: metamorfoses do Estado Moderno. São Paulo : Scortecci, 2013.



[1]Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.

[2]Exemplo muito interessante desse tipo de organização e de manifestação política, intensamente vinculatória entre as demandas de um grupo com o mundo exterior, verificou-se na década de 1990, em Chiapas/México, com os zapatistas. A estrutura de poder mantinha um porta-voz institucional, legitimado, que era o subcomandante Marcos, mas sempre atento e vinculado em suas ações às manifestações e determinações do conselho de anciãos que sintetizavam o espírito do povo indígena.

[3]Para o detentor do Poder, o comando do Direito, aparentemente, é ilimitado.

[4]Status como uma espécie de pacto de adesão, comunhão, em que obedecemos ao desejo comum e assim concebemos o projeto de convivialidade em uma estrutura política forte, decididamente organizada e pronta ao exercício de um forte poder de atração.

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