Domingo, 14 de julho de 2013 - 18h19
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]
Define-se o Estado como o Poder Político organizado em torno, basicamente, de três elementos: povo, território, soberania. Em todo caso, de modo sumário, pode-se dizer que o Estado é formado por elementos de duas categorias de natureza diferente:
Mas, por que tratamos de estruturas essenciais ou estudamos elementos básicos de formação do Estado, como componentes obrigatórios na análise do cientista político e do jurista?
Essas “estruturas” são destacadas, ao invés de outras, por duas razões: a) especificamente para diferenciar a formação política alcançada com a instituição do Estado de outros modelos de organização – ainda que politizados, mas que não adotem os componentes estatais; b) porque todos os Estados desde então apresentaram esses elementos comuns.
A partir da análise desses elementos de formação do Estado, por exemplo, diferencia-se a instituição que concentra o Poder Político (Estado) de outras comunidades políticas, como as comunidades de natureza ou primitivas, os clãs, as lideranças tribais, os conselhos de anciãos, em que, apesar de eminente e até intensa atividade política, não se conhece exatamente a concentração do Poder Político[2]. Pelos mesmos motivos distingue-se o Estado de todas as formas “politizadas” mas não estatais, algumas até mesmo ilícitas (como o crime organizado) ou de natureza revolucionária, a exemplo das Forças Aramadas Revolucionárias da Colômbia – FARCs.
Neste sentido, como exemplos da necessária avaliação da concentração do Poder Político, podemos tomar como exemplo o enorme esforço de Gengis Khan para organizar seu povo e conseguir a concentração do Poder Político, em torno de uma liderança soberana. O líder, que levaria à unificação da Mongólia, invocava o dever supremo à nação como característica bem definida nos grandes construtores de Estados: “Se o meu corpo morre, deixa o meu corpo morrer, mas não deixe morrer o meu país” (frase atribuída a Gengis Khan).
O próprio Maquiavel debateu-se arduamente para ver a Itália unificada, depois Hobbes, em luta para não sucumbir à guerra civil na Inglaterra. Por isso, delimitou-se historicamente que os elementos distintivos do Estado são em número de três: povo, território, soberania. Para uma análise institucional e jurídica mais estendida ou complementar à análise histórica, entretanto, devemos pensar que seus elementos são:
Em suma, formado por elementos objetivos e subjetivos, materiais e históricos, o Estado é uma instituição que se diferencia das demais fabricações humanas porque tem na organização do poder uma meta infalível. Como já vimos, sem povo, território e soberania não há Estado, ainda que possa ser pujante a política (como em comunidades tribais), a conquista territorial e a manutenção do poder (a exemplo das formações mafiosas).
Entre tantas outras divergências jurídicas, morais, sociológicas e políticas, os elementos de formação do Estado são uma constante na formação política, inicialmente no Ocidente, a partir do Renascimento e da constituição do Estado-Nação, e depois espalhando-se por todo o globo terrestre. Não há hoje no mundo Estado que não reconheça, inclusive constitucionalmente, a exigência desses elementos como essenciais à administração do Poder Político em seu território e sob a retaguarda do povo. Por isso, deve-se analisar os elementos de formação do Estado separadamente e em maior profundidade.
Estado Moderno e poder organizado
Antes, contudo, cabe retomar parte da história de formação do próprio Estado Moderno. Em resposta ao processo de expansão do capital no continente europeu, manifestando-se pela necessidade de haver uma unificação do poder, com maior centralização e concentração de forças, o Estado foi firmado como este guia a fim de que os interesses de classe estivessem mais equilibrados. O Estado centralizado, no contexto do século XV, era atinente aos propósitos do absolutismo. O rei, como salvaguarda da soberania, não poderia sofrer restrições sob pena de o poder central não se ver mais como poder concreto.
Para este fim, foram desenvolvidas algumas instituições e modulações sociais e culturais: 1) unificação da língua e exigência de uma moeda comum (símbolos nacionais); 2) formação de uma burocracia profissional, com destaque para a administração racional do poder central; 3) organização de um poder militar capaz de reunir as forças públicas; 4) centralização política e monopólio legislativo; 5) oficialização de comunicados e informes gerais, institucionais, a fim de que houvesse uma maior regulamentação/regularização (a normatização leva à normalização); 6) definição de um sistema tributário como requisito para manter a arrecadação regular de fundos necessários à manutenção do Estado e de seu aparato organizacional.
