Domingo, 20 de novembro de 2016 - 14h48
O conceito de Estado de Direito (1) Democrático (2) de Terceira Geração é útil e válido, notadamente, se pretendermos articular a história política que derivou as três fases de fundamental relevo ao Estado de Direito (ontologia); bem como permitiria visualizar o encaixe do Poder Político diante da geração de direitos humanos: liberdade, igualdade, fraternidade.
Internamente, o Estado de Direito foi criado para regular o Poder Público (1). A fase seguinte instaurou a democracia como fonte legitimadora do direito (2). A intenção seguinte, em andamento, deveria produzir protocolos internacionais para o Estado de Direito (3). Como veremos, ao final, parte desses protocolos é existente; mas, talvez o mais significativo – contenção do uso/abusivo da exceção –, não se visualiza.
Por outro lado, vemos que, das três fases “evolutivas” do Estado de Direito, a única propriamente interna e exclusiva a cada Poder Político, é a primeira. Como aprendemos com a Revolução Francesa, a liberdade é uma conquista particular a cada povo: Estado = povo, território e soberania.
A segunda fase nasceu, constitucionalmente falando, com a Constituição de Bonn (Alemanha de 1949); entretanto, tinha seus antecedentes na criação da ONU (1946) e logo se tornou parte integrante e ativa do Direito Internacional.
Já a terceira fase do Estado de Direito implica na globalização do capital e do direito. Para os liberais, a Queda do Muro de Belin é o sinal do ingresso do Estado de Direito na era pós-moderna (Estado Pós-Moderno); para os críticos, corresponde à globalização do capital: financeirização do capital que se expande com a Internet.
Como se viesse a sacramentar a nebulosa globalizada do século XXI, o Dicionário Oxford inseriu o termo “pós-verdade”[1], em 2016, como o real significado dos tempos complexos, controversos, de contradições ardentes e antagonismos letais que vivemos.
As três fases do Estado de Direito – do século XIX ao breve século XXI
Para efeito didático, e mais detalhadamente, vemos que o Estado de Direito na primeira fase prometia ser regulador do Poder Político. A segunda fase também corresponde à luta por descolonização e a terceira é propriamente um fenômeno da mundialização e da troca incessante de dados, culturas e de forte imigração.
1) Entende-se pelo conceito, historicamente, que o Estado de Direito corresponde a uma construção político-jurídica do século XIX. Garantir liberdade ao cidadão implica(va) na retirada de poderes do Estado Absoluto: o direito civil instauraria a liberdade negativa – ou seja, a liberdade ampliada ao cidadão é, concomitantemente, restritiva ao Estado. Em tese, ainda poderíamos denominar de a primeira fase do Estado de Direito: direito = lei. Também corresponderia à natureza jurídica do chamado monismo jurídico: o Estado como a única fonte do direito.
Neste contexto, incrementou-se a isonomia (Princípio da Legalidade e da igualdade formal), a separação dos poderes e a vigência do império da lei. Além do controle estatal – “regra da bilateralidade da norma jurídica”, um só direito para o Estado e para os cidadãos –, prevaleceu a normativa do Princípio da Constituição. Por isso, o período também é chamado de Estado Constitucional: a cada Estado uma Constituição disciplinadora e reguladora do poder.
Esta somatória, mais claramente definida no pós-Segunda Grande Guerra, originou o que se entende por República Federativa. E ainda seria o marco definitivo de consagração da primeira geração de direitos humanos: liberdade.
A liberdade apregoada seria majorada em “novos” direitos civis e políticos: sufrágio universal e direito de participação. Em nosso caso, caberia uma atenção especial quanto à publicidade, legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência. A formação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1946, expandiu e democratizou o sistema de representação entre os próprios Estados.
2) O Estado Democrático, sob a bandeira do positivismo jurídico vigente no século XX, retraria direitos e garantias contra avanços futuros do fascismo/nazismo: condenação por crimes de guerra e tipificação do crime de genocídio[2]. O Tribunal de Nuremberg (1945-6) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) são marcos desse contexto e deveriam balizar tanto o direito interno quanto o Direito Internacional.
O legado do Estado Democrático ainda prometia duas bases de apoio e de consagração suplementares ao direito constitucional e internacional:
I - Ser a equidade inata à Justiça Social, como lema do Estado Social – até a Constituição de Weimar, de 1919 – e do Welfare State: o neoliberalismo conduzido pela ditadura militar de Augusto Pinochet, no Chile de 1973 a 1990, marcaria seu fim.
