Quarta-feira, 6 de outubro de 2021 - 18h32
Associate Professor at
Federal University of São Carlos (UFSCar)
Head of BRaS’
Constitutional Studies Research Group
Member of BRaS’ Academic
Committee
Associate Editor of BRaS-J
Vinícius Alves Scherch
Doutorando em Ciência,
Tecnologia e Sociedade na UFSCar.
Mestre em Ciência Jurídica
pela UENP.
Professor no Curso de
Direito da UNOPAR Bandeirantes-PR. Advogado.
Member of BRaS’
Constitutional Studies Research Group
Esse texto é um ensaio,
uma tentativa de falar com crianças de 12 anos sobre a nossa Constituição. É um
convite para (re)lermos a nossa Constituição. O texto equivale à primeira
conversa na sala de aula, com o ensino da Constituição Federal de 1988 (CF88)
nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Porém, para facilitar a leitura,
especialmente para essa criança de 12 anos – como ensinaria Rousseau (1988) ao
“homem livre” – vamos dividir o texto em duas partes: Educação como Direito;
Educar para a Constituição.
Primeira parte
O que é a educação?
Primeiro podemos dizer que
a educação é muitas coisas. Para esse texto, a educação é um direito.
Para além disso, é um
direito fundamental, o que significa que não pode nunca ser negada ou tomada
das pessoas. A educação não é somente o processo de ensinar e aprender, vai
para além das paredes da sala de aula, discutimos o viver, o fazer e a
política. Através da educação a cidadania é construída e o cidadão encontra seu
lugar no mundo, conhece seus direitos e seus deveres, aprende a cobrar o
governo para que as condições sociais (trabalho, alimentação e saúde) não sejam
diminuídas ou retiradas das pessoas.
A educação fundamental
permite que possamos conhecer o outro, saber que apesar de todas as nossas
diferenças temos direitos iguais; e que as desigualdades precisam ser
diminuídas.
Como compreendemos a
educação dentro da CF88?
A Constituição Federal de
1988 aponta a educação como um direito fundamental social, portanto, tem um
aspecto triplo: liberdade, igualdade e solidariedade. Passando por estes três
aspectos, que podemos denominar princípios, por formarem uma base para que a
sociedade se estabeleça, a educação fundamental é o fio condutor do processo
civilizatório.
O processo civilizatório,
por sua vez, significa um caminho constante por aprimoramento dos direitos e da
convivência das pessoas, implicando, para tanto, no respeito a uma série de
outros princípios tais como a vedação ao retrocesso, o pluralismo político, os
deveres do Estado em garantir o acesso e a coexistência das diversas culturas e
povos.
Quando falamos em vedação
ao retrocesso, a ideia é a de que todas as conquistas sociais devem ser
respeitadas como um limite, ou seja, somente é possível avançar, dar passos
para frente, nunca para trás.
Por pluralismo político,
podemos entender a variedade de ideias, a possibilidade de conversar sobre
qualquer assunto sem que haja censura (a censura é a proibição de alguma
informação que poderia ser do conhecimento de todos).
Já o dever do Estado em
garantir o acesso e a coexistência das diversas culturas e povos, é uma
situação em que o Poder Público (governantes, legisladores e juízes) precisa
respeitar e incentivar a todas as manifestações diferentes daquelas que são
consideradas “padrão”, tais como saberes, histórias e religiosidades da cultura
africana e indígena, garantir que esses povos possam usar seus costumes e suas
tradições sem medo de perseguição ou qualquer tipo de violência e, por fim,
garantir que as terras e casas dessas pessoas não sejam violadas.
Qual o alcance da educação
fundamental?
A educação fundamental se
lança para fora da escola, está presente no cotidiano, não é limitada ao saber
ler e escrever, saber somar, subtrair, dividir e multiplicar. Como um direito,
deve ser garantida aos ricos e aos pobres, às crianças, aos jovens e aos
adultos. O conhecimento é alcançado por meio da educação fundamental, que
ensina o valor e a importância da ciência, da política, da história, das artes
e da filosofia para a formação das pessoas. Por isso a educação fundamental
liberta e emancipa, possibilita uma vida sem dependência, o ato de aprender é
eterno e leva consigo o dever de transmitir o que se sabe, para que não sejamos
governados por mentiras.
E no Brasil, como funciona
a educação fundamental?
No Brasil, a educação é
uma obrigação do Estado, isso significa que as escolas devem ser públicas,
gratuitas e de qualidade, para que todos tenham acesso a uma educação
fundamental. Logo, dentro dos princípios mencionados, a educação serve para
levar as pessoas e o país a alcançar saltos de qualidade e de melhoria da
sociedade, não deve ser um modelo de repetição e a escola não pode mais ser um
lugar onde só se discutem coisas chatas. Todos os assuntos podem ser abordados
na educação. A educação serve para a política.
