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Vinício Carrilho

Entretenimento do horror e Estado de Exceção


Entretenimento do horror e Estado de Exceção:

O QUE VOCÊ TEM A VER COM ISSO?

Os filmes de horror que apresentam graus de caos[1] social não são necessariamente novidade. Mad Max, um clássico do gênero “ação”, já na década de 1979, propõe uma leitura de mundo que vislumbraria o que a devastação ambiental/moral poderia provocar à Humanidade e seus frágeis arranjos[2]. A diferença mais marcante, quando a referida película é comparada com o que pode ser visto nos dias atuais, parece estar na conclusão dos meios empregados.

Em Mad Max, apesar daquela polícia lembrar efetivos de Estado Militar, a luta política, mesmo assustadoramente assimétrica, era travada contra a anomia e a barbárie distópica. O “homem, lobo do homem” (Hobbes, 1983), estava à solta, em cada esquina e só havia restado uma polícia de exceção para o exercício da sobrevivência. A polícia de exceção foi o que restou do Estado, numa sociedade que se consumiu até à exaustão.

Na atualidade, a cultura do Ocidente consome vorazmente numerosas produções cinematográficas de Hollywood com a mesma tônica entrópica concebida no supracitado filme. Constata-se sem muito esforço, no entanto, que os motivos para o caos nessas obras da sétima arte, são variáveis: ora é pela propagação de um vírus que transformam os humanos em zumbis, seres monstruosos como capacidades sobre-humanas[3]; ora é pela dominação de máquinas[4] dotadas de inteligência artificial altamente sofisticada e com armamento e tecnologia capazes de garantir uma nova ordem pela força; ora pela colonização da Terra por extraterrestres tecnologicamente superiores, que objetivam destruir a humanidade e se apossar dos recursos naturais da Terra; ou ainda por hecatombes naturais, em escala planetária.

Na seara dos robôs, há clássicos que devem ser (re)vistos: Eu, Robô (2004), de Isaac Asimov; e a sequência Matrix (1999, 2002 e 2003), com roteiro original dos irmãos Andy e Lena Wachowski. No primeiro, as máquinas decretam Estado de Sítio para salvar a Humanidade de si mesma. No segundo, o regime totalitário das máquinas quer a extinção da vida natural. Se nota-se a mera distopia em O Exterminador do Futuro[5] e em Robocop (quando a exceção se desprende totalmente da ética), em Blade Runner, de 1982, observa-se, ao avesso disso, a retomada do humanismo no replicante que se recusa a matar seu caçador. Por isso, é um ícone político do cinema de ficção[6].

De outro modo, atualizando-se o debate, em uma pesquisa rápida, vê-se uma quantidade expressiva de trailers de filmes que serão/foram lançados somente em 2015 com a mesma temática:

1.Expresso do amanhã[7];

2.Extinção[8];

3.Aurora[9];

4.Sob o domínio dos robôs[10];

5.Maze Runner[11]

A mudança de estratégia encaminhada por Hollywood nos últimos anos traz uma combinação velha/nova de recursos políticos próprios, inerentes, ao Estado de Exceção (Losurdo, 2004). Na verdade, concentra-se mais nos meios do que nos fins e, assim, apresenta-se o politicídio ou democídio[12]  e o despovoamento massivo. A implantação de Lei Marcial, fato corriqueiro, legitima-se sobre a base dos discursos salvacionistas: “A Lei Marcial é a segurança da própria lei e da ordem”. Não bastasse a redundância, é óbvio que se esquece de dizer que se trata da preservação da lei aplicada pelos próprios detratores do Estado de Direito, isto é, será imposta a lei que sirva aos que perpetraram o Golpe de Estado. Basta ver a história: César; Bonaparte; Federalismo nos Estados Unidos da América; cesarismo (Gramsci, 2000); Golpe de 1964 no Brasil; Estados que sofreram intervenção militar em toda a América Latina.

Então, o que há nos “novos” filmes? Há fascismo embutido aí. Mas, como dado real, deve-se pensar na relação política com o desmantelamento da natureza. Pois, a necessidade natural (guerra de todos contra todos pela água, pelo ar respirável) é convertida em Estado de Necessidade. Aliás, o Google, como máquina de busca, permite constatar que o século XXI bate recordes insuperáveis na decretação de leis políticas pautadas por necessidades naturais/sociais.

Porém, neste caso, seria cinismo, porque é a mesma indústria que promove o consumismo e que desbarata a natureza, impondo-se a necessidade generalizada da sobrevivência humana. Neste caso, haveria uma combinação de fascismo e extremo cinismo, uma vez que, de forma desbragada, usa-se do argumento do desequilíbrio ou do cataclismo natural para impor medidas restritivas de consumo aos indesejáveis – como Estado de Necessidade.

Na vida real da crise avassaladora do capitalismo, até então, a “emergência civil” (caos social gerado pela fuga da guerra e da fome) foi tratada por medidas de segurança (leia-se “Estado de Emergência”) e o resultado é que milhares de imigrantes estão confinados (presos) há mais de uma década. A Organização das Nações Unidas (ONU) parece ser mais sensível, racional[13], mas a crise europeia (e de resto no mundo todo) não vai facilitar a vida dos “sitiados”[14].

