Quinta-feira, 16 de maio de 2013 - 18h29
Vinício Carrilho Martinez[1]
Deixai toda esperança, ó vós que entrais
Dante
RESUMO: Em 2013, contamos 500 anos do livro O Príncipe, de Maquiavel. Depois da Bíblia, deve ser o livro mais estudado e citado. Por isso talvez caiba uma comparação, não com a bíblia, mas com a Divina Comédia, de Dante. No artigo, veremos uma relação e não exatamente uma comparação entre o Inferno de Dante e o Príncipe, de Maquiavel. Toda comparação necessita de relações anteriores, mas a comparação exige mais articulação, descendo a minúcias. Portanto, relacionar implica em apontar semelhanças e disparidades; mas em um método mais preciso, como se espera da comparação, as relações devem ser mais intensas e intrínsecas.
Dante Alighieri é considerado o homem-síntese da Idade Média, enquanto Nicolau Maquiavel inventou a modernidade com seu realismo político. Poucas coisas são mais evidentes, científicas e ao mesmo tempo nebulosas do que a sentença de Maquiavel, em que “os fins justificam os meios”. Com Dante, e para todo o sempre, ficamos sabendo que uma vida sem “virtudes” (as virtudes de cada época) não vale a pena ser vivida – ou será vida o que temos no Inferno? E hoje, estamos realmente todos no Inferno?
Quais são as virtudes para Dante? E para Maquiavel? O que tinham em comum é o fato de terem nascido em Florença - Itália. Mas será que a moral para ambos era tão divergente? É uma moral religiosa, cristã, para o primeiro; a ética será pagã, para o segundo.
Em Dante, são virtudes centrais: força, justiça, prudência, temperança (Ítalo, 1998). A estas ainda se somam as virtudes teológicas da fé, esperança e caridade. Para Maquiavel, são modernos os conceitos de virtù e de “fortuna”: sorte, acaso, influência das circunstâncias. Portanto, são virtudes cardeais (virtù) para o bom exercício do poder, a coragem, o valor, a capacidade e a eficácia política (Bobbio, 1985). Assim, mesmo as virtudes essenciais não lhes são comuns. Desse prisma não há paridade.
Pode-se ver que muitos dos ilustres que desfilam pelas galerias do Inferno foram hábeis fraudadores, falsários ou enganadores – e muitos outros se notabilizaram como facínoras, violentadores, assassinos cruéis – merecendo a condenação de Dante. Contudo, diria Maquiavel, se empregaram a força, não o fizeram com astúcia, pois até mesmo para ser bruto é preciso ser ardiloso, inteligente, ponderado: “faça-se o Mal todo de uma só vez e o bem, a conta-gotas”.
Em Maquiavel: se tiver que matar, mate todos de uma única vez e os exponha em praça pública: já bem mortos. Com isso, o governante demonstrará extrema força, mas a dor não se arrastará e os demais indivíduos não nutriram um sentimento de eterna insegurança: força sim, insegurança, nunca. Dentre outras coisas, para manter seu poder bem nutrido, um Príncipe necessita prover a segurança pública.
Neste quesito, portanto, muitos dos condenados por Dante aos cadafalsos do Inferno, em vida pública, seriam condecorados por Maquiavel com a comenda dos homens devirtù. Os círculos do Inferno até são os mesmos da vida pública, embalada pela política comezinha, o que os diferencia é o resultado final – se os meios forem bem aproveitados, será a glória política; agora, se resultarem em estupidez, será uma descida solo para o fogo eterno.
Outro aspecto interessante, em Dante, é que mesmo os justos, mas ingênuos ou não-afortunados pelo batismo, encontram-se aprisionados no Limbo: lá não se ouvem gritos de dor, mas eternas lamúrias. No Limbo estão todos os que não conheceram a deusa Fortuna, dos antigos gregos e de Maquiavel.
Contudo, há outra curiosidade que os une: Dante, poeta, escreveu uma teoria política sobre a Monarquia; Maquiavel, teórico da política, cultivou uma novela de época: A Mandrágora. Em seus papéis invertidos, procuraram por lições que ultrapassassem seu tempo. Como clássicos, defenderam a divisão e o controle do poder (Dante) e a prudência aliada à ética (Maquiavel, no seu único romance).