Por política, entendemos
não somente a possibilidade de se ocupar um cargo público, de eleição, como
prefeitos, vereadores, deputados, governadores, senadores e presidente, porém
os atos, a ação de participar, de compartilhar ideias, de falar e ser ouvido.
Assim, chamaremos de Política, uma vez que tem relação com a democracia, que é
o governo do povo que é feito para o povo. A educação fundamental permite que
possamos compreender isso e rebate ideias que buscam tirar o direito de
participação das pessoas.
Segunda parte
Então, vamos conversar
sobre a Constituição Federal de 1988.
O que é a Constituição?
É uma lei. Uma lei que se
aplica a todas e todos, pobres e ricos, negros e brancos, mulheres e
homens.
É igual às regras gerais
de nossa casa.
Não é certo que devemos
fechar bem as torneiras e apagar as luzes, quando não usamos?
Essa é a ideia principal:
entender as diferenças básicas entre o certo e o errado.
Só que não é nosso pai ou
nossa mãe quem explica as regras.
É uma lei que se aplica a
nós, aos pais e filhos.
Também se engana quem diz
que a Constituição Federal de 1988 tem direitos demais e por isso não é
cumprida. Outros ainda dizem que, exatamente por ser muito extensa (comprida)
não é cumprida.
O que devemos saber – e só
saberemos disso lendo a CF88 – é que temos muitos deveres e obrigações:
públicas e individuais. Aliás, precisamos saber que entre os deveres está a
obrigatoriedade de se fazer algo e também a obrigação de não-fazer ou de cessar
o ato – se já estiver fazendo algo ou anunciando que irá fazer.
Vejamos alguns exemplos:
1) O primeiro dever é exatamente este que estamos tratando – temos o dever
comum de seguir e de respeitar a Constituição; 2) O Estado tem o dever de
cuidar da educação, da saúde pública e do meio ambiente (natureza), ou seja, é
proibido agir de outro modo que não seja em benefício público.
Uma crítica que também se
houve provém desses exemplos que acabamos de ver. Dizem assim: a Constituição
manda fazer isso e os políticos fazem o contrário. Por exemplo, a Constituição
Federal determina cuidarmos da Democracia, da República e dos Direitos Humanos.
Mas, os chamados “políticos profissionais” fazem o oposto.
Pois bem, esse não é um
problema da CF88, é um problema (horrível, aliás) dos políticos que nós mesmos elegemos.
Além do fato de que as instituições que deveriam defender o Estado de Direito
Democrático nem sempre cumprem com suas obrigações, como o Poder Judiciário e o
Ministério Público: federal e estadual.
Por fim, na aula de hoje,
é essencial sabermos que a nossa Constituição é extensa porque foi uma resposta
– como uma resposta jurídica – ao regime militar que acabara de ser destronado
do poder. Como se sabe, as ditaduras acabam com os direitos, impõe a censura,
muitas restrições à liberdade e eliminam a soberania dos próprios direitos
fundamentais: individuais e sociais.
Por isso a Constituição
Federal de 1988 é extensa – é uma extensão da liberdade, dos Direitos Humanos,
da Democracia, da Utopia por solidariedade. É extensa para alcançar – como
extensão jurídica, uma Extensão Constitucional – o povo todo, o Outro, você,
eu, nós, todo mundo.
Por tudo isso, numa última
expressão, entendemos que a Constituição Federal de 1988 é uma Carta Política;
é uma Lei comissionada pela política do seu tempo, porém, é uma Lei voltada à
civilização, à vida pública, ao espaço público, aos direitos fundamentais
individuais e sociais, à dignidade humana (MARTINEZ, 2021).
A seguir, seguem algumas
sugestões de leituras que auxiliem tanto as professoras e os professores quanto
os estudantes.
Bibliografia
BULOS, Uadi Lamego. Curso
de Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021
CANIVEZ, Patrice. Educar o
cidadão? Campinas, São Paulo : Papirus, 1991.
CANOTILHO, José Joaquim
Gomes. Estado de Direito. Lisboa : Edição Gradiva, 1999.
FREIRE, P. Extensão ou
Comunicação? (7ª ed.). Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1983
___ Política e Educação.
São Paulo : Cortez, 1993.
MARTINEZ, Vinício
Carrilho. O Conceito de Carta Política na CF/88: freios político-jurídicos ao
Estado de não-Direito. Londrina: Thoth, 2021.
ROUSSEAU, Jean-Jacques.
Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. 4ª
ed. Col. Os Pensadores. Vol. II. São Paulo : Nova Cultural, 1988.
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a
O que o terrorista faz, primordialmente?Provoca terror - que se manifesta nos sentimentos primordiais, os mais antigos e soterrados da humanidade q
Os direitos fundamentais têm esse título porque são a base de outros direitos e das garantias necessárias (também fundamentais) à sua ocorrência, fr
Ensaio ideológico da burocracia
Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de