Especificamente, no caso brasileiro, o crime social gerou uma estrutura criminal que rivaliza e é capaz de impor suas regras ao Estado. O Primeiro Comando da Capital (PCC) conseguiu se organizar de forma semelhante ao aparato estatal. Há inúmeros pontos de convergência com a Razão de Estado. Em sentido conexo, os reguladores do sistema (panóptico ou) sinóptico (Bauman, 2013) apreciam sua capacidade de liderança e organização (controle e disciplina). Além disso, não é combatido porque o “acordo” de 2005/2006 rendeu-lhes o controle hegemônico do sistema prisional no estado de São Paulo. Os governos reféns têm medo de uma sublevação interna que aterrorize as ruas e o resultado é o crescimento hegemônico e financeiro de uma estrutura que os aparatos repressivos não têm interesse em admoestar[15].

Utiliza-se, por fim, da ideia da “solução final da natureza e da sociabilidade”, como falso argumento, para seletivamente impor Leis Marciais. A natureza é usada, cinicamente, para que o novo formato de capital de Estado[16] promova a seleção natural entre os que podem viver na bolha de alto consumo (dentro) e os que devem ser mastigados em duras leis de exceção (fora). Enfim, a preferência por imagens aterrorizantes da “solução final”[17] não é mera semelhança porque aqui, a “coincidência” apresentada é verossimilhança[18] –e, por isso, você tem tudo a ver com isso.

Bibliografia

BAUMAN, Zygmunt. Vigilância Líquida. Rio de Janeiro : Zahar, 2013.

FEST, Joachim. Hitler. 4ª ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1976.

FOUCAULT, Michel.Microfísica do poder. 6ª ed. Rio de Janeiro : Edições Graal, 1986.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. (Org. Carlos Nelson Coutinho). Volume III, Nicolau Maquiavel II. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2000.

HOBBES, Thomas. Leviatã. Col. Os Pensadores. 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1983.

LOSURDO, Domenico. Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio universal. Rio de Janeiro : UFRJ, 2004.

MARTINEZ, Vinício Carrilho. A Teoria do Estado entre os séculos XIX-XXI: do Estado ético-racional (Hegel e Weber) ao Estado de Exceção. São Paulo : Scortecci, 2015.

Antenor Alves Silva

Técnico em Assuntos Educacionais na Fundação Universidade Federal de Rondônia. Mestre em Geografia pela Fundação Universidade Federal de Rondônia. Foi sargento de infantaria no 23° Batalhão

de Caçadores - Comando de Fronteira Roraima/7° Batalhão de Infantaria de Selva.

Vinício Carrilho Martinez

Professor da Universidade Federal de São Carlos

Marcos Del Roio

Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília



[1]‘Barbárie’ ou ‘desordem’.

[2]Que, para os efeitos desse texto, podem ser compreendidos como ‘civilização’ ou ‘ordem’, o oposto da barbárie.

[3]O que parece um contrassenso, pois tratar-se-ia de pessoas doentes, infectadas e sequeladas por algum patógeno brutal e desconhecido.

[4]Que compreende largo espectro de conceitos tecnológicos, que vão da robótica à nanotecnologia.

[5]Trata-se da sequência O Exterminador do Futuro, estrelada pelo austro-americano Arnold Schwarzenegger. A série de filmes mencionada inicia-se com O Exterminador do Futuro [‘The Terminator’], de 1984; continua com O Exterminador do Futuro 2: o julgamento final [‘The Terminator 2’], de 1991; seguido de O Exteminador do Futuro 3: a rebelião das máquinas [‘The Terminator: rise of the machines’], de 2003; seguido de O Exteminador do Futuro: a salvação [‘The Terminator Salvation’], de 2009; e aparentemente concluída por O Exteminador do Futuro: Gênesis [‘Terminator Genisys’], de 2015. A franquia citada também compreende a série O Exterminador do Futuro: as crônicas de Sarah Connor [‘Terminator: the Sarah Connor Chronicles’], iniciada em 2008.

[12]Termo suscitado por Rudolph Joseph Rummel (1932-), que significa, sinteticamente, extermínio político de um povo ou parcela significativa dele pelo seu próprio governo, abrangendo conceitos como genocídio, por exemplo.

[13]Mas só parece. Vide o emblemático caso de omissão da ONU em Ruanda, em 1994, por ocasião da guerra civil desencadeada por questões étnicas e que levou à morte quase 1 milhão de pessoas.

[16]Agora, um novo Poder Político, um Estado Controlativo híbrido, que se sustenta na estrutura estatal e nas grandes instituições financeiras transnacionais e nos aparatos internacionais de controle e repressão, caracterizando uma simbiose macabra na qual não há espaço para a empatia ou solidariedade às massas (Foucault, 1976).

[17]Premissa que remete necessariamente a um dos princípios do nacional-socialismo (Nationalsozialismus, em alemão) de Adolf Hitler, que levou à morte milhões de civis inocentes durante a Segunda Guerra Mundial, sob discurso nacionalista e por meio de lei marcial, um dos atos do Estado de Exceção. Lembrando que foi também Hitler quem revolucionou o modus operandi da manipulação das informações sob o aparato estatal – o que é conhecido hoje como propaganda de Estado (Fest, 1976).

[18]O que, por si, autorizaria o direito de resistência (Hobbes), a desobediência civil ou o direito de revolução, apontados nos manuais de Teoria Geral do Estado (Martinez, 2015).

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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