Em Maquiavel, a virtude da prudência tomou forças contra o furor. Citando Petrarca nas últimas linhas de O Príncipe: Vertù contra furore / Prenderà l’arme, e fia ‘l combatter corto[2](Maquiavel, 1979, p. 94). De certo modo, a lição indicada por Petrarca é a mesma que encontramos na Mandrágora. O que também não deixa de ser uma negativa ao Estado Teológico, não-laico, visto em Tomás de Aquino e, em parte, em Lutero. Podemos encontrar um Maquiavel preocupado com a “moral”. Essa imagem está clara, na introdução que Carmelo Distante (USP) faz ao romance Mandrágora[3], do pensador florentino: “Não é que ele participe da sordidez. Queremos dizer que ele a usa para atingir as finalidades superiores que são a razão de sua vida” (Maquiavel, 1994, p. 25). Será que Maquiavel se antecipava ao mito do anti-herói?
Em todo caso, a vida comum do homem médio desse período do Renascimento em que viveram os dois autores pode ser eternizada – se não quisermos outros dados – apenas no desafio da construção do Estado-Nação. Nossa vida moderna, entretanto, é confusa, perplexa, contraditória. Num exemplo simples: nunca foi tão fácil obter sexo; por outro lado, talvez nunca tenhamos tido outra era com tantos abusos sexuais. Na mesma simetria de relação: falamos ou condenamos a política (profissional), como um lixo social, mas, em compensação, nunca se participou tão pouco. Os clássicos têm muito a nos ensinar e são clássicos exatamente por isso.
O Inferno está aqui
Dante construiu uma poesia como proposta de redenção moral da Humanidade. A “selva escura” em que se passa o Inferno talvez seja não apenas o estado da moral no século XIV, mas acima de tudo o eterno conflito da condição humana e que se demonstra desde Aristóteles, com base nas mais graves transgressões do direito: incontinência, violência, fraude e traição. Esta também é a sequência de agravamento das penas no Inferno de Dante. A “selva escura”, narrada em A Divina Comédia, aos 35 anos, recebe o acompanhamento de Virgílio – como veremos, um verdadeiro guia da Razão humana (e não apenas da Razão de Estado):
“essa selva selvagem, rude e forte,
que volve o medo à mente que a figura” [...]
Olhei para o alto e vi a sua vertente
vestida já dos raios do planeta
que certo guia por toda estrada a gente.
Tornou-se minha angústia então mais quieta (Dante, 1998, p. 25-26).
Diante de Virgílio, Dante pede que lhe socorra, acalme sua alma. Na resposta, como manda o bom senso, recomenda não afrontar o perigo que não conhece e que não se domina: “A ti convém seguir outra viagem” (Dante, 1998, p. 28). Enquanto isso, Beatriz, a eterna paixão de Dante, condiz com a mulher que não foge dos próprios desafios:
Temer deve-se a coisa em que o poder
de nos causar o mal se manifesta,
as outras não, das quais não há temer (Dante, 1998, p. 34).
A Prudência, contudo, não deve gerar a inação, a inatividade, porque a omissão também é crime: “é tibieza o que faz teu recolhimento” (Dante, 1998, p. 32). Beatriz encontrará Virgílio e Dante no Limbo e, neste momento, a lição que se tira é a de que os apáticos (Ignavos) também vão ao Inferno – no primeiro círculo – e assim acabam desprezados por Deus e pelo diabo:
Esses, de quem foi sempre a vida ausente,
estavam nus, às picadas expostos
de uma nuvem de vespas renitente (Dante, 1998, p. 39).
Alguns se fazem de ausentes; para outros, o sentido da vida é que já se foi, roubados da esperança – como se lê no Pórtico do Inferno: Deixai toda esperança, ó vós que entrais (Dante, 1998, p. 37 – grifos nossos). Se mergulhamos no Limbo – “cego mundo” – encontramos o mundo do claro-escuro, o lugar (ou “não-lugar”?) dos que não-são, mas que ainda não deixaram de ser (um homo sacer[4]infernal):
Sons aqui eu não pude perceber
de pranto, só suspiros [...]
Mas nossa pena é só esta:
“sem esperança ansiar eternamente” (Dante, 1998, p. 44).
No Limbo estão os poetas, os árabes, os filósofos, todos justos, mas condenados porque antecederam à era de Cristo:
“Honrai o nosso poeta eminente!
Sua sombra volta, que tinha partido” (Dante, 1998, p. 46).