II – Definir no Direito Internacional e, internamente, no Direito Constitucional, as regras do jogo democrático: decisão da maioria; defesa das minorias; rotatividade do poder; sufrágio universal (voto livre, secreto e soberano).
Como parte ativa da segunda geração de direitos humanos (igualdade), seriam apostos os direitos sociais e trabalhistas. Demarcando, assim, a entrada em vigência – constitucional e internacionalmente – da segunda fase pertinente ao Estado de Direito: direito = democracia. Por efeito da inclusão político-jurídica iniciada no período de 1940/50, novos agentes e sujeitos passaram a requerer seu ingresso no sistema global do poder. A Convenção de Viena (1969) – “o tratado dos tratados” – denota a pressão político-jurídica exercida pelos Estados-membro da ONU.
Por outro lado, em decorrência do forte processo de exclusão econômica incrementado (neoliberalismo) nos anos 1990, a entrada na agenda comum de muitos temas controversos, problemas inusitados, demandas globais (retra)trariam “novos” direitos. Assim, desde finais da última década do século XX demandamos, como Humanidade, pelo arvorecer de uma ética-jurídica global, sistêmica e inclusiva.
3) O que aqui se denomina de Estado de Direito Democrático de Terceira Geração, a partir da fraternidade requerida como “direito humanitário”, é fruto do século XXI. Nisto, consubstancia-se o mais amplo pluralismo jurídico possível: direito = cultura. A União Europeia seria o exemplo clássico de integração de culturas constitucionais – até mesmo contraditórias – em um parecer unificado de diversos direitos constitucionais.
Externamente, como condição material da terceira geração de direitos humanos (fraternidade) – e seguindo-se a lendária Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade –, os organismos multilaterais (ONU, OEA, UNESCO, Cruz Vermelha) deveriam promulgar os Direitos da Humanidade.
Paz, desarmamento, preservação (precaução) das riquezas e das reservas históricas, culturais e naturais, ajuda humanitária e o Princípio da não-Intervenção – “respeito à autodeterminação dos povos” – foram apresentados como marcos do realismo político (interno) e traçaram limites éticos às relações internacionais. Instituindo-se, formalmente, a terceira fase do Estado de Direito.
Internamente, a Constituição Federal de 1988 favoreceu a edificação do Princípio Democrático – e que já havia sido protocolado nas constituições portuguesa (1976) e espanhola (1978). Nossa “Constituição Cidadã” ou, simplesmente, Constituição Democrática, assegurou-se de outros elementos.
A CF/88 é representativa (soberania popular), participativa (democracia direta), pluralista (Estado Laico e Multiétnico), emancipatória (teleologia e perfectibilidade) e programática: garantista da vigência e da eficácia dos direitos fundamentais.
Além de resguardar as gerações anteriores de direitos, por fim, o Estado de Direito Democrático de Terceira Geração deveria pautar-se – como Constituição Aberta e coerente ao Direito Constitucional Altruísta – à preservação dos direitos difusos e coletivos: meio ambiente (“Pegada Ecológica”), direitos individuais homogêneos.
Na prática, hoje se sabe, interna e externamente, não fomos capazes de criar direitos, instituições e diplomacias que solidificassem a restrição global ao uso/abusivo dos meios de exceção.
O que, sem dúvida, é a maior promessa descumprida da democracia representativa, no tocante ao tema originário do Estado de Direito: controle do poder e extinção total dos Tribunais de Exceção[3].
Portanto, diante da contradição realista apresentada às intenções iluministas e apensadas às leis do processo civilizatório, como fenômeno globalizado, o Terrorismo de Estado adquire ou mantém faces obscuras e denegatórias dos direitos civis mais elementares[4].
No Brasil, abuso de autoridade e gravíssimas violações (sistemáticas) dos direitos resguardados na condição do “estrito cumprimento do dever legal”, por fim, revelam o grau crescente da despersonalização das garantias prometidas pelo Estado de Direito, tal qual observamos na Constituição Federal de 1988.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
[1]https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/11/16/O-que-%C3%A9-%E2%80%98p%C3%B3s-verdade%E2%80%99-a-palavra-do-ano-segundo-a-Universidade-de-Oxford.
[2]As Convenções de Genebra (1864-1949) são um fato curioso na assim designada geração de direitos humanos; posto que revelam o nascimento do Direito Humanitário já no século XIX e coincidindo, portanto, com a efetivação conceitual e doutrinária da primeira fase do Estado de Direito. O que indica, ainda, que esta divisão entre fases é tão-somente conceitual e para efeitos didáticos.
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de