De modo decisivo, impositivo em 1648, o Tratado de Westfália colocaria fim à Guerra dos Trinta Anos, demarcando pela primeira vez o território como elemento de regulação da soberania dos Estados. O tratado regulamentou a organização política alemã e determinou limites territoriais especialmente para França, Alemanha e Suíça. O que, certamente, permite-nos ver como se estruturam o que podemos denominar de elementos políticos de formação do Estado. Em síntese, pode-se definir o Estado como a unificação e centralização do Poder Político. Entendendo-se o poder, basicamente, como resultante de variáveis ou características de afirmação. Portanto, como fundamento do Estado, o poder é:
O poder, em uma frase, é o resultado da ação política. Porém, o que significa esta frase aparentemente tão óbvia?
Elementos políticos de formação do Estado
Por definição, o Estado é uma instituição totalizadora, completa e fechada: “Caracterizado essencialmente pela ordenação jurídica e política da sociedade, o Estado constitui o regime de associação humana mais amplo e completo de todos os que se conhecem na história da humanidade” (Borja, 1998, p. 394 – tradução livre). Neste sentido, reagindo como um “todo”, como totalidade política e institucional, o Estado não deve admitir dissidências, dissensões e por ser um sistema fechado não se encontra aberto para questionamentos. A ideia de ser uma instituição completa indica que se trata de uma instituição que, teoricamente, não precisaria de reparos substanciais, mas apenas de manutenção, havendo permanência da base e de seus principais implementos.
Como instituição totalizante o Estado asseguraria sua própria sobrevivência com a imposição de toda a força política e moral que conseguisse encontrar (faria valer a regra de que “os fins justificam os meios”). À necessidade de se empregar esses recursos denominou-se de Razão de Estado e ao estofo jurídico que o protege legalmente dos demais Estados, deu-se o nome de soberania, como poder absoluto sobre seu povo, em determinado território.
Para um jurista conservador e pragmático como Austin, não se trata de justificar qualquer forma arbitrária de sustentação do poder, mas sua noção de soberania política (una e ilimitada[3]juridicamente) pode ter sugerido a muitos tal presunção do poder. De forma resumida, seu pensamento revelou que:
O soberano [...] deve possuir dois atributos essenciais, a saber, indivisibilidade e ilimitabilidade [...] O soberano deve ser uma unidade [...] Além disso, não poderiam haver limitações à soberania, pois tais limitações só resultariam da obediência a um poder externo [...] ou seriam auto-impostas, em cujo caso só poderiam corresponder a limitações morais e não legais e, portanto, como matéria de direito positivo, poderiam sempre ser ignoradas [...] Pois Austin afirma que todas as chamadas “leis” constitucionais que tratam da estrutura do poder soberano não são realmente legais, pois quem é soberano será determinado, em última instância, pelo fato de obediência. Ele também afirma que quaisquer tentativas de restrições impostas pelo Parlamento ao poder legislativo, seja qual for a força moral de que possam se revestir, são realmente inoperantes no direito estrito. Isso significaria, por exemplo, que uma cláusula num estatuto, segundo a qual uma emenda só deve ser efetuada por um procedimento especial – como, por exemplo, por uma maioria de dois terços, ou com a sanção de um referendo, ou com o consentimento de algum outro órgão – não é realmente lei, mas, no máximo, o que Austin chama “moralidade positiva” (Lloyd, 2000, p. 220-221 – grifos nossos).
Portanto, o elemento político mais distintivo do Estado é a capacidade de organização do poder, inicialmente enquanto organização social – um tipo de poder social em que a diversidade e a hierarquização poderiam ser incipientes – e, posteriormente, ainda mais no Estado Moderno e sob a forma própria do Poder Político, quando se passou a entender o Poder Político também como organização social, mas sobretudo como forma de dominação. Esta dominação política substituiria, inclusive, outras formas de dominação, como a religiosa (mágica) ou apenas tradicional e carismática.
Por Poder Político se entende tecnicamente o “domínio das formas e das modalidades de governo”. De modo mais amplo, no entanto, assim como a família (o 1º grupo de socialização), o Estado desempenhará um papel fundamental na socialização; desde a própria preservação das demais instituições até a inserção dos indivíduos adultos, em idade de maioridade moral e política, nas principais atividades de cunho político (Azambuja, 2001). Neste sentido, o Estado, como poder organizado, é a realização da sociedade política.
Contudo, nesta transformação evolutiva, civilizatória, a fase seguinte consistiria em impor restrições ao Poder Político, exatamente como este fizera em relação às mitologias do próprio poder. O direito que provoca um efeito constrangedor ao ímpeto de mera subjugação do povo, em tese, é um elemento de autoproteção social contra o Estado. Mesmo sob a forma do Poder Político, que já subentende uma organização regular, sistêmica da atividade política, o poder passaria por limites interpostos com mais rigor.
Com a interposição de elementos jurídicos ao modelo inicial do Estado (Poder Político) os cidadãos passaram a conhecer dos direitos, ao contrário de quando eram subjugados e só obedeciam a deveres instituídos por outros (Bobbio, 2000).
Organização funcional do Poder Político
Por fim, na delimitação deste tópico geral de formação do Estado, pode-se dizer que desde o início, o Estado Moderno se modelou por duas condições básicas: centralização do poder político e organização profissional das forças e capacidades necessárias à Administração Pública. E é este sentido de forte organização que é ressaltado por Konrad Hesse (1998) e Hermann Heller. Divergindo do clássico Jellinek (2000), Heller (1998) vê na organização um elemento significativo, central do Estado, absolutamente não-subjetivo, configurando-se a seguinte estrutura funcional: a ordenação/organização de um povo, em determinado território, ressalta a necessidade de haver organização própria do poder, na forma de órgãos públicos.
De acordo com sua definição:
O Estado se considera como um grupo territorial de dominação: o Estado se diferencia de todos os outros grupos territoriais de dominação por seu caráter de unidade soberana de ação e decisão. O Estado está acima de todas as demais unidades de poder que existem em seu território pelo fato de que os órgãos estatais “capacitados” podem reclamar, com êxito normal, a aplicação a eles exclusivamente reservada do poder coativo, e também porque estão em condições de executar suas decisões frente aos que se oponham a elas, com o uso de todo o poder físico coativo disponível na organização estatal e de maneira unitária [...] O Estado é soberano unicamente porque pode dotar sua organização de uma validez peculiar frente a todas as demais ordenações sociais, vale dizer, porque pode atuar sobre os homens que com seus atos lhe dão uma realidade muito distinta do que fazem as demais organizações [...] O Estado não é uma ordem normativa; tampouco é o “povo”; não está formado por homens, senão por atividades humanas [...] O Estado, enfim, tampouco pode ser identificado com os órgãos que atualizam sua unidade de decisão e de ação [...] Por tal motivo, a organização estatal é aquele status renovado constantemente pelos seus membros, ao que se juntam organizadores e organizados[4]. A unidade real do Estado cobra existência unicamente pelo fato de que um governo disponha de modo unitário sobre as atividades unidas, necessárias para a autoafirmação do Estado (Heller, 1998, p. 301 – grifos nossos).
Assim, Heller contrapõe-se a Jellinek, negando-se a identificar as pessoas que possuem poder com o próprio Estado: “Desde há muito tempo as chamadas teorias realistas do Estado querem reduzi-lo às pessoas que detém o poder e cuja realidade física é tangível, identificando-o, pois, com os órgãos de dominação” (Heller, 1998, p. 302).
Portanto, se o poder é relação, pode-se dizer que o Estado é organização.
Bibliografia
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: a filosofia política e as lições dos clássicos. (Organizado por Michelangelo Bovero). Rio de Janeiro : Campus, 2000.
LLOYD, Denis. A ideia de lei. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
HELLER, Hermann. Teoría del Estado. 2ª ed. México : Fondo de Cultura Económica, 1998.
HESSE, Konrad. Lei Fundamental da República Federal da Alemanha. Tradução publicada pelo Departamento da Imprensa e Informação do Governo da República Federal da Alemanha, 1998.
JELLINEK, Georg. Teoria General del Estado. México : Fondo de Cultura Económica, 2000.
MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado: metamorfoses do Estado Moderno. São Paulo : Scortecci, 2013.
[1]Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.
[2]Exemplo muito interessante desse tipo de organização e de manifestação política, intensamente vinculatória entre as demandas de um grupo com o mundo exterior, verificou-se na década de 1990, em Chiapas/México, com os zapatistas. A estrutura de poder mantinha um porta-voz institucional, legitimado, que era o subcomandante Marcos, mas sempre atento e vinculado em suas ações às manifestações e determinações do conselho de anciãos que sintetizavam o espírito do povo indígena.
[3]Para o detentor do Poder, o comando do Direito, aparentemente, é ilimitado.
[4]Status como uma espécie de pacto de adesão, comunhão, em que obedecemos ao desejo comum e assim concebemos o projeto de convivialidade em uma estrutura política forte, decididamente organizada e pronta ao exercício de um forte poder de atração.
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