Para Dante, muito antes do Iluminismo, a Razão é sabidamente a porta de entrada da luz e do esclarecimento: “juntos andamos para a claridade” (Dante, 1998, p. 46). Em todo caso, os intelectuais realmente estão no Inferno, sem poder, dinheiro ou status e destes talvez se exclua somente Aristóteles: “Mestre de todo homem de saber” (Dante, 1998, p. 25-26)[5].
Depois, com Bacon – na sua Atlântida –, houve nova era de esperança para todos os intelectuais, criando-se uma verdadeira tipologia de Estado em que o conhecimento (a ciência) e o poder andariam juntos. Nova Atlântida é mais um tipo de anti-república. Trata-se de um Estado imaginário, mas a utopia possível se encontra afeta ao trabalho de sábio. A questão maior envolve ciência e técnica, sendo mais importante dominar a natureza do que governar os homens. A “Casa de Salomão” (centro de pesquisas) é a exemplificação do que fora descrito em Novum Organum. O que fica mais claro, todavia, é que a ciência é obra coletiva e não individual. Nova Atlântida revela um dos sonhos de Bacon. O filósofo define/defende um Estado governado por pesquisadores, cientistas racionalistas: antecipando-se à meritocracia, entretanto, não propôs algo que lembrasse a tecnocracia. É fundamental que se esclareça, portanto, que o ponto forte do texto é o sentido tácito de Justiça da Casa de Salomão, e que tinha a ciência como fundamento/objetivo: “O fim da nossa instituição é o conhecimento das causas e dos segredos dos movimentos das coisas e a ampliação dos limites do império humano para a realização de todas as coisas que forem possíveis” (Bacon, 2005, p. 245). Contudo, o mundo real é mais impiedoso do que o poeta: “E chego aonde nada mais reluz” (Dante, 1998, p. 48).
O segundo círculo é reservado aos luxuriosos:
Por sua luxúria foi tão possuída
que líbito fez lícito em sua lei,
pra escapar da censura merecida (Dante, 1998, p. 51).
Assim também se vê que transformar a exceção em regra não anula o crime, só cria um direito criminoso. No terceiro círculo foram confinados os gulosos. Mas quem são os gulosos, apenas os que comem demais? Ou seriam todos os que comem e consomem excessivamente – além de ali se encontrar todo bom avaro; bem como todos os que lutam e se matam pelo poder:
Dois justos há, porém em desavezo:
São só a avareza, a inveja e a soberba
Os fogos que mantêm o ânimo aceso (Dante, 1998, p. 57).
No quarto círculo têm assento os raivosos e os violentos. Mas Virgílio analisa também a violência da vaidade da Fortuna:
Disse o bom mestre: “Filho, aqui tu vês
as almas dos vencidos pela ira [...]
contrista-nos agora a lama negra [...]
do lodo que as palavras desintegra (Dante, 1998, p. 65).
O inimigo de Dante – Filippo Argenti – também está neste círculo, condenado por sua arrogância:
E a mim: “Por minha indignada surpresa
não temas, que inda vencerei a prova,
quem quer que lá prepare a sua defesa (Dante, 1998, p. 71).
No Vale das Sombras viceja a arrogância extrema. A desesperança é um Mal do século XXI, mas Dante já o observava:
“Nesta fossa infernal mais afundada
desceu já alguém do círculo primeiro,
cuja pena é a esperança negada” (Dante, 1998, p. 73).
É claro o sentido alegórico interposto no Inferno. Mas, tal como cá, lá também há doutrinas e ideologias bastante funestas:
Ó intelectuais sadios e judiciosos,
Entendei a doutrina disfarçada
Sob o velame dos versos curiosos! [...]
“Ó enxotados do Céu, gente mesquinha” [...]
“donde a arrogância vem, que em vós se aninha?” (Dante, 1998, p. 75-76).
No Canto X são punidos os heréticos. O curioso é que na voz de Farinata é que se dará um debate político sobre o futuro do próprio Dante – mas ali, no campo magnético dos heréticos:
Bem volta ao povo teu que te acarinha,
mas por que ele mantém tanta impiedade
contra os meus, que em suas leis tanto espezinha? (Dante, 1998, p. 82).
