Segunda-feira, 20 de janeiro de 2014 - 15h12
Quando iniciei a leitura da reportagem, imaginei que o Ministro do STF Joaquim Barbosa estivesse representando o Brasil no exterior, proferindo palestras como se fosse um tipo de adido jurídico do país. Mas, ledo engano, foi palestrar em suas férias, por conta e risco, sem atuar como chanceler do país sem-república.
Minha conclusão imediata é de que realmente vivemos em um Estado Patrimonial, porque não temos (e tenho sérias dúvidas de que um dia teremos) consciência sobre o que é ser republicano. O Estado de Direito – de que o ministro é insigne representante institucional – toca um canto de sereia especial para quem se adorna de poder, e agora fica claro que não importa muito se veste beca ou não.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, receberá 11 diárias, no valor total de R$ 14.142,60, durante suas férias, para proferir duas palestras - em Paris (França) e Londres (Inglaterra). Dados do tribunal mostram que Barbosa receberá diárias para viajar no período de 20 a 30 de janeiro[1].
Tudo é alarmante, mas causa espécie saber que vá receber onze diárias para efetuar duas palestras. Ora, porque onze diárias se são apenas dois dias de palestras? Deve ser o traslado de Paris para Londres... Na verdade, não deveria haver diária alguma, porque o ministro não representa oficialmente o país. Está lá a convite do próprio ego jurídico.
O Brasil é um país patrimonial. Patrimônio é um território de posse e de propriedade privada, mas compartilhada por um pequeno público. No Brasil, o patrimônio também é conhecido como pequenas glebas de terra (fincadas em fazendas) em que se verifica um tipo de assentamento de posseiros, meeiros e colonos que, nem bem vivem no espaço público (apesar de estarem agrupados), nem se sentem com a posse do terreno privado. Alguns desses patrimônios tornaram-se, com o passar do tempo, de maior significância para suas regiões, intermediando o mundo rural com o relevo urbano. Na forma de distritos – entre a fazenda e a cidade –, os novos espaços de convivência adquiriram maior representatividade institucional e jurídica. Com o tempo, alguns também tornaram-se municípios. Enfim, temos a ideia de que o público (município) deriva do privado (patrimônio) e depois retorna a este estado de coisas pelo desmando ou malversação da coisa pública. Hoje, agentes públicos, políticos profissionais tomam o Estado como se fosse propriedade privada, para seu bel prazer.
No país reina a mentalidade de que o Poder Político funciona como patrimônio territorial, econômico, institucional de alguns adoradores da privatização do que é público. O Poder Político é acionado pela contrassenha do patrimonialismo. Há muitas formas de se corromper o sistema, algumas mais evidentes, acachapantes ou violentas e outras mais sutis, aparentemente como pequenos deslizes – este segundo modelo é o praticado pelo ministro em suas viagens diletantes.
Como reagiriam franceses e ingleses ao saber que o ministro foi ao exterior discursar sobre moralidade pública, justiça e Estado de Direito, custeado pelo dinheiro público? Haveria uma forma tão simples de se encaminhar isto, com decência, pois bastaria que a universidade francesa tivesse dirigido o convite ao STF. Se bem que aí o ministro teria de pagar as próprias custas, como fazem os acadêmicos que não conseguem financiamento das agências de custeio. Como miragem positiva, devemos combater qualquer tipo de culto à personalidade.
Enfim, de toda forma, o ministro foi uma miríade de moralidade no julgamento político mais assustador que as instituições políticas brasileiras puderam produzir; só por isso poderia terminar o mandato de melhor forma. É por essas e outras que o direito no Brasil – para a imensa maioria do povo – é apenas ideologia, um tipo de papo furado contado com salamaleques. Talvez o Estado e o direito nunca deixem de ser manejados como patrimônio privado, mas pelo menos é hora de pensarmos nisso com mais seriedade.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia – UFRO, junto ao Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ. Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais e Doutor pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Ciências e em Direito, é jornalista.
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