No sétimo círculo são punidos os homicidas e os assaltantes, os que praticam a violência e também os fraudadores, especialmente a fraude embasada na boa fé. Ao tempo de Dante, era a fraude contra parentes; para nós, será a fraude contra a fé pública:
Hipocrisia, lisonja e seus useiros,
falsidade, rapina e simonia:
ladrões e rufiões e trapaceiros (Dante, 1998, p. 87).
O que perguntaríamos – como brasileiros descendentes do Homem Cordial (Holanda, 1995) – é se os influenciadores da cultura da corrupção (como apologia do crime) também teriam aí um lugar especial. Aos que denigrem a Ética a Nicômaco sim – e se entendermos que nesta obra está a base da ética pública, então, deve servir o conselho aos agentes políticos do Estado:
Não lembras a lição precisa e plena
na qual a tua Ética trata
destas três transgressões que o Céu condena:
incontinência, malícia e a insensata
bestialidade? (Dante, 1998, p. 88).
A fraude é própria do zoon politikón; pois, para quem tem o livre-arbítrio, o desejo se converte em abuso de poder. No primeiro giro do sétimo círculo se encontram os que praticam crimes contra a vida (violência contra pessoas). Um lugar especial para os tiranos:
Gente até os olhos vi nessa tortura,
e o Centauro explicou: “São os tiranos
que sangue e bens violaram com mão dura [...]
para o outro vai crescendo, ao rebaixar-se
o fundo, até que ao ponto se conjunge
no qual a tirania deve chorar (Dante, 1998, p. 95).
No segundo giro do sétimo círculo estão os suicidas, onde as Harpias (águias com rosto humano) fazem seus ninhos. Lá estariam os que, primeiro, perderam a honra e, depois, a própria vida:
Probidade exerci, no honroso ofício,
Tal que me fez perder o sono e os pulsos (Dante, 1998, p. 99).
O Inferno lhes traz consciência do crime da pena: “A forca em minha casa eu fiz pra mim” (Dante, 1998, p. 102). No terceiro giro do sétimo círculo estão os sodomitas: “Espreita-se daqui da Justiça a horrível arte” (Dante, 1998, p. 103). Mas, novamente, a soberba será alvo dos incrédulos da Prudência e da Tolerância – ou bom senso e respeito:
Tua soberba, a tua pena mais se amplia:
nenhum martírio, mais que o teu despeito,
pena apropriada à fúria tua seria (Dante, 1998, p. 105).
Ainda no terceiro giro do sétimo círculo do Inferno estão os incautos que não se resguardaram da sabedoria na arte da política; pois o Bem é provocador desses incompetentes a serviço do Estado:
por tuas boas obras te será inimigo;
e é natural, pois junto à sorva rude
não convém frutescer o doce figo (Dante, 1998, p. 111).
O Inferno está mesmo cheio de boas intenções. E também há um lugar especial para a vingança, a vendeta. O oitavo círculo contém dez valas concêntricas, onde se guarda tudo que possa ser asqueroso:
Tão caro é o fundo que à vista é vedado
sem que se suba, pela íngreme via
do arco, ao seu ponto mais sobre-elevado [...]
que de comuns cloacas parecia (Dante, 1998, p. 131).
Não há tempo para os melodramáticos, a punição é exemplar. A terceira vala aloja os déspotas e todos os que flertam com o nepotismo. Lá estão os condenados a “não-ser”, o homo sacer e o aneu logou[6]:
“Ó tu que o tope pra baixo transferes,
plantado como um pau, ser miserando”,
eu fui dizendo, “fala, se puderes” (Dante, 1998, p. 134).
É o antro da idolatria: “De ouro e de prata é o nosso Deus agora” (Dante, 1998, p. 137). Na quarta vala Dante castiga os adivinhos, mas podemos lá encontrar os ideólogos – punidos com o autoengano, enganados eternamente por si mesmos[7]:
Para as costas seu rosto era volvido,
e só andar para trás ele podia,
pois que de olhar pra frente era impedido (Dante, 1998, p. 139).
Realmente para um ideólogo ou apologista ser condenado a andar para trás é uma pena adequada:
“Ainda estás co’ os tolos enganosos?” [...]
Para o piedoso, aqui piedade é morta (Dante, 1998, p. 140).
Na quinta vala estão os traficantes. Hoje, no Brasil, a lista incluiria de senadores e governadores a ex-presidentes: “Lá o não é sim quando o dinheiro dita” (Dante, 1998, p. 146). A corrupção, como se vê acima, muda a própria lógica. Também é obvio que os corruptos não suportam ser revelados, porque isto acabaria com seus negócios – alguns se afetam pela hipocrisia desfeita:
“Assim coberto te convém dançar”,
disse, “pra trapacear era disfarçado” (Dante, 1998, p. 147).
Para esses, o pior inimigo é o amigo-arrependido, o corrupto que resolve colaborar com o Estado-Juiz:
esses, de sob a ponte algum abrigo,
surgiram co’ os arpões voltos contra ele,
que gritou: “Aqui ninguém seja inimigo!”[...]
e, após, de me aferroar conselho apele” (Dante, 1998, p. 147).
Os que quebram o contrato de urbanidade – como contrato social e jurídico de fundação do Estado – devem ser queimados vivos. E a condenação não poderia ser anunciada em melhor estilo: “Do seu traseiro o som de uma trombeta” (Dante, 1998, p. 150). Dante é misericordioso – uma das qualidades do homem de virtù –, por achar que sempre há um velhaco pior do que aqueles que já foram condenados:
E eu: “Mestre, se puderes, gostaria
de conhecer quem é esse desgraçado
caído em mãos dessa velhacaria (Dante, 1998, p. 152).
Por sua vez, os habitantes da sexta vala são os hipócritas e, como pena, desfilam vestidos com pesadas capas de chumbo douradas: “Oh! Eternamente fatigante manto!” (Dante, 1998, p. 159). Cedo ou tarde os fariseus seriam condenados pela ira do povo:
“O trespassado, a quem estás atento,
Aos fariseus ditou ser-lhes azado
pôr, pelo povo, um homem ao tormento” (Dante, 1998, p. 161).
Os condenados cobram nossas mentiras, como cobraram de Virgílio e do próprio Diabo:
E o frade: “Já em Bolonha a fama ouvira
dos vícios do diabo; dele ouvi
dizer que é falso e que é pai da mentira” (Dante, 1998, p. 162).
Se o Diabo é assim tão mentiroso, por que se acredita no Mal e no poder que tem sobre os homens? A mentira tem pernas curtas – e não convém basear o poder nesse artifício. Já a sétima vala é dos ladrões e está repleta de serpentes, o próprio cadafalso:
e ansiava: “Ao pisar na derrocada
verifica se a fraga te sustenta” (Dante, 1998, p. 164).
Descobrimos que no Inferno não há arrependimento eficaz – a figura jurídica que absolve do crime se o dano ainda puder ser remediado antes que se complete seu ciclo de malefícios:
Ah! Pistoia, Pistoia, induz tua mente
a incinerar-te, pra não viver mais
no Mal, que excede a tua própria semente! (Dante, 1998, p. 169).
No Mal que se esvai, a perda de substância condiz com a ausência de sentidos:
Como com o papel queimando ocorre
já não ter colorido certo algum
que preto ainda não é, e o branco morre (Dante, 1998, p. 171).
Nesta edição utilizada, a citação recaiu na página 171 – como se sabe, é o referente ao crime de estelionato (artigo 171 do Código Penal). Por outro lado, em política não cabe compreensão, especialmente se o jogo é o da vitória, na base da relação amigo-inimigo. A comunicação também pode ser de uma língua fendida – como de serpente – afinal, na condição política, quantos falam e nada se ouve?
e a língua, que era inteiriça e professa
à fala, ora se fende, e a forquilhada
do outro se rejunta, e o fumo cessa (Dante, 1998, p. 173).
A última vala seria o reduto da quinta coluna, como também o diria Ernest Hemingway (2007)[8]. Para Dante, trata-se da escória da sétima borra, a pior que há na sétima vala:
Assim mudar eu via a sétima borra,
e transmudar. Que o grau dos sucedidos
me escuse se por vez a pena borra (Dante, 1998, p. 174).
Na oitava vala estão os ladroes da virtù, os maus conselheiros – e suas penas seriam igualmente duras:
E o meu guia, ao me ver nessa procura:
“Há um espírito”, disse, “em cada fogo,
que se enfaixa daquilo que o tortura” (Dante, 1998, p. 177).
Não há inocentes, todos foram apenados por seus planos. Então, Ulisses é apontado como homem de virtù:
Considerai a vossa procedência:
Não fostes feitos pra viver quais brutos
Mas pra buscar virtude e sapiência (Dante, 1998, p. 179).